A Rosa de Brasília


Em 1954, Vinicius de Moraes escreveu a poesia “Rosa de Hiroshima”. Uma inequívoca verdade dedicada à reflexão dos cidadãos do mundo:

A Rosa Genocida

“Pensem nas crianças
Mudas telepáticas.
Pensem nas meninas
Cegas inexatas.
Pensem nas mulheres,
Rotas alteradas.
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas.
Mas, oh! Não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroshima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida
A rosa com cirrose
A anti-rosa atômica.
Sem cor sem perfume
Sem rosa, sem nada”.

Ouça a música Rosa de Hiroshima!

Há poucos dias, após os 65 anos da poesia, o médico Carlos Eduardo Leão, atento às safadezas dos três poderes, publicou uma crônica que precisa ser entendida pela sociedade brasileira. Intitulou-a Rosa de Brasília. Eis seu magnífico texto.

A Rosa de hoje foi uma Rosa radioativa, estúpida e inválida. Foi a típica Rosa com cirrose. Uma anti-Rosa atômica, sem cor, sem perfume, sem Rosa, sem nada. Rosa traidora com a pequena esperança de uma nação. Rosa do voto confuso, de retórica rebuscada, juridicamente tendencioso, proferido sem vergonha. Rosa que não pensou no povo, mudo e telepático. Rosa que não honrou as bravas mulheres brasileiras rotas e alteradas pelo descompromisso da justiça. Rosa que não pensou nas crianças, cegas e inexatas pela desesperança. Rosa que não pensou nas feridas dos hospitais públicos, do desemprego, do sofrimento. Rosa que só pensou nos canalhas detratores da pátria. A Rosa de hoje não foi a Rosa Cálida. Foi a Rosa hereditária de uma genética ruim.

A Rosa de Brasília, sem cor, sem perfume, não é de toda estúpida e inválida. Há um lado positivo no seu voto perverso. Nesse julgamento fica tácito que o sistema político brasileiro está podre pela necrose ética que corrói deputados, senadores e outros funcionários públicos que lesam impiedosamente sob a proteção espúria do terceiro poder.

A Rosa de Brasília, não tenho dúvida, engrossa o coro dos críticos da indumentária presidencial na cerimônia de entronização de Sua Majestade, o imperador japonês. O presidente, único líder americano presente, resgatou as ordens honoríficas brasileiras, usadas junto a um fraque longo impecável, sendo a Ordem Nacional do Mérito instituída em 1946 por decreto do presidente Dutra, uma reedição da Ordem da Rosa de origem imperial. Que fique claro que a Ordem da Rosa é um símbolo pátrio, diferente da Rosa em questão, um símbolo nefasto do oportunismo jurídico contra as ações heroicas da Lava-Jato. O presidente estava elegante, iluminado, carismático e competente com as ações políticas desenvolvidas para choro copioso da esquerda podre.

Engrossa também o coro dos que criticam Bolsonaro por ter levado o seu indefectível Miojo para as horas em que a culinária local não o agrada tanto. Os críticos, invariavelmente a esquerdalha caviar e a extrema imprensa, fingem não se lembrar que o presidiário de Curitiba, a alma mais honesta do mundo, em situação semelhante, frequentava os mais caros restaurantes do mundo cujas iguarias eram regadas a Don Perignon, Petrus e Mouton Rothschild que, horas depois, o faziam urinar nas calças, escornado num canto qualquer, para delírio e aplausos frenéticos de seus asseclas, admiradores e seguidores. A sua substituta, não deixava por menos. A única diferença é que não foi flagrada molhada.

Estou na dúvida com os destinos do Brasil com tanta indignação acumulada e hoje culminada com o voto de Rosa. A Rosa de Hiroshima nasceu de uma bomba atômica lançada sobre inocentes indefesos. A Rosa de Brasília, mutatis mutandis, também. Será que é hora de caminhoneiros ligarem seus motores? Será que é o momento para quebra-quebra e caos? Talvez seja tudo que queira a esquerda ardilosa numa tentativa orquestrada pelo Foro de São Paulo, apoiado por dois dos três poderes da República, para desestabilizar a recente aprovação da Nova Previdência, da competente atuação do presidente na Ásia e do sucesso econômico que se descortina para 2020.

É hora de pensar, esfriar a cabeça e agir”.

Parabéns, DrCarlos Eduardo Leão!

Resgate do bom senso


Ricardo Kohn, Aprendiz de Filósofo.

Parece-me que bom senso não é uma habilidade inata do Homo sapiens. Creio que no seu DNA não há um gene responsável por esse traço de caráter. Aliás, não me recordo de portar “bom senso” ao nascer. Contudo, lembro-me bem de ouvir dos mais velhos uma sugestão diária: ─ “Menino, use seu bom senso”. Custei a perceber o que me diziam. Refletia indeciso sobre o que deveria ser bom senso. Porém, mesmo sem sabe-lo, acostumei-me à sugestão ancestral. Afinal, haveria de ter pelo menos uma razão lógica associada ao fato de possuir “bom senso”. Assim, em um dia perdido da juventude, a prudência aconselhou-me a aguardar o nascimento espontâneo desta sabedoria. Fiquei surpreso ao descobrir que bom senso era um tipo de sabedoria, mesmo ainda a desconhecer seu néctar.

Durante a adolescência ─ quando todos anseiam ser adultos ─, esqueci-me do bom senso. Graças a isso, presenciei atitudes insensatas de amigos. Fui imprudente em vários atos que cometi. Todos pagamos o justo preço das consequências. Diria hoje, da falta de bom senso. Aos poucos comecei a descobrir que esta faceta de caráter deve ser vista como uma arte da escultura. Entalha-se o bom senso através de processos de ensaio e erro, do aprendizado que provém das topadas que cometemos no caminho da maturidade.

Isto é Arte! A escultura quase perfeita de Lu Li Rong

Hoje ocorrem debates acalorados sobre algumas “exposições de arte viva”, por assim dizer. Ofereceram ao público variadas exibições de nudez humana. Não entro no mérito dessas exposições, foco apenas nos dois grupos que se digladiam com posturas opostas. De um lado,  os “progressistas”, que acham normais as demonstrações públicas feitas por homens pelados, pois constituem a livre expressão da arte. De outro, os “conservadores”, que acusam os donos desses eventos de destruidores da família, promotores da pedofilia, a afrontar princípios básicos de religiões. Ambas as argumentações me parecem esquisitas, fracas, pois nelas falta o bom senso, carecem de sensatez, são imprudentes.

A propósito, há uma íntima correlação entre bom senso, prudência e sensatez. Todos esses traços de caráter ─ que são artes da escultura ─ requerem capacidade de observar fatos, de refletir sobre eles, descobrir suas finalidades e entender os argumentos alheios, ainda que baseados em esquisitas alegorias[1], com vistas a embolsar dinheiro dos tolos.

_______
[1] Para a filosofia as “alegorias” são textos que encerram o valor simbólico das imagens e da narrativa, em decorrência das escolas a que pertencem.

Tagarelice de suposições


Ricardo Kohn, Escritor.

Em certos telejornais existe um hábito curioso. Repórteres que cobrem fatos nos locais de ocorrência insistem em usar o verbete “suposto”. Dizem eles, quase emocionados: liderados pelo suposto chefe da facção; degolado pelo suposto assassino (!); a quadrilha de colarinho-branco é comandada pelo suposto Rei do Quadrilhão; cometeram um suposto desvio do erário; está na UTI acometido por suposta febre amarela (!); e assim prossegue a ladainha do telejornal.

Ricardo Boechat

Sem falas supositórias

Acredito que esse suposto noticiário seja fruto de uma diretriz, entalhada a ferro-e-fogo, pelo suposto editor-chefe, sempre marionete dos que mandam na emissora.

Consultei o dicionário para confirmar o significado do verbo supor: 1. Alegar ou afirmar hipoteticamente para tirar alguma indução; 2. Admitir como possível, conjecturar, imaginar, presumir; 3. Formar hipóteses sobre.

Concluí que qualquer noticiário feito com base em suposições ou é falso ou só impede que o editor-chefe suje as cuecas. Além de duelar com as imagens mostradas, nada informa ao telespectador que, por sinal, paga caro para assistir supostos comentaristas e repórteres amestrados.

Por óbvio, há exceções: os jornalistas que não abrem mão de narrar a verdade factual, sem propelir suposições cretinas. Porém, são poucos, a maioria é feita de “lambe-sacos” e “tagarelas supositórias”.

A continuar com essa ladainha televisiva, plena de suposições, as empresas proprietárias das emissoras poderão falir. Ou não! Que tal mudar o nome do jornal para Supositório Jornalístico?…

Soldado-raso da Matemática


Ricardo Kohn, escritor.

Ao fim da década de ’30, nascer na floresta Amazônica e, ainda assim, sobreviver, era “indicador de elevada espiritualidade”, segundo a crença dos moradores de Arapuruca. Mas foi o que aconteceu com o mais novo morador do vilarejo, batizado nas águas do igarapé que atravessava a comunidade. Em homenagem a seu avô português, foi nomeado Raul Simas Neto.

Dr. Reinaldo Simas, seu saudoso pai, foi um médico que abnegara a própria vida para cumprir o juramento da profissão. Embora residisse em Manaus, deslocava-se com a família e atendia a várias populações ribeirinhas, moradoras no interior do Amazonas. Dava consultas, fazia exames, distribuía remédios e aplicava vacinas para as zoonoses da região. Tudo às custas do “Consultório do Dr. Simas”.

Após 12 anos dedicados à clínica geral, o sisudo Reinaldo conversou com sua mulher. Pensava como seria possível criar condições para a vida futura de Raul. Disse-lhe:

─ “Ione, temos que pensar na vida do Raulzinho. Ele precisa cursar boas escolas e ter uma formação superior adequada. Os tempos futuros dele não nos pertencerão”…

Foi assim que o médico definiu, de forma lógica, quase matemática, a equação capaz de criar um futuro melhor para Raulzinho. E Dona Ione, munida do sentimento da bem-aventurança, iniciou o transporte da família para o Rio de Janeiro.

Instalaram-se no bairro de Ramos e matricularam Raulzinho no Colégio Cardeal Arcoverde. Lá ele cursou ginásio e científico, destacando-se nas disciplinas da matemática e estatística.

Após concluído o ciclo básico, Raul ingressou no Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA). Morou durante 5 anos nos alojamentos do ITA, em São José dos Campos. Formou-se com louvor em engenharia eletrônica, turma de 1962.

Tinha sede de retornar para casa e conseguir trabalho adequado, onde aplicaria os complexos ensinamentos que recebera. Seu sonho era ingressar na Petrobras.

Fez concurso público para Engenheiro de Manutenção da Petrobras. Logrou êxito, mas foi alocado na Refinaria Duque de Caixas como “mero operário de manutenção da REDUC”. Lá permaneceu por dois anos, sem perspectivas de carreira.

Com a bagagem acadêmica que possuía, Raul resolveu dar tempo ao mercado de trabalho. Assim, matriculou-se no curso noturno da Faculdade Nacional de FilosofiaUniversidade do Brasil –, para se aprimorar em modelagem matemática. Do próprio ITA, já recebera bons conhecimentos de Pesquisa Operacional, porém, formou-se em Matemática na F.N.Fi.

equacoes-complexas

Na visão de Raul, abrira-se um novo segmento do mercado: o relativo ao desenvolvimento de algoritmos e modelos matemáticos destinados a otimizar projetos de engenharia. Junto com outros quatro especialistas, fundaram uma empresa dedicada, que ganhou o nome criativo de “Matema”.

Raul e eu conhecemo-nos em 1971, num seminário de Matemática Aplicada. Recebera um convite e decidi comparecer. Embora não fosse conhecedor da matéria – nada entendi dos algoritmos apresentados –, após concluído o seminário, a matemática tornou-se para mim a base da lógica, o fundamento do raciocínio: – “Quod erat demonstrandum[1], por assim dizer.

Nesse evento, meu então professor de Pesquisa Operacional, Frederico, apresentou-me Raul Simas Neto. Entre outras coisas, Fred gostava de citar o nome completo das pessoas, o que mostrava sua prodigiosa memória. Por outro lado, meu instinto notou que ele nutria admiração pessoal e acadêmica por Raul, muito embora, também fosse um cidadão consciente e houvesse obtido mais títulos universitários.

Passou algum tempo para que nos aproximássemos. Afinal, não pertencíamos a mesma geração. Raul é 10 anos mais velho. No entanto, acredito que a causa foi o interesse mútuo pela literatura e a obra de escritores universais. Ambos gostamos de escrever contos e crônicas; no eterno verão da cidade do Rio nunca postergamos uma conversa de bar, com petiscos, regada a chope gelado.

Bem, passaram-se 45 anos e chegamos ao final de 2016. Somos avôs com a cabeça quase branca. Atualmente, posso afirmar, somos da mesma geração, apenas com uma Grande Guerra entre as datas de nossos nascimentos.

Temo-nos falado mais por telefone, pois a economia não está a permitir a prática de exageros. Em nossa última conversa, Raul afirmou que precisava trabalhar, mesmo após aposentado. Seu interesse é aplicar “métodos quantitativos” para resolver problemas que hoje não faltam ao país.

Disse-lhe que ele continuava 10 anos luz à frente de nossa época. Mas respondeu-me com espanto:

─ “Que isso?!, sou um soldado-raso da Matemática”.

_____
[1] Em português, “como queríamos demonstrar” ou “cqd”.

Pequena luz na escuridão


Ricardo Kohn, Escritor.

Lucas nasceu no pós-guerra, filho de família remediada. Porém, com esforço da avó, estudou em bons colégios. Diz o grupo de amigos da época do qual faço parte , que era uma pessoa incomum: “todo dia acordava feliz e em busca de algo novo; amava fazer amizades; falava com todos, sem restrição”. Nunca pensou se corria algum risco com essas atitudes. Lucas não era estrategista.

Desde criança mostrava habilidades nativas. Por exemplo, capacidade de observar o mundo a seu redor, sem fazer críticas; era um curioso contumaz. Possuía criatividade ao formular soluções para percalços diários. Partilhava as soluções que encontrava com todos e ficava feliz com isso. Lucas, o jovem inocente.

a-luz-na-escuridao

Mais tarde, a cursar uma universidade pública, perguntava aos professores “como aplico essa teoria no meu trabalho”? Sua preocupação era a prática que desejava realizar. “A teoria eu aprendo nos livros”, pensava Lucas, o adolescente desafiador.

Quando cursava o 1º ano na faculdade, foi indicado para o cargo de Secretário do Diretório Acadêmico. Lucas era democrata e liberal; a chapa que o convidou tinha perfil autocrático, de esquerda. A curiosidade fez com que aceitasse o convite. Desejava saber o que era Diretório Acadêmico e como funcionava. Pois bem, foi eleito Secretário Geral do Diretório Acadêmico, com mais votos que a chapa de esquerda! Tinha liderança, porém nunca se interessou em saber quem o indicara. Lucas, o universitário iluminado.

Durante o 2º ano, começou a trabalhar numa empresa de projetos. Atuava junto a engenheiros de primeira linha. Com eles assistiu seu maior desejo tornar-se realidade: praticar as teorias. Porém, aos poucos, surgia nele um conflito: “sigo na faculdade ou persigo meu trabalho”? Em dois meses, decidiu. Trocou certos professores pelos mestres da engenharia. Assistia às aulas apenas de professores que, nas suas palavras, “não vomitavam decorebas”. Lucas, o pragmático.

Três anos após, obviamente, não concluiu a graduação; no entanto, tornara-se “bacharel em práticas”. Aprendera a fazer seus trabalhos, apenas com a prática e a leitura técnica. Pode-se dizer que se tornara professor de si mesmo. Lucas, o invejado autodidata.

Semana passada encontrei-me com ele. Almoçamos juntos. Não nos víamos há quase 30 anos. Sua reação foi o doce sorriso franco, o mesmo de sempre. Trocamos um forte abraço. Os poucos fios de cabelo que ainda lhe restam estão brancos. Mesmo assim, Lucas é jovem para a idade.

Nosso reencontro durou mais de nove horas! Fomos os últimos a “sermos expulsos” do restaurante. Pude concluir que ele vincara os mesmos valores que construíra desde a infância: inocente, desafiador, iluminado, pragmático e autodidata.

Sinto grande admiração por Lucas: tornou-se um estrategista: a pequena luz que mostra a escuridão em que se vive! Marcamos nova data para não esquecermos que ainda há futuro…

Já se passaram 60 anos…


Ricardo Kohn, Escritor.

Morava no Rio, em Santa Teresa, mas cursava o 1º ano científico no Liceu Franco-Brasileiro, no bairro de Laranjeiras. No fim do ano de 1962, por volta da uma da tarde, peguei um bonde lotado na Estação da Carioca, no centro do Rio. Era sábado (tínhamos aulas aos sábados) e fora convidado para assistir a uma audição de piano. Uma das futuras pianistas era minha namorada; não queria me atrasar.

Lembro-me que o motorneiro já avisara estar prestes a sair da estação, a tilintar o sino do bonde. Assim, subi no estribo esquerdo do reboque, fora do caminho de cobradores.

O antigo bonde de Santa Teresa, com carro elétrico e reboque

O antigo bonde de Santa Teresa, com carro elétrico e reboque

De fato, nunca ficava no caminho deles. Perambulavam pelo estribo, a cobrar cada passageiro, com as mãos coalhadas de notas velhas e sebosas, presas entre os dedos para dar trocos.

Embora a maioria dos cobradores fosse boa gente, havia os que tentavam se roçar em jovens do estribo. Por isso, sempre viajava no lado esquerdo, mesmo quando sentava em um banco do reboque.

Logo no início da viagem, para entrar no bairro o motorneiro tinha que trafegar sobre os Arcos da Lapa. O vento na face era gostoso. Sobretudo, para os que viajavam no estribo e não sentiam receio da altura. Naquela máquina de ferros sobre trilhos, sacolejava-se sobre ruas, carros e o telhado de casarões antigos, a quase 20 metros de altura do solo.

Para os mais jovens éramos heróis dos bondes de Santa Teresa; para adultos, apenas idiotas.

O acidente

Finda a travessia do aqueduto da Lapa, estava-se em Santa Teresa, no início da rua Joaquim Murtinho. Os motorneiros giravam o manete de cobre para acelerar o comboio e subir até a Estação do Curvelo.

Naquele dia – 7 de novembro de 1962 – eu estava distraído, pendurado no estribo a brincar com uma criança risonha no colo de sua avó. Foi assim que, na primeira curva da Joaquim Murtinho, meu corpo projetou-se para fora do reboque; fiquei exposto numa via de mão dupla. Um outro bonde que descia a rua bateu em minha cabeça, arrancando-me de tudo. Caí entre os dois pares de trilhos de ferro e a luz se apagou

Três dias depois acordei sem saber em que ambiente me encontrava: deitado numa cama de hospital, com mais de 160 pontos na cabeça. Não quebrei ossos, mas aprendi que nunca fora um herói

A verminose foi caríssima


Por Ricardo Kohn, Escritor.

Mas, enfim, pessoas desprendidas e focadas conseguiram pastorear a vara à sua prática normal: chafurdar na lama. Afinal, conduzir suínos dessa espécie é tarefa para poucos, sobretudo de forma suave e quase amigável. Deve-se homenageá-los pelo feito histórico.

Suínos são intrinsecamente sujos, “gostam de viver em ambientes imundos [pocilgas]”, diria o homo sapiens. Daí nasceu, por associação, seu nome vulgar: “porco”. Todavia, é sabido que, em 1777, foi cientificamente classificado como “Sus domesticus”, por Erxleben [1].

Suínos a chafurdar no lamaçal

Suínos a chafurdar no lamaçal

Segundo pesquisas de campo realizadas por cientistas, os suínos parecem ter origem na Ásia, há cerca de 10.000 anos. Foram domesticados nas primeiras povoações fixas para servir de alimento e animal de companhia.

Para o continente norte-americano os primeiros porcos foram levados por Cristóvão Colombo, em 1494. Todos foram soltos em florestas. Seus descendentes ocuparam áreas que vão do México até a Venezuela. Daí, invadiram toda a América do Sul. Olha o risco!

Entretanto, os porcos somente chegaram ao Brasil em 1532, pelas mãos de Martim Afonso de Souza[2]. Eram de raça portuguesa, mas a criatividade brasileira miscigenou-a, a produzir uma raça nacional, chamada Canastrão. Olha o risco!

Essa raça demonstrou-se ser bastante “proveitosa”. O interesse em sua criação era tal que foram fundadas instituições para facilitar sua penetração no mercado: Clube do Canastrão, Sindicato Canastrão, Partido Canastrão e, por fim, o Foro Internacional de Canastrões.

Mas foi somente a partir de 1989 que canastrões começaram a penetrar nas cidades. Como se tornara espécie domesticada, a população não se importou, a princípio. Até porque, há quem saboreie uma costela de porco bem feita. Desde que a pocilga não esteja em seu domicílio.

Novos bandos de canastrões continuaram a invadir metrópoles, sobretudo, em 1994 e 1998. Mesmo sem fazer qualquer “seleção de matrizes”, a produção de Canastrão parecia ser um “bom negócio”. No entanto, o mercado brasileiro não comprou essa coisa. Pelo menos, salvo em casos esporádicos, durante o século 20, não houve prato de Canastrão em mesas brasileiras.

Agora, neste século, na contramão dos costumes mundiais, o governo brasileiro começou a distribuir pratos de Canastrão, à socapa. Inclusive, exporta Canastrão para continentes e países pobres, dirigidos por ditadores implacáveis. Veja bem que risco.

Após quase 12 anos do Partido Canastrão ancorado no poder, parece, porém, que a nação brasileira começa a acordar. Crê-se haver descoberto que seu Estado se tornou uma pocilga: imunda e corrupta, nas mãos de matilhas de canastrões. Todas dirigidas pelo Grande Canastrão da República, suíno populista e milionário que transmitia à população sua enorme verminose. Olha o risco!

……….

[1]Sus domesticus” é a classificação taxonômica dessa espécie, dada pelo “inventor da veterinária”, o naturalista alemão Johann Christian Erxleben. Deduz-se que assim nasceram pratos da cozinha alemã, como Eisbein e Kassler, dentre muitas linguiças.

[2] Martim Afonso de Souza, descendente por linha bastarda do rei Afonso III de Portugal, 1º Donatário da Capitania de São Vicente, São Paulo, Brasil – 1533 a 1571.

O Risco de Rotular


Simão-pescador, Praia das Maçãs.

Simão-pescador

Simão-pescador

Para que entendam o que chamo “risco de rotular”, vou tomar como exemplo o trabalho de notórios cientistas que estudaram a Geologia da Terra. Em algum momento reuniram-se no campo para descobrir como, quando e por quê ocorreram mudanças significativas nas feições físicas do planeta: seus mesoclimas, suas rochas, seus solos e suas águas abundantes.

Após milhares de pesquisas de campo e incontáveis análises laboratoriais, concluíram que deviam classificar as variações periódicas sofridas pela geologia do planeta em quatro intervalos de tempo geológico, do mais amplo ao mais específico: Éon, Era, Período e Época foram os rótulos escolhidos para localizar no tempo a mudança geológica do planeta, ocorrida desde sua formação, estimada em 4,5, bilhões de anos passados, até a atualidade.

Por acaso encontrei um relógio que marca a História Geológica da Terra, o que facilitou-me a compreensão sobre o processo da Transformação do Ambiente Planetário. Sugiro que, para melhorar o entendimento, entrem neste link: Escala de Tempo Geológico. Diria ser necessário a leigos na matéria, tal como eu.

A ser assim, vive-se na Era Cenozoica, Período Neogênico, Época Holocênica. Até agora, o principal evento planetário ocorrido durante o atual Holoceno, também rotulado por Quaternário, foi o degelo da Terra (rotulado “fim da Era do Gelo”) e a expansão da dita civilização humana. Foi aí que se deu o maior perigo: a invasão dos sapiens. Porém, não se trata de “perigo geológico”. Significa “perigo de apedeutismo”, pois a maioria da população mundial ainda sequer foi civilizada, que dirá educada.

Há “cientistas”, que presumo salientes, a dizer que já se vive no Antropoceno, época em que as transformações planetárias seriam proporcionadas pelo “Homo sapiens”. Dizem que teria iniciado no século XVIII, com a Revolução Industrial, ocorrida na Grã-Bretanha.

Discordo frontalmente que o dito Antropoceno seja uma Época Geológica, que tenha no sapiens o único ou principal responsável. Afinal, que eu saiba, o Homem não é um ente geológico, a erupcionar, emitir trilhões de toneladas de gases de enxofre, calcinar a atmosfera, destruir rochas, mover continentes e oceanos.

Sem o auxílio considerável das Forças do Ambiente parece-me incapaz de “mudar as feições físicas do planeta”. Por enquanto, na minha lógica, o Antropoceno não passa de um rótulo arriscado, mera retórica de alarmistas.

Os “defensores do Antropoceno”, insuflados por jornalistas, defendem-no pelos impactos que dizem ocorrer na Terra, onde destacam o tal Global Warming. Por sinal, pela ignorância predominante, tornou-se o aterrador Aquecimento Global Antropogênico.

Com o medo crescente do dito aquecimento dos oceanos, a morte de peixes em caldeirões marítimos fervilhantes tornou-se o roteiro cinematográfico de meus pesadelos sistemáticos. Não conseguia dormir e passei várias madrugadas a andar na praia. Meu mais velho, preocupado com minha saúde, avisou-me que haveria um encontro de cientistas no Brasil para esclarecer esse “danoso boato“. Disse-me que eu deveria ir.

Assim fiz. Arrumei a maleta e segui para Recife. Consegui hospedagem num pequeno casebre na Praia de Porto de Galinhas. Um ambiente maravilhoso que, de chofre, anulou-me a insônia. Assisti a várias palestras sobre a hipótese da mudança climática. O “fim do mundo num buraco quente“, como rotulado de forma intempestiva por Al Gore, o Presidente do Global Warming. De clima o gajo nada entendia, porém, como artista do cinema mudo, até que não foi tão ruim.

Mas uma palestra pareceu-me precisa. Foi feita pelo Professor Dr. Luiz Carlos B. Molion, do Instituto de Ciências Atmosféricas. Em síntese, sobre o aquecimento global, disse ao plenário da academia, a comparar dados meteorológicos de 2013 e de tempos longínquos [1]:

“… as temperaturas da Terra já estiveram mais altas, com concentrações de CO2 inferiores às atuais. Portanto, não é possível afirmar que esteja a ocorrer um aquecimento global sem precedentes, como querem alguns. Muito menos que esse aquecimento seja provocado pelo aumento da concentração de CO2, decorrente da queima de combustíveis fósseis pelo Homem. Ao contrário, demonstro em meu trabalho que o CO2 não controla o clima global e que haverá um ligeiro resfriamento global nos próximos 20 anos”.

A farsa do aquecimento global

A farsa do aquecimento global

Ao retornar à praia das Maçãs fui direto molhar-me no mar. Meu inconsciente ficou tranquilo com a gelidez das águas. Agora, quase ao meio do dia, o termômetro de casa marca 5 0C. Durante a madrugada, -1 0C. Normal para início de inverno.

Que bosta dePátria Educadora“! Três Vivas ao Holoceno! Chega de rótulos safados!

……….

[1] Ele se referia a dados meteorológicos obtidos por pesquisadores de campo, há 320 mil anos, entre os últimos períodos interglaciares do planeta, “quando as temperaturas estavam de 6 a 10 0C mais elevadas do que as atuais”. Interessante, não acham?

Il settimo spiraglio : sulla Vita e sull’Amore


A alegria italiana é contagiante…

SpiragliDiLuce

Un saluto di cuore e bentornati, mi auguro che abbiate passato delle buone feste e che l’anno sia iniziato nel migliore dei modi.

Innanzitutto mi scuso per questa assenza di due settimane. Prima di scrivere cerco sempre di ricordare per non lasciare indietro nulla : guardo le foto, ascolto le canzoni, poi metto tutto da parte e chiudo gli occhi. Con gli occhi chiusi cerco di riportarmi là, rivivendo persino le sensazioni più intime, i desideri, il vento sulla pelle, faccio qualcosa di simile a quella che Stanislavskij chiamava riviviscenza, per far sì che nessun dettaglio vada perduto. Stavolta gli eventi erano così numerosi, densi e aggrovigliati nella mia testa che il tentativo di sbrogliarli ha richiesto ben due settimane. Ma quel che importa, mi auguro, è che ora siamo quaquindi via col racconto!

Santa Marta è una città di mezzo milione di abitanti che si affaccia sul Mar…

Ver o post original 1.440 mais palavras

Boas Festas!


É o que se deseja aos Fatores Ambientais que realizam o Ambiente da Terra!

Que todos mantenham relações saudáveis, estáveis, com trocas espontâneas de matéria e energia! Que o Ar seja temperado e úmido; que não evapore Água em excesso. Que a Flora seja exuberante, umedeça o Solo e nutra-o pela decomposição de seus antepassados.

Neste voto de utopia é evidente que também estão inclusos a Fauna e o Homem, com todas as prerrogativas que merecem os seres destes fatores. Boas festas para todos, em igualdade de condições existenciais.

Dentre os homens, inclusive para aqueles dos quais se aguarda a regeneração de atitude, boas festas também! Não que sejam totalmente pervertidos, em absoluto. Afinal, que se saiba, nenhum se encontra perdido.

Entretanto, caminham por uma órbita estreita e particular, que não recebe a energia do Sol. Energia que é a catalisadora da evolução de tudo e todos. Para estes, espera-se que mudem de órbita e realizem apenas relações honestas e prósperas para os demais fatores ambientais.

De toda forma, chega de degeneração moral! Mesmo assim, deseja-se uma nova órbita para os corrompidos!

Nascer do Sol sobre o Ambiente da Amazônia

Nascer do Sol sobre o Ambiente da Amazônia

O Ambiente não possui intenções, independente do Homem intencional que dele é a sexta parte. Também não reflete emoções, pois não se importa com a emoção de seus seres vivos. Para Ele não existem festas ou contagem do tempo. Em suma, no Ambiente não há hipocrisia. Por isso, Ele às vezes aparece ao Homem intencional como um mistério implacável!

A ser assim, a equipe de Sobre o Ambiente deseja Boa Sorte aos fatores ambientais que realizam o Ambiente!

Aurora de 2015, vista da Janela da Mantiqueira – por Lino Matheus

Aurora de 2015, vista da Janela da Mantiqueira – por Lino Matheus

Professores através dos tempos


Pela essência do 15 de Outubro, Dia do Mestre.

São inesquecíveis todos aqueles que contribuem para a formação dos primeiros traços culturais na cabeça de uma criança. Parece-me normal que os “primeiros professores” sejam parte de sua família. São mais eficientes pelos exemplos que dão à criança, do que através de conversas e conselhos. É assim que vejo “brotar uma nova personalidade”.

Porém, há crianças que não possuíram pais. Ou ficaram órfãos ao nascer ou seus pais foram “incipientes no professorado”. Este foi o meu caso, com pais principiantes pela idade e total inexperiência em educação.

Contudo, faço-lhes homenagem nesta data. Se pelo lado materno recebi a sobrecarga do “amor egoísta”, que tanto me sufocava, do lado paterno conheci os efeitos dolorosos de um gratuito chicote a bater-me nas pernas. Sentia-me encurralado e não tinha para onde fugir. Mas, exatamente por isso, agradeço-lhes, pois foi assim que obtive o direito inconsciente de escolher, dentre as pessoas da família, quais seriam os melhores “primeiros professores”.

Hoje, analisando o ocorrido em minha infância, posso explicar meu interesse prematuro pelo aprendizado. Queria ler todos os jornais que pegava, mas permanecia analfabeto. Os adultos debatiam sobre o que liam, não raro brandindo um jornal nas mãos, e eu não podia participar. Com eles, percebi a importância de pitadas da crítica.

Foi assim que, em meados de 1952, aos 4 anos de idade, já sabia ler, escrever e fazer as quatro operações. Devo essa primeira “conquista do saber” aos exageros de minha mãe, pois durante seus ensinamentos, sem que eu tivesse consciência, estava a viver o processo da libertação. Aprender nunca me sufocou. Até por que, não queria ter um “crânio com cérebro baldio dentro”.

Desde o primário até a faculdade tive a sorte de ter bons professores. Cursei primário e ginásio em um pequeno colégio do bairro em que morava. Foi lá, durante o curso Primário, que minha personalidade começou a criar as primeiras raízes mais profundas, as boas e as más.

Nos cursos de Admissão e Ginásio, devo salientar os professores Wellington (Português), Aluízio (Geografia) e a inesquecível Dona Adélia, que ensinava História, a idolatrar os impérios Maia e Asteca. Dedicavam-se aos alunos de modo a vincar seus aprendizados com overdoses de moral e ética. A bula da época não descrevia dores ou qualquer efeito colateral nocivo para a moral e a ética, sobretudo quando aplicadas definitivamente na veia jugular.

Encerrei os estudos no bairro nessa oportunidade, pois no colégio não havia o Científico. Teve início, assim, uma pequena discussão em casa. Meu pai dizia que não tinha como pagar um colégio particular. Pelo lado oposto, minha mãe queria que eu cursasse o Científico no Liceu Franco-Brasileiro. Não vou entrar em detalhes, mas o chicote já fora vendido.

Como fruto das escolhas que fizera na primeira infância, um de meus “primeiros professores” pagou o curso no Franco-Brasileiro. Sofri um bom impacto diante desse fato:

  • Ter que sair diariamente do bairro, onde fora criado e a todos conhecia, e seguir de ônibus para Laranjeiras, a descobrir desconhecidos.

Porém, melhor que tudo, foi montar uma nova prateleira em meu quarto, com livros de Física, Química e Cálculo Matemático. Aos 14 anos senti a sede de obter conhecimentos e conhecer professores para o curso Científico. Pela lógica, imaginava que fossem cientistas.

As instalações do liceu eram superiores em tudo às do colégio do bairro. Mas a diretora era uma pessoa estranha, Dona Eliane “dos dentes verdes”. Os alunos mais velhos, que talvez tenham cursado o liceu desde o primário, chamavam-na pelas costas de “Lili”.

Apenas para mim é que tinha dentes verdes, além de ser autoritária. Por suas grosserias e gritos com alunos de todas as turmas, “Lili” não passava a imagem de 1ª Dama do Liceu. Em verdade, fazia do Liceu um forte com disciplina militar. Contudo, preciso salientar que, de forma quase paradoxal, tratava-se de uma qualificada humanista. Com ela aprendi a ter paciência, foco e disciplina.

Os professores do Franco de meu tempo tinham competência na educação. Um deles, que me cabe ressaltar, Professor Henrique de Paula Bahiana, foi realmente um cientista na área da Química. Na década de 1940, esteve a trabalho em diversos países europeus, convidado por governos para solucionar problemas de saneamento básico e aplicar cursos técnicos. Tive a honra de ter sido seu aluno, durante dois anos do curso Científico, em química inorgânica e orgânica.

Em 1967, com vistas a me qualificar para as provas do pré-vestibular, pesquisei bastante para saber em qual curso deveria matricular-me. Não foi difícil concluir que o Curso Bahiense era cotado como o de melhor desempenho, naquela oportunidade. Meu “primeiro professor” fez a matrícula e depositou o valor mensal do curso.

Recebi aulas dos melhores professores do curso. Os mestres titulares das cadeiras cumpriam um cronograma diário incrível, inclusive com testes nas manhãs de sábado. Porém, como as unidades do Bahiense eram dispersas em regiões e bairros do Rio, com sol ou chuva, eles rodavam diariamente pelas ruas mais do que taxistas, com trabalho repetitivo, dividido em dois turnos.

De início não consegui explicar a mim mesmo o porquê da assiduidade com que davam aulas. Mais ainda, a tranquilidade e elegância com que o faziam. Mas certo dia descobri, na pequena secretaria da unidade em que estudava, que eram os próprios professores que faziam seus planos de aula. Eles não eram impostos ou impositivos, mas sócios em uma única missão a que amavam: educar com qualidade seus alunos. Devo dizer que nunca em minha vida estudantil recebi um volume de conhecimentos similar ao do Curso Bahiense.

Apresento alguns professores do Bahiense daquela época, que acredito terem-me sido essenciais: Henrique de Saules (Trigonometria, Logaritmo e Análise Matemática), Otávio Guimarães Gitirana (Álgebra, Análise Combinatória e Cálculo diferencial), Ubirajara Pinheiro Borges (Geometria), Edgard Cabral de Menezes (Química orgânica e inorgânica), Antenor Romagnolo (Física Newtoniana, Ótica, Calor e Acústica), o próprio Norbertino Bahiense Filho, com suas surpresas da Geometria Descritiva, José Carlos Bazarella (Perspectiva Isométrica e Cavaleira) e Haroldo Manta (Desenho Geométrico). Todos são inesquecíveis em termos da razão e da lógica que diariamente me transmitiram, durante quase um ano. A boa educação é impagável!

Questões pessoais impediram-me de dar sequência imediata no curso universitário. Em síntese, precisava trabalhar para pagar contas e realizar minha liberdade. Assim, somente em 1969 ingressei num curso de Administração Pública.

Aula em anfiteatro de universidade

Aula em anfiteatro de universidade

Realmente, com poucas exceções, a pressão de estudar foi bastante reduzida, se comparada à do pré-vestibular. Talvez por que a ótica universitária fosse distinta, não sei. Mas, pelo menos para mim, isso tornou-se um problema. Estava acostumado com a pressão do Curso Bahiense e na faculdade quase não havia igual demanda.

Outro aspecto que me chamou atenção foi-me apresentado pelas Ciências Sociais, que nunca estudara. Recebi aulas de Metodologia de Pesquisas, Ciência Política e Sociologia. Os professores destas cadeiras tinham qualidades essenciais que desconhecia até então. Confesso que esqueci da engenharia a que me propusera cursar. E mais, praticamente abandonei as demais matérias da faculdade. Exceção feita à cadeira de Administração, função da qualidade do mestre que a lecionava, Professor Paulo Reis Vieira.

Dessa forma, destaco a competência e os ensinamentos que recebi de Simon Schwartzman, com quem estagiei na qualidade de seu assistente. Simon foi meu Mestre em Metodologia de Pesquisas. Com ele, mais que tudo, creio haver aprendido a pensar.

Na faculdade destaco, da mesma forma, os professores e amigos Maul e Fred, a lecionar Estatística, Álgebra Linear e Pesquisa Operacional. Com esses dois pude aprender que errar não é aconselhável.

Ainda assim, faltam importantes menções a professores através dos tempos. Desejava publicar esta crônica ontem, no Dia do Mestre. Mas perdi tempo a escarafunchar a memória, pesquisar documentos, para conclui-la somente hoje. De toda feita, esta é minha homenagem a meus professores.

Ricardo Kohn, Escritor.

Escadas e escadarias inauditas


Uma experiência pessoal.

A primeira vez que me recordo de ter sofrido o impacto de uma escadaria, aconteceu em 1952. Eu tinha 4 anos de idade. Saíra de casa com minha avó para assistir Tom & Jerry, na sessão matinal do cinema Metro, que ocorria aos sábados.

O Metro ficava defronte ao Largo do Passeio Público, no centro da cidade do Rio. Para chegar até ele, eu tinha que pegar um bonde até o Largo da Carioca, seguir pela Rua Senador Dantas e dobrar à direita. Lá estava o cinema Metro!

Adorei os filmes de Tom & Jerry, assim como centenas de milhares de outras crianças. Na escuridão da sala de projeção, as risadas pareciam ecoar com mais valor, criando a cumplicidade de todos com a alegria. O ânimo dos adultos e de suas crianças era muito diferente naquela época.

Mas para sair de casa e ir à rua, tinha que subir uma escadaria larga, ancorada no muro alto e recoberta de concreto, até chegar ao portão de saída. Até hoje ela está lá, com seus 21 degraus. A casa fica em centro de terreno, é arborizada, fresca e silenciosa. O movimento da rua não perturba à família e aos amigos que a visitam. Não se escutam carros, suas buzinas e vozerios. Parece que se está em um ninho protegido. É assim que as vejo em minha infância, a casa e a escadaria.

Foi dessa forma que percebi o que fez uma escadaria em minha vida. Através dela, escalando-a, eu deixava a calma, a brisa e o silencio que tinha, para enfrentar a multidão barulhenta, sob sol a pino. No entanto, no vão que ficava sob ela, havia vasos de plantas que eu gostava de cavucar a terra para depois regar. Ver novos brotos nascendo, flores com abelhas zumbindo, não têm preço para uma criança!

Aliás, assim disse o poeta, em Mensagem à Poesia: “pelo direito de todos terem uma pequena casa, um jardim de frente e uma menininha de vermelho”. Eu não deixaria de acrescentar que “uma escadaria” também é essencial.

Valparaíso, Chile

Escadaria em Valparaíso, Chile

Aos 5 anos de idade fui apresentado a um portento de escadaria: aberta ao céu, sinuosa, construída de pedras e com 312 degraus. Porém, parte de suas margens laterais é até hoje protegida por murada recoberta de eras.

Constituía o acesso ao casarão de dois andares, onde ficava a escola em que cursei o primário. Portanto, encontrávamo-nos todos os dias úteis e, a cada vez que a percorria pela manhã descobria coisas novas: buracos de camaleão na murada, ninhos de pássaros com filhotes e muitas flores a brotar coloridamente. Não era insensível a esses detalhes.

Mais tarde, já com 7 anos, a escada interna do casarão da escola chamou-me a atenção por dois motivos. Primeiro por ser uma escada em caracol, feita em madeira de lei e com os belos desenhos do Pinho de Riga. Segundo, pelo fato de colegas mais velhos, durante o intervalo do recreio, ficarem sempre reunidos ao seu pé.

Levei algum tempo para descobrir o motivo daquelas reuniões perenes. Mas acabei por conferir, pessoalmente, que eram pernas e calcinhas de jovens professoras da escola, que ficavam à mostra quando subiam ao segundo andar. Também fiquei impressionado, deveras.

Essas experiências vão-se acumulando e modificam a atitude das pessoas. De tal sorte que, aos 10 anos de idade, estando eu na casa de um amigo da escola, notei que havia uma bela escada de madeira. Porém, percebi que ele tinha três lindas irmãs mais velhas. Mas, mesmo quando sentado na saleta, ao pé da escada, jamais consegui sequer levantar os olhos para “pesquisar” qualquer uma delas a subir a maldita escada.

Depois disso, não me recordo de escada ou escadaria que me haja chamado atenção na infância. Até cheguei a acreditar que se tratava de uma fase normal de todas as crianças: gostar de subir degraus. Porém, aos 26 anos, trabalhando em uma empresa de engenharia de projetos, o acaso fez-me uma surpresa.

A empresa precisava de um arquiteto para projetar um canteiro de obras que fosse funcional e, ao mesmo tempo, tivesse visual agradável aos olhos dos passantes. Meu diretor incumbiu-me dessa tarefa. Após alguns contatos telefônicos, selecionei dois escritórios e disse que os visitaria para conhecer alguns de seus projetos já realizados.

O primeiro grupo tinha escritório no centro da cidade, próximo à nossa empresa. Eram cinco arquitetos, a ocupar duas salas pequenas, no 25º andar de um prédio comercial. Três mesas estavam vazias e sem papéis. Pareciam sem uso, pois havia poeira acumulada nos tampos. Não pude ver qualquer arquitetura realizada, mas recebi uma proposta e, em seguida, apenas desculpas esfarrapadas.

Segui de táxi rumo ao bairro de Botafogo, numa rua sem saída e arborizada. O outro escritório ficava em uma pequena casa de dois andares, mais um sótão. Toquei a campainha e fui recebido por um dos três sócios. Ao abrir a porta da casa, o primeiro andar estava um pouco escuro, mas havia uma luz tênue que indicava a escada para o segundo andar. Segui por ela preocupado onde estava a pisar. Mas meus olhos se acostumaram à penumbra e, por fim, veio luz do andar de cima.

A casa era “o projeto arquitetônico” da equipe associada. O sótão havia sido transformado em mezanino, com mesa e prancheta para uma arquiteta sorridente. Sobre sua cabeça havia uma claraboia que fornecia luz ao ambiente. Quadros e vasos de flores adornavam o andar.

Claro que fechamos contrato de serviço com a trinca e a solução que desenharam encantou nosso cliente. No retorno à empresa muitas coisas passaram por minha cabeça. Em síntese, diria que, aos 26 anos, descobri que da penumbra vem a luz, basta seguir na direção certa.

Ao subir escadas e escadarias deve-se olhar para baixo e ver o chão que se pisa, mas é essencial olhar para cima e ter certeza aonde pode-se chegar.

O ato de escrever e as dúvidas correlatas


Ricardo Kohn

Ricardo Kohn

Várias são as dúvidas que atormentam a cabeça de um escritor antes e durante a redação de um texto. Mas poucos são os leitores que sabem disso. A maioria apenas exige clareza, boa argumentação e significado relevante após sua leitura. De outro modo, o resultado final do artigo precisa ser capaz de gravar a fogo um “xis” no cérebro do leitor, do contrário ele segue reto para o lixo do esquecimento.

No entanto, para o escritor, a oferta espontânea de textos constitui uma ação voluntária de compartilhar ideias, de oferecer opiniões, de trocar conhecimentos com seus leitores. Enfim, é um ato de esperança, que quase implora para conversar com pessoas interessadas.

A primeira dúvida é a escolha do tema do texto. Por exemplo, para a maioria dos escritores o tema é fundado em fatos diários, onde textos críticos ou “de apoio” têm maior representação no espaço cultural. Neles, “o nome dos bois” precisa ser dado, pois do contrário não causam o impacto desejado. Graças a isso, são os textos que informam ao público mais atento e assim fortalecem a democracia em países civilizados.

Outra dúvida refere-se à natureza do texto a ser redigido. Pode ser uma simples notícia, um editorial, uma opinião e segue a plêiade de gêneros literários: crônica, sátira, ensaio, conto, etc. Mas diria que esta dúvida pode ser resolvida com facilidade. Basta que qualquer gênero seja tratado simplesmente por artigo.  Afinal, a preocupação com a escolha da forma não é relevante para o leitor em geral. Contudo, devo salientar, costumo “classificar” os textos que redijo segundo o gênero que considero pertinente. Mas sem preciosismos. Trata-se de um hábito que mantenho desde que iniciei a redigir.

Entretanto, a maior preocupação do escritor consiste em “como escrever” acerca do tema escolhido e, além disso, conseguir manter o texto amarrado ao seu foco principal. Sempre ocorrem em escritores impulsos de criar subtemas e saírem do foco. Mas é possível contornar esse desvio. Uma boa prática é o uso da nota de rodapé.

Da preocupação em “como escrever” surgem muitas dúvidas, consideradas bastante normais: gramaticais, sintáticas, a escolha de verbetes para cada situação e a conexão interna do texto, ou seja, sua estrutura consistente, mostrada pela sequência adequada dos parágrafos e a conversa lógica entre suas frases, que sempre deve ser clara e informativa [1].

No entanto, se o texto for surpreendente, ainda melhor! Por isso, tento encerrar a maioria de meus artigos com algo dentro do foco, mas que provoque à imaginação do leitor. De maneira sincera, gostaria, através de meus textos, de ser capaz de fazê-lo levantar da cadeira ao fim da leitura, com uma boa interrogação na mente e disposto a refletir mais sobre o tema que abordei.

Escrever para um website ou blog não é diferente, pois as dúvidas do escritor são as mesmas e o processo requer mais alguns cuidados. Por exemplo, para documentar um artigo é razoável que se tenha fotografias adequadas para ilustrar o texto. De certa forma, isso atrai mais leitores. Mas às vezes não há imagens que atendam ao texto. Assim, tenho duas coisas a dizer que julgo importantes, pela razoável experiência adquirida na literatura:

  • Quando não se tiver uma foto consistente com o teor do artigo, usa-se uma imagem que traga leveza visual, com ou sem legenda; e
  • Quanto à nota de rodapé que usei, para não perder o foco deste artigo, não tive a intenção de doutrinar ou “evangelizar” ninguém. Apenas a de completar explicações e motivar a reflexão de pessoas interessadas no assunto.
Texto manuscrito em Siríaco

Texto manuscrito em Siríaco

__________

[1] Não há dúvida que políticos brasileiros dos últimos 12 anos cometem atrocidades com a língua portuguesa, nada “claras e informativas”. Erros de gramática e sintaxe são assustadores. Conexão entre parágrafos e frases não existem quando mentem de improviso. Porém, acima de tudo, não devem ser esquecidos os “verbetes curiosos” que são proferidos, sem qualquer sentido para pessoas com inteligência mediana.

Gostaria de saber, sobretudo, o significado de expressões ditas políticas, tais como “centralidade da necessidade”, “consenso progressivo”, “esforço transversal”, “sonháticos” e “agenda plasmante”. Parece palavrório ordinário vomitado por “filósofo evangélico da Universal”. Aposto que trazem o risco de serem outro embuste para encurralar a sociedade brasileira, já acuada pelo altaneiro cinismo de políticos corruptos.

A equipe de que faço parte


Dedico esta crônica a Olga e Felisberto Brant.  Foram os principais personagens da educação fundamental que muitas crianças e jovens receberam do colégio que abriram em Santa Teresa. Anamaria, filha única do casal, é grande amiga de nosso grupo até hoje. Faz parte da equipe, com mérito especial.

……….

─ “Dá-me orgulho participar dela, há décadas; com ela ainda aprendo todos os dias; ela me emociona com seus atos inesperados e surpreendentes!” Assim pensa o nosso grupo acerca da equipe, da qual Zezinho é parte essencial. Aliás, em outubro próximo completará 67 anos.

Zé e eu conhecemo-nos aos 5 anos de idade, no colégio em que cursamos o Primário. O seu antigo casarão de dois andares, construído em estilo colonial, ficava próximo à cumeeira de um morro, no bairro de Santa Teresa, Rio de Janeiro.

O bonde, eterno símbolo de Santa Teresa

O bonde, eterno símbolo de Santa Teresa

Para chegar às salas de aula era necessário que as crianças atravessassem o grande portão de ferro e “escalassem” os mais de 300 degraus de sua sinuosa escadaria de pedra. Nossas pernas, ainda curtas, aos poucos faziam com que os degraus crescessem e ficassem quase intransponíveis.

Mesmo assim, lembro que várias vezes apostamos corrida para ver quem chegaria primeiro ao casarão. Era um arroubo infantil que alguns apenas acompanhavam, pois estacionavam na metade da subida. Havia, na primeira curva, uma espécie de “sofá de concreto”, onde sentávamos para aguardar que os degraus voltassem ao tamanho normal.

De toda forma, ficávamos estafados ao fim das célebres corridas matinais. Tanto é assim que na primeira aula nossas camisas do uniforme estavam encharcadas de suor. Trazíamos olhos esbugalhados, narizes arfantes, e todos éramos índios da tribo dos “Cara Vermelha”, de acordo com nossa atenta e especial Tia Olguinha – Professora Olga Cascardo Afonso.

Já no período do Ginásio, então na nova sede do colégio, embora com a saída de alguns, o grupo cresceu com a entrada de outros alunos. Todos a residir no mesmo bairro. Porém, estar cursando o ginásio era uma glória para a equipe original. Sentíamo-nos “quase adultos” aos 10 anos de idade!

Nesse período algumas amizades tornaram-se mais estreitas. Recordo-me que Zezinho, Hick, Humberto e eu passamos a nos visitar para brincar na casa de cada um. Em minha casa, na Travessa Poti, realizávamos “guerras de carambola”. Na casa de Zezinho, situada na rua Triunfo, além de soltar pipas do terraço, a melhor opção era subir em cordas amarradas nos galhos da copa de uma antiga mangueira. Era um bom exercício, que amenizava os impulsos da nossa idade. Já na casa do Hick, na rua Aprazível, também frequentada por Humberto, o desafio era subir o íngreme morro da Anteninha e, logo depois, escalar um paredão de rocha (Morro da Nova Cintra) que faz divisa com o bairro de Laranjeiras.

Com essa primeira saída de casa, perambulando pelas ruas de Santa Teresa, começamos a conhecer famílias com crianças da nossa idade, mas que estudavam em outros colégios. De certa forma era uma conquista, uma boa oportunidade para aumentar nosso grupo original. Mas também constituía uma ameaça à unidade do grupo. Pois, embora não soubéssemos, havia vários grupos formados no bairro, todos mais antigos e maiores que o nosso, que tinham o poder de nos atrair, dispersando-nos como amigos próximos. Mas isso não aconteceu.

Porém, existiam alguns traços que eram típicos da cultura do bairro. Além de descobrirmos como funcionavam, contribuímos para sua manutenção. Destaco um deles, bem simples. Naquela época os grupos de amigos em Santa Teresa eram chamados de “turmas”. E cada turma era vinculada a uma área do bairro a que davam um apelido em função do nome de ruas, praças e até mesmo do número de prédios. Por exemplo, Turma da Joaquim Murtinho, Turma do Curvelo, Turma do 109, Turma do Largo do França, Turma da Teresina, e Turma da Paula Mattos são algumas delas. Contudo, nós não pertencíamos a nenhuma dessas turmas já consagradas.

Assim, percebemos que para fortalecer nossa amizade, também devíamos criar nossa própria turma. Porém, o ponto de encontro não podia ser a casa de qualquer um de nós. Tinha que ser um lugar especial do bairro. E o acaso nos permitiu criar nossa turma. Explico.

Meus pais e os de Humberto conheceram-se desde a adolescência. Talvez tivessem participado de alguma turma, quem sabe. Porém, com a proximidade dos filhos, passaram a se frequentar mais. E o mais comum era irem nos fins de semana com seus filhos à piscina do Lagoinha Country Club, onde meu pai então era o Diretor de Esportes.

Imagem atual da sede do Lagoinha Country Club

Imagem atual da sede do Lagoinha Country Club

O Lagoinha continua localizado em Santa Teresa, na estrada Joaquim Mamede, no meio da floresta da Tijuca. Mas foi lá, ao fim da década de 1950 ou início da de 60, não sei bem, que nasceu de forma espontânea a Turma do Lagoinha, dedicada a esportes dos mais variados, como natação em piscina curta, saltos ornamentais em um precário trampolim, montanhismo num paredão de saibro, tiro de arco e flecha, um pouco de tênis e futebol.

Naquela época, o clube tinha poucos sócios que, na maioria, eram suíços. Dessa forma, durante cerca de três anos tornou-se uma extensão de nossas casas em muitos fins de semana. Apenas nossas famílias e o grupo original de amigos frequentavam o Lagoinha com assiduidade. Nós nos divertíamos com o acaso, com a passarada, com os grupos de saguis e macacos que desciam pelas copas das árvores em algazarra e com casais de esquilos ressabiados. Uma vez ou outra encontrávamos uma cobra venenosa e, ainda crianças apavoradas, fazíamos muito barulho para espantá-la mato adentro. Mas nunca ocorreu qualquer acidente.

Mais tarde, já com cerca de 13 anos, para coroar a Turma do Lagoinha, foi montada uma grande festa no Lagoinha, onde pudemos nos confraternizar com amigos das várias turmas do bairro. Em nome de Zezinho (José Edwin Murray), de Hick (Eugênio Henrique Monteiro) e de Humberto (Pereira de Souza), destaco a presença na festa do Neto (João José da Silva Neto), o mais querido amigo da Turma da Teresina. Neto é o irmão mais velho que qualquer ser humano normal deseja ter. E nós o temos até hoje, embora resida em outro estado.

Bem, então chegara a hora de cursarmos o Científico. Além de ser o prévio para a faculdade, precisávamos nos matricular em escolas fora do bairro, pois não havia uma que oferecesse o curso em Santa Teresa. Assim, cursei o científico no Liceu Franco-Brasileiro, mas confesso que nunca soube em que colégios os amigos do grupo ingressaram.

Durante o científico, o grupo original teve raros encontros. Às vezes um encontro na rua ao acaso, um chope marcado no “Bar do Arnaldo” e nada mais. A maioria fez faculdade, trabalharam em algumas empresas, todos se casaram, mudaram de endereço e os contatos se perderam. Eventualmente, Zé, Hick e eu nos encontramos. Ano passado mesmo, tivemos um almoço com outros alunos dos velhos tempos, organizado por Tiquinho (Paulo Cesar Boueri), da Turma da Paula Mattos. Humberto não estava presente. Infelizmente, deixou-nos muito cedo.

De toda forma, 60 anos após o início de nossa amizade, percebo que na infância formamos um Grupo bem unido; 10 anos após, a Turma do Lagoinha; hoje, embora sem que possamos nos encontrar amiúde, somos uma equipe sólida em princípios e valores. Isso constitui uma referência pessoal e abstrata, herdada de nosso passado, justo para ser transferida a filhos e netos.

Ricardo Kohn, escritor.

Verdade seletiva


 Por Simão-pescador, da Praia das Maçãs.

Simão-Pescador

Simão-Pescador

Escrevo este artigo a pedido do nosso coordenador, Ricardo Kohn. Parece que um leitor do blog, após ter lido a ironia “Mentira, Petas e Patranhas”, de cujo crédito não abro mão, deseja conhecer ou discutir essa tal de “verdade seletiva”. Acho curioso, mas vamos ao desafio.

De início, mesmo antes de consultar meus alfarrábios, por instinto, digo que “verdade seletiva” não existe no espaço normal do ser humano. A menos dos cenários inóspitos de dominação deste espaço, onde os “donos do Estado” impõem a seus povos a verdade seletiva que detém, até pelo uso da força, se necessário.

─ Porém, de qual ‘verdade seletiva’ estou a falar? Preciso ser objetivo e pragmático neste esclarecimento. Senão, vejamos:

Os “donos do Estado” selecionam quem continua a viver, por obedece-los cegamente, e quem morre, por pensar diferente. Coréia do Norte, Cuba e Rússia, por exemplo, são Estados típicos na prática da “verdade seletiva”. Fazem-me lembrar o Estado Nazista na Europa, contra o qual fui a guerra como voluntário e que sempre lutarei contra.

Além dessa prática, não tenho informação da existência de outro “seletor da verdade“. Embora, ao contrário, existam “cursos de especialização” para a produção da “mentira seletiva“, sempre a favorecer os “donos do Estado“.

Reflexões sobre a Verdade

No silêncio da biblioteca, busco encontrar autores que falem sobre a Verdade. De certa maneira, embora sem serem específicos, vários filósofos do passado escreveram suas abordagens acerca da Teoria do Conhecimento ou Epistemologia, que até hoje trata da verdade científica. Platão parece ter sido o primeiro a teorizar sobre este tema.

Por constituir um dos ramos da filosofia, a epistemologia, segundo a teoria de Platão, visa ao conhecimento teórico (“saber que”), através de informações que explicam o mundo natural e social em que se está inserido. Porém, segue além disso. É capaz de gerar conhecimentos sobre a realidade, a antecipar realidades futuras, ou seja, “a predizer realidades”.

Todavia, Platão tratou essa prática apenas como uma “possibilidade de conhecimento”. Para obtê-lo, o sujeito precisa possuir capacidade de cognição e dedicar-se profundamente em sua busca pela verdade.

Vou cometer uma simplificação histórica que é didática, mas não afeta a análise. A partir da teoria platônica formaram-se grupos de filósofos, com atitudes distintas na busca da verdade, que podem ser classificados em quatro “escolas” distintas, a saber:

  • O Dogmatismo, segundo o qual é possível obter conhecimentos seguros e universais, mas precisa ter fé nos dogmas em que acredita ou cria. Trata-se de uma espécie de fundamentalismo filosófico, que teve em Immanuel Kant um de seus baluartes. Nos tempos atuais as ditaduras remanescentes são símbolos do dogmatismo, pois estão sempre certas e não podem ser contestadas, dado que detém a verdade absoluta.
  • O Cepticismo, que traz uma escola oposta ao dogmatismo. Para os cépticos não há verdade absoluta e sempre é necessário duvidar de dogmas e mesmo de novas teorias não testadas e comprovadas. Afirma que a evolução das ciências dá-se através de dúvidas e debates. Diz ainda que, embora fosse desejável, nenhuma ciência é capaz de deter o conhecimento total do conteúdo de seu universo de ensinamentos. Um de seus primeiros defensores foi Pirro de Elis, na Grécia Antiga.
  • O Perspectivismo, que defende a existência de uma verdade absoluta, porém afirma que nenhum ser humano pode chegar a ela, senão apenas a uma parte dela. Cada ser humano tem uma visão parcial da verdade. Essa abordagem ao conhecimento da verdade teve em Friedrich Nietzsche um grande desenvolvedor e defensor.
  • O Relativismo, que nega a ideia da verdade absoluta e diz que cada indivíduo possui sua própria verdade, função de seu contexto histórico. Essa abordagem é praticada pelos sofistas e possui algumas características curiosas. Os mestres sofistas viajavam de cidade em cidade para exercitarem sua retórica com plateias de jovens. Por sinal, cobravam valores em dinheiro por “seus ensinamentos”, como se estivessem a dar aulas. Essa praga subjetiva, criada na Grécia Antiga por Protágoras e Górgias, para forjarem a própria “felicidade monetária”, afirma que a verdade é relativa.

Não sou filósofo, apenas leio sobre as filosofias que considero imorredouras no tempo. Porém, antes mesmo de tê-las lido, já praticava o cepticismo por causas genéticas.

Desta forma, fico grato por ter recebido a missão de escrever este texto. Fez-me bem rever as ideias e, quem sabe, discordar de algumas que já havia aceito. Também carrego no sangue pequenos traços do perspectivismo.

Conforme já disse, não sou filósofo, mas dogmáticos e relativistas que se mordam até trincar os dentes, pois verdade absoluta, verdade relativa e verdade seletiva são apenas mentiras, petas e patranhas. Só existem para amestrar certos tolos e submeter povos inteiros a quadros de miséria e guerra.

Que valha o voto!


Por Simão-pescador, Correspondente na Europa.

Simão-Pescador

Simão-Pescador

Após viajar a Roma, a assombrar-me com os fatos que impuseram o fim do Império Romano, senti-me estressado. Precisava descansar a cabeça que ficara presa à antiguidade romana. Assim, achei que seria bom emendar outra viagem para mudar de ares.

Necessitava de sentir os prazeres do silêncio – coisa que me fora impossível em Roma, ao lado da gritaria dos romanos e dos pequeninos turistas japoneses. São ariscos e alegres demais, riem até de atropelamento por automóvel.

Por isso, implorava pela oportunidade de admirar o resplandecer de seculares e grandiosas paisagens, posto que são espaços que emitem luz própria. Mas desde que em absoluto silêncio. Afinal, não ter que falar nada com ninguém, além do básico à sobrevivência, refaz as ideias de qualquer pessoa.

Mas outro facto que contribuiu para elevar meu estresse foi a maldita Copa da Fifa. Assisti a alguns jogos do Brasil e todos de Portugal. Na equipa portuguesa, logo identifiquei o “lascarinho arrogante” de que falara. Não há dúvida, o puto “gosta de levar bolas na rede”. Na equipa brasileira…, bem, falo dela mais adiante.

Foi movido por estas circunstâncias que escolhi viajar ao sul da Inglaterra, mais propriamente ao condado de Wiltshire. Fiquei por dois dias a visitar “as ferraduras de pedra de Stonehenge. Ainda não conhecia aquela tranquila região. Porém, os mesmos turistas japoneses já lá estavam, sempre aos punhados. Mas achei que se tornaram calmos e silenciosos no ambiente britânico.

As pedras de Stonehenge, crédito a Simon Wakefield

As pedras de Stonehenge, crédito a Simon Wakefield

Stonehenge são círculos concêntricos formados por grandes pedras, dispostas em formato de “ferradura”, que datam da Idade do Bronze. Em função dessa discutível datação, há mitos e lendas acerca de sua formação. Há quem diga que foi construído por algum tipo de criatura inteligente que, inclusive, poderia ser o próprio ser humano. É muito confuso para meu entendimento.

Como não estudei paleontologia ou arqueologia, bem como não creio em “visitantes siderais” ou “deuses astronautas”, deitei-me na grama entre as pedras colossais, cada uma com peso de dezenas de toneladas e, silente, resguardei a paz que me assomava.

No terceiro dia, refeito, desci para casa, na Praia das Maçãs. No caminho sentia a alegre ânsia para ver de novo o imenso mar e minha biblioteca. O declínio e fim do Império Romano, assim como a Copa da Fifa no Brasil já não me causavam incômodos aos nervos.

Chegando à casa, assisti da varandinha alguns amigos a prepararem o barco e petrechos para saírem ao mar na madrugada. Estavam no estreito embarcadouro que sumia na escuridão da noite. Não falei com nenhum deles. Apenas sorri e agradeci em silêncio por ter de novo aquela bela imagem. Aos 97 anos, tive a certeza que retornara mais uma vez.

A equipa brasileira

Assisti aos quatro primeiros jogos do Brasil. Achei a equipa brasileira muito fraca, talvez a pior da história em termos táticos, técnicos e de conjunto. Por outro lado, a agravar este facto, afora a do México, suas demais adversárias pareceram-me bisonhas, abaixo da crítica – Croácia, Camarões e Colômbia. Ainda assim, chegou às quartas de final contando com pura sorte.

Recebi a notícia da surra acaçapante que o Brasil sofreu da Alemanha quando ainda estava em viagem. Não me impressionou, pois já esperava resultado bem parecido ou ainda pior. Afinal, a equipa alemã tem Técnico, sólida disciplina e é muito bem treinada. Joga conforme a música, além de possuir vários valores individuais de destaque. Bem ao contrário da brasileira, onde vi, no máximo, três bons jogadores em campo. Mesmo assim, nenhum que se compare aos excepcionais atletas do passado. Se contar apenas a partir de 1950, posso lembrar de duas centenas de jogadores brasileiros bem superiores aos da equipa atual.

Todavia, a pior e mais delinquente equipa brasileira “governa” o país há 12 anos. Como tenho quatro filhos e suas famílias, a morar no Brasil desde 1952, sinto-me obrigado a monitorar seus governantes. Sei que pouco posso fazer caso minha família seja ainda mais ameaçada. Mas tenho que ficar atento, pois filhos e netos têm seus negócios próprios no comércio brasileiro e reclamam da pesada carga de tributos que pagam, da inflação alta, dos exagerados encargos trabalhistas, da falta de profissionais capacitados no mercado, das mudanças disparatadas do contrato social, das patranhas do partido do governo, das sujeiras eleitorais que suas facções promovem, enfim, reclamam de tudo e mais um pouco.

Como meus filhos estão a viver no Brasil há 62 anos, fizeram muitas amizades sólidas e têm milhares de clientes cativos em seus negócios, pergunto-me: ─ Existe saída para estas armadilhas?

Uma saída seria venderem tudo que conseguiram construir e mudarem-se do país. Mas é muito complexo e com perdas irreparáveis. São quatro famílias de muitas pessoas – “dezoito netos, um monte de bisnetos, um putinho tataraneto e sei lá quantos primos” [1] –, crianças a cursar escolas, liceus e universidades, mais estreitas amizades de longa data. Perdas inaceitáveis.

Outra, é a que sempre argumento com os mais velhos:

─ “Vocês quatro têm dupla nacionalidade e direito ao voto no Brasil. Seus filhos e netos são cidadãos brasileiros, todos com idade para votar. A contar com esposas e noras, suas famílias somam mais de 100 eleitores. Então, escolham o mesmo candidato à Presidência da República e multipliquem-se”!

Muito embora eu não possa votar no Brasil, sei perfeitamente em quem votaria. Com minhas amizades mais antigas não seria difícil decuplicar meu voto. Somando meus clientes permanentes do porto, acho que obteria para meu candidato cerca de 3.000 votos. Sei que um bom voto se distribui tal como uma virose. Daí então, digo a meus filhos:

─ “Estou certo que as famílias de vocês podem conseguir de 600 a 800.000 votos para o candidato que escolherem. Pois, escolham o mais preparado, com experiência de estadista, um jovem dinâmico que saiba montar uma equipa pequeno e honesta, dotada de princípios éticos em suas ações”.

Assim, só me restará esbravejar: ─ “Que valha o voto honesto e viral de todos os brasileiros civilizados“!

……….

[1] Em “Carta aberta da Estremadura – Portugal”, de 02/07/2013.

Reconhecer o gramado


Ricardo Kohn, Escritor.

Gramado é “a trilha onde cresce grama”. E grama deriva do latim, gramen, que significa “relva, pasto, erva, verdura”. Assim, o ato de reconhecer um gramado é tarefa para ruminantes. Todos sabem que essa sensibilidade é própria do instinto alimentar do gado, onde bovinos, caprinos e muares são bem conhecidos pelo sapiens.

Vacas e bois em exercício de repasto no gramado

Vacas e bois em repasto no gramado

Porém, neste mês de Copa da Fifa 2014, os repórteres dos jogos televisionados continuam a usar expressões próprias para os tempos do rádio e não da televisão. Noticiam tudo, até mesmo o horário em que uma seleção fará, antes do dia do jogo, o que chamam de “reconhecimento do gramado”. É possível que os considerem ruminantes.

Diante de minha estranheza à esta expressão, meus filhos explicaram que se trata de vício do locutor. Significa que “vão bater uma bola”, ver a altura da grama, a firmeza do solo, enfim, sentir pelas chuteiras a ambiência do campo. De toda forma, acho que se trata de misticismo. Afinal, tocar a bola num gramado durante dez ou quinze minutos, não melhora o jogador e “muito menos sua moral” diante do adversário.

Voltemos no tempo

Nas décadas de 1950 e 60 não existia televisão no Brasil. Mas os torcedores portavam “rádios de pilha” para ouvir a irradiação de locutores esportivos. O rádio transistorizado era o celular inteligente daquela época. Acreditavam os torcedores mais fanáticos que ouviam no rádio a exata verdade do que acontecia em campo.

No entanto, havia uma competição tácita entre locutores. Cada um queria ser conhecido como o melhor irradiador. Todos tinham a intenção de aumentar a audiência para a estação de rádio em que trabalhavam. Diziam coisas incríveis e exageravam a mais não poder quando narravam os lances dos jogos. Lembro-me de um locutor que, após cada gol, urrava ao microfone:

─ “Olha lá, olha lá, olha lá! A nega tá lá dentro!”. Havia quem torcesse por outro gol só para ouvir novamente sua fala.

Teve outro, que fora juiz de futebol antes de ser comentarista de árbitros. Ficou conhecido por condená-los em suas narrações. E era implacável:

─ “Errou! Errou! Errou!…“, e descrevia os detalhes que considerava ser a falha do apitador de plantão.

Há casos passados de fabulosos locutores de futebol. Um deles remete ao inesquecível Ary Barroso. Nas irradiações que fazia, torcia descaradamente pelo Flamengo. E quando o rubro-negro era atacado, dizia: “Ih, lá vem os inimigos! Eu não quero nem olhar“. Recusava-se definitivamente a narrar o jogo do adversário e ponto final.

No passado, a influência do rádio e de seus locutores foi tão grande que, ainda hoje, não é raro ver um torcedor dentro do estádio, assistindo ao jogo com o radinho colado ao ouvido. Ele acredita bem mais nas falas do locutor do que no que assiste com os próprios olhos. Afinal, precisa de muita emoção, mesmo que exagerada e mentirosa.

Os herdeiros a atuar na Copa 2014

Confesso que, por princípio cultural, não assisto a novelas e jogos de futebol. Novelas, nunca; futebol, apenas até 1982. Hoje, somente como motivo para aprender algo com meus filhos, que são aficionados neste tipo de negócio. Mesmo assim, apenas em casos eventuais, como Copa do Mundo. Explico.

Há novas gerações de repórteres esportivos que se esforçam para criar falas peculiares nas transmissões televisivas. Porém, em sua maioria, imitam precariamente os antepassados. O máximo que conseguem é gritar um longo e alucinante “GOOOOLLLLL !!!”, que incomoda a quem os assiste. Dói nos ouvidos, até de surdos.

Diante desse fato, visando a revolucionar sua audiência e superar a concorrência, executivos de empresas de transmissão criaram canais quase específicos para futebol, com pequenas equipes fixas – jornalistas e repórteres – a montar variados programas. Trazem convidados especiais (talvez, sem remuneração) para atrair a audiência. Nesta copa, houve um canal de tv que “roubou dois convidados” do concorrente! Ambos, ex-jogadores de seleção.

De toda forma, parece haver sido uma boa ideia, pois publicidade não lhes falta, assim como os incontáveis idiotas “escravizados pela TV”. Temo o dia em que todos os canais a cabo somente transmitirão este esporte. Então, acontecerá a horrenda “bestialização universal”. Porém, dentre todos os repórteres esportivos do país, há um que se destaca sobremaneira. Não pertence à nova geração e parece haver convivido com alguns dos melhores.

Em primeiro lugar, ele pensa que “sabe tudo sobre todos os esportes”, em especial, o futebol. É uma máquina de vomitar estatísticas, mesmo que não sejam do interesse de quem o assista. Parece conhecer a biografia de cada atleta que está em campo – onde nasceu, quem foram seus pais, sua história sofrida na infância (faz 3 minutos de demagogia), quando casou, quantos filhos tem, em que clubes jogou, quanto custa seu passe, quantos gols marcou, contra quais adversários, sua posição no ranking mundial de goleadores, etc. E ele solta toda esta artilharia inútil durante a narração da partida. Esquece-se do jogo…

O segundo problema são suas “opiniões de técnico” e as “profecias” que realiza durante a peleja. Torna-se rapidamente na “máquina de vomitar asneiras”. Critica a tática adotada pelo técnico, diz o que teria sido melhor, muda a escalação e profetiza como será o segundo tempo. Quanto aos árbitros, comete, digamos, “quase insultos”. Condena a arbitragem, diz que “não houve pênalti no lance” (mas houve), que o atacante brasileiro não estava impedido ao marcar o gol (e o mundo inteiro viu que estava) e por aí segue, explicando o “que quis dizer” o ex-árbitro da Fifa que se encontra a seu lado, justamente para analisar a arbitragem!

Esse senhor patético vive de “sorrir para agradar”. Diante de câmeras de TV, perfilado feito “soldadinho de chumbo”, sempre mostra os dentes, mesmo sem motivo, e ainda se acredita simpático. Porém, para ser objetivo, trata-se de um “cara chato”, inconveniente, afora outros adjetivos a que me reservo o direito de não declarar.

João Saldanha Alegrete, 1917: Roma, 1990

A figura do inesquecível João Saldanha

O inesquecível João Saldanha

Falta João Saldanha nos dias de hoje”, disse um jornalista certa vez. Saldanha foi jogador de futebol no Botafogo, graduou-se em direito e jornalismo, selecionou e dirigiu a seleção brasileira em 1969. Sob seu comando, na fase de qualificação para a Copa de 1970, a seleção ficou invicta. Por fim, foi um exaltado cronista e comentarista esportivo.

Nelson Rodrigues, seu amigo, apelidou-o de “João Sem Medo”, considerando sua tendência de criar e resolver conflitos pessoais e institucionais. Afinal, esperar o quê?, era filho de uma família de “maragatos” e isso já mostrava sua rebeldia e contra-ataques imediatos a decisões impostas de cima para baixo. Graças a esse traço de caráter, deixou o comando da seleção de 1970, meses antes do início da Copa no México, com uma história até hoje não esclarecida.

Como comentarista, Saldanha começou a trabalhar na rádio Guanabara, acho que em 1960. Depois passou pelas rádios Nacional, Tupi, Globo e Jornal do Brasil. Foi protagonista de programas sobre futebol nas TV Rio, TV Globo e TV Manchete.

Enfim, redigiu crônicas para os jornais Última Hora, O Globo, Jornal do Brasil e revista Placar. Porém, vale dizer, muitas vezes tinham pouco de esportivas. Com toda a experiência que adquirira no futebol, sem a preocupação de ser simpático, de mostrar dentes à larga, não media suas palavras ao criticar jogadores, treinadores e dirigentes. Assim, quase indomável, conquistou inúmeros admiradores pelo Brasil inteiro; mas também fazia desafetos íntimos.

Que eu me recorde, João Saldanha foi o último defensor público do “futebol arte” brasileiro. Criticava de forma candente o que chamava de “europeização” do esporte. São suas essas palavras em 1970, após a vitória brasileira na Copa do México:

─ “Antes de mais nada, quero dizer que a vitória extraordinária do Brasil foi a vitória do futebol. Do futebol que o Brasil joga, sem copiar de ninguém, fazendo da arte de seus jogadores a sua força maior e impondo ao mundo futebolístico o seu padrão, que não precisa seguir esquemas dos outros, pois tem sua personalidade, a sua filosofia, e jamais deverá sair dela”.

João Saldanha não foi perfeito, longe disso. Como qualquer um, cometeu erros na sua vida. Não foi um padrão a ser seguido em várias áreas do comportamento humano. Entretanto, em termos de honestidade, caráter, franqueza e outros princípios básicos, era imbatível em sua profissão. Tanto que o jornalista que afirmou sobre a triste ausência atual de Saldanha completou:

─ “Falta João Saldanha no futebol. Falta João Saldanha no jornalismo. Falta João Saldanha na sociedade. Um marco não só na imprensa, mas na vida”.

Escolhas, as ditas escolhas


Zik-Sênior, o Ermitão.

Zik Sênior

Zik Sênior

Desde cedo, quando tinha somente cinco anos, aprendi que o ato de escolher nada mais é do que romper com dúvidas e seguir em frente. A primeira escolha que fiz foi diante da carne bovina que meu humilde pai ofereceu pela primeira vez, cheio de felicidade, ─ “Pode prova, fio”.

Era quase uma ordem nas mesas paraibanas de antanho. Por instinto, respondi de pronto: ─ “Quero não pai, dê pra meus irmãos, vou continuar comendo a carne seca de bode”.

Mas foi na adolescência que finalmente descobri que a escolha é um grito da liberdade, um vulcão que eclode de dentro de nós, para fazer com que superemos os medos de errar. Mas, mesmo tendo dúvidas, faça-se presente, afirme sua melhor escolha, pronto para “o que der e vier”. Assim dizia o pai.

Escolha o caminho da sua liberdade!

Escolha o caminho da sua liberdade!

A escolha é a antítese do medo, mesmo nas coisas de menor importância. “Quero tomar café com pão, mas não tem pão em casa. Vou até a padaria ou vou ao boteco e faço o desjejum?” Coisas simples, triviais. Vou pro boteco.

Acredite, tive que viver um século para ter consciência dessa antítese. Creio que cheguei até os 105 anos por esse motivo: nunca deixei pendências para trás, sempre decidi, acertando ou errando.

Certa vez, em 1942, quando tinha 33 anos, recebi uma “carta-convite do exército” brasileiro. Achei bastante estranho, pois já havia tempo que servira num batalhão de infantaria. Mas, de toda forma, apresentei-me na hora marcada, às 5 da madrugada. Logo um tal de sargento Porfírio chegou, um nanico a gritar sem estribeira, dizia a todos os convidados que, cedo, no dia seguinte, partiríamos para lutar na IIª Guerra Mundial, em terras italianas dominadas pelo nazi-fascismo.

Primeiro pensei em ir pro boteco. Depois, na calma do falecido pai tinha quando dava ordens aos onze filhos. Mas, pela insolência do sargento nanico (eu media um metro e noventa dois), o sangue paraibano ferveu nas veias. Aproximei-me dele a suar, contido, bati continência, e berrei junto a seu rosto, olho no olho, com a mão esquerda perdida no ar:

─ “Eu não vou pra porra de guerra nenhuma, senhor! Sou arrimo de família, tenho mãe doente, mais uma cacetada de irmãos com filhos para criar! Grato por sua compreensão…, Senhor!”.

Senti vontade de dar-lhe um bofete, mas escolhi aquietar-me. Não sem receio, virei-lhe as costas e sai pelo umbral de pedra do quartel. Mas nada me aconteceu. O sargento, caso estivesse vivo, decerto se recordaria de nosso embate. Pobre cidadão.

A prisão das escolhas

Diariamente, fazemos infinitas escolhas na vida. Acordar ou continuar a dormir? Aonde ir? Por qual caminho? O que devo olhar? Com que se alimentar? O que ler? Como se informar? Onde trabalhar? O que posso produzir? É uma infinidade de coisas que escolhemos. São escolhas primárias, muitas vezes puros atos reflexos inconscientes. Embora mais simples de realizar, todas elas são essenciais à nossa existência. As escolhas simples são o ar que nosso cérebro respira e com as quais se exercita para fazer escolhas mais complexas.

Em suma, acho que existir é saber escolher. Observo e concluo que fiz o inverso. Escolhi existir pelo menos durante os 105 anos saudáveis que andam a meu lado. Outros preferem carregar menos tempo de vida, mas sempre sobre os ombros, tal cangalhas pesadas. O que fazer? É uma escolha.

Escolhas complexas

Você é livre para fazer suas escolhas, mas é prisioneiro das consequências”, ponderou o notável poeta chileno, Pablo Neruda. Decerto, creio, Neruda se referia a escolhas mais complexas, não às individuais.

Acho que parte de seu verso é verdadeiro e justifico:

─ “Ouse não fazer escolhas! Obterá liberdade para tudo, inclusive para deixar de existir”.

Afinal, aquele que não faz escolhas fica livre de compromissos com tudo e todos. Assim, não se torna um prisioneiro de nada, pois deixa de existir em sociedade. Portanto, há verdade em Neruda, pois o indivíduo, paradoxalmente, torna-se prisioneiro apenas da própria liberdade.

As escolhas pessoais são mais simples. Contudo, há as escolhas coletivas que, sem qualquer dúvida, podem ser bastante complexas. O Brasil vive um importante momento de escolha coletiva, as eleições de 5 de outubro de 2014. E é sobre esse processo de escolhas sucessivas feitas por milhões de brasileiros que desejo comentar um pouco.

Escolha coletiva: eleições presidenciais

Em síntese, cada cidadão consciente – orgulho-me de ser um deles –, sozinho diante da urna, decide finalmente escolher seu candidato. Deseja que só haja um turno de votações, por que votar é um pé no saco, e que vença seu candidato! Acho que todos deveriam ser assim.

Passei por numerosas eleições presidenciais; tantas, que nem me dou conta. Porém, vivi mais de 50 anos sob o jugo de ditadores, populistas e oligarcas brasileiros. Eles são ávidos construtores de cenários obsoletos para a sociedade democrática, posso afiançar. O pai se exaltava e, descontrolado, dizia assim: ─ “O que eles querem é pudê!

Gostaria de ter tido tempo e maturidade para completar sua frase, mas com alguma mansidão: ─ “Pai, eles querem ‘pudê’ com a sociedade democrática, roubá-la sempre”.

Hoje, com a larga experiência acumulada, considero-me capaz de escolher qualquer elemento que queira candidatar-se à presidência do Brasil. Após três declarações de palanque sei se o elemento é democrático, ditatorial, populista ou oligarca. Reconheço-lhe a marca ou a laia.

Embora nas próximas eleições de outubro haja um sem número de candidatos, com partidos de fachada, vendedores de votos, “partidos off-shore“, etc., três têm-se destacado nas pesquisas de intenção de voto. Por sinal, um deles é tudo o que não desejo para a Administração do Estado Brasileiro. Trata-se de “elemento(a) ditatorial, extremista e oligarca”, conforme ficou demonstrado em sua existência política.

Para ter certeza de que não vou me decepcionar, jamais votei no partido que detém várias quadrilhas desses camaradas”!

Breve intervalo para a inocência


Ricardo Kohn, Escritor.

Quando escrevo, sinto-me quase na obrigação de criticar e denunciar a maior parte das práticas cometidas por nossos governantes: abusos, crimes e diatribes. Creio que o silêncio diante deles não os destronará e os quadros político e econômico que criaram, à revelia da nação, vividos por nossos filhos e netos há mais de uma década, poderão se agravar ainda mais.

Por outro lado, também não posso perder a capacidade de ser suave e até infantil, de pensar como a criança. Não se trata de sentir saudades do passado, mas de confirmar a mim mesmo que a continuidade dos tempos não eliminou a criança que vive em mim, sempre plena de infantis sentimentos que esfumaçam a alegria, tal como um trem movido a vapor.

Cândida e pura é a inocência, que nunca se aliena à realidade; apenas a supera.

No início dos anos 1980, anos após a morte de meu avô, uma de minhas filhas, então com 5 anos, perguntou-me a fazer uma abstração:

Papai, porque que “todo dia é hoje”? ─ e, olhando o céu como a uma miragem, murmurou a si mesma, resignada: “acho que sei onde o bivô está…” Conhecera-o três anos antes.

Questiono-me sobre o que passava em sua cabeça para criar esse diálogo. Não sei se hoje ela se recorda dessa conversa, embora eu acredite que, com base nessa inocência, é que dúvidas e soluções vivem aos pares no cérebro das crianças.

Tenho histórias de mesmo gênero, vividas com outros filhos. O caçula, quando tinha 2 anos, assistia num jornal na tv as imagens de um acidente de avião, que caiu no mar envolto em chamas. “Ninguém sobreviveu”, concluiu o locutor.

Ele ficou sério, com o dedo em riste para a tela, e falou com energia:

─ “Foi nesse avião que eu morri quando tinha 7 anos.” O que passava em sua cabeça? Seria medo ou sentimento da solidariedade? …

Claro que, tal como os pais, ficou muito assustado. Tanto que durante anos não deixou que o levássemos a passear por avenidas à beira-mar. Mas logo se superou: voltou à paz, viajou para a Europa (seu irmão viveu por dois anos em Dublin e hoje mora em Madrid), adora o mar e em breve completará 21 anos.

As crianças na comemoração da passagem deste ano – Jota, Neca, Rapha e Pimpa

As crianças na comemoração da passagem deste ano – Jota, Neca, Rapha e Pimpa

Outra característica das crianças mais comunicativas é a franqueza, a verdade falada. “Gosto de você”, “não gosto de você”, “seu nariz é grande”, são frases curtas com que encerram definitivamente certas circunstâncias.

Nosso filhote, em seu aniversário de 3 anos, pela primeira vez demonstrou que tinha valores próprios, que era capaz de ser severo e repreender até mesmo um adulto.

Ao fim da festa, seguiu para o quarto com amigos e desembrulhava alguns dos presentes que ganhara. Meu irmão, dedicado em registrar a data e a turma, fazia um vídeo do grupo. Para dar mais movimento à garotada, pegou um embrulho do aniversariante e deu a um amiguinho para que o abrisse.

Sentado com os amigos ao chão, Jota recuperou o embrulho:

Deixa que eu abro meus presentes. Falou calmo, guardando o embrulho às costas, junto à janela, apenas a seu alcance.

Foi então que o tio resolveu insistir na qualidade do vídeo, sem avaliar a qualidade do caráter do aniversariante. Pegou um novo embrulho e deu a outra criança para abri-lo. O miúdo ficou zangado, levantou-se e, para sua idade, deu uma bela bronca:

Isso não tá legal! Isso não é justo! E, olhos nos olhos do tio, já demonstrava ser gente.

Por óbvio, não houve consequências pessoais de parte a parte. Somente um suave entrevero familiar. Mas, devo confessar: está registrado em minha memória o instante em que descobri ser pai de uma criança que já bradava por justiça aos 3 anos de idade!

Bestial


Simão-pescador, da Praia das Maçãs.

Meus amigos, pasmem, passei quase um mês no Brasil, a estar com meus filhos, netos e bisnetos. E, por óbvio, a fazer andanças de reconhecimento pelo país. Sou andarilho. Sequer avisei ao Zik e ao Kohn. Eles que me perdoem, pois o tempo era pouco e desejava fazer muito.

Conheci muita gente que não poderia sequer imaginar que existissem em pessoa! Com formato e entranha de pessoa, com corpo e cérebro de pessoa. Entrementes, também conheci e debulhei gente feita de fezes, verdadeiros moluscos podres, a perambular pelas ruas, à farta.

Fiquei a maior parte do tempo “a dançar na terra de Zé Carioca”, se é que me entendem. Assim, fui assaltado quatro vezes, com arma em riste. Como dizem por lá, “fui dançado várias vezes”.

Depois segui até a Bahia, a saber quais seriam meus orixás. Tolices! Achei as opiniões do chamado “pai-de-santo” esdrúxulas e apimentadas. Desci ao Rio Grande do Sul para tomar um mate, trajar-me “piuchado” e comer uma boa carne de vitela, assada no chão de terra. Um sucesso de amizades e alegrias.

Como sou praticamente nascido no mar, optei por percorrer pequenas partes da orla marítima , ao invés de andarilhar na Amazônia e no Pantanal. Fiquei maravilhado com os manguezais da costa paulista em que pude meter as mãos. Ficaram recobertas de nutrientes orgânicos e sedimentos vivos. Não há nada parecido no mundo europeu que conheço, em especial por abrigar aves tão belas. Sem dúvida, um país que possui mais de 25.000 km2 de mangues, distribuídos de norte a sul, berços da fauna marinha, é bestial!

Vôo de guarás em área de manguezal

Voo de guarás em área de manguezal

Antes de retornar ao Rio, para partir de volta às Maçãs, durante um dia, por fim, consegui conhecer o Panteão da Corrupção. De todo modo, somente encontrei portas trancadas, guardadas por seguranças armados que protegem certas matilhas de políticos.

Devo dizer que de início não entendi o que lhes causava tanto temor, por que se sentiam ameaçados. Porém, aos poucos, fiquei convencido de que aquele distrito é o Templo Sagrado dos Deuses-Ladrões. Daí surge o medo incontido de seus operadores: deputados, senadores, ministros, secretários, assessores, empresas corruptas e até mesmo sua senhoria e respectivos mentores. Todos anseiam por navegar na direção de paraísos fiscais, com malas de dinheiro do Estado. Claro que sempre às custas dos contribuintes, dos 200 milhões de pagadores de tributos extorsivos.

A quantidade de quadrilhas decerto é bestial, pois a corrupção foi socializada. Quadrilhas sempre a sangue-sugar o dinheiro público de forma implacável. E ainda querem que o povo as legitime pelo voto e que depois se dane. Peço desculpas pois, vez em quando, sou meio agressivo no verbo contra atos que anulam a moral e a ética de uma sociedade composta por primatas humanos.

Sentado na Praia das Maçãs

Muito embora a viagem tenho sido oportuna e feliz – abracei meus filhos, senti o calor de netos e bisnetos, conheci pessoas inesquecíveis e recantos de esplendor natural –, devo dizer que não me senti confortável após visitar a fria e calamitosa capital do país.

Pode parecer paradoxal, mas de volta à terra, sinto a tristeza da solidão benigna em que me encontro, sem ter com quem conversar sobre o cenário político-social do Brasil, onde vive a maior parte de meus descendentes.

Meus velhos amigos estão todos no oceano a pescar. Só devem retornar às areias dessa praia em no máximo uma semana. Não tenho do que reclamar pois, afinal, é um tempo curto que aguardarei com paciência. Mas, até lá, cada pôr do Sol será muito longo…

Imagem florida da Maçãs

Imagem florida da Enseada das Maçãs

Filhos, fui feito assim


Talvez não seja fácil mudar, mas, se necessário, é possível.

Ricardo Kohn

Ricardo Kohn

Para isso, conto com vocês. Conto com vocês para que tenhamos mais foco na grandeza do que nas fraquezas, na inteligência do que nas tolices e na aceitação mútua, que é capaz de apagar os riscos da intolerância.

Sei de boa parte de meus defeitos – falo demais, nem sempre ouço argumentos, me antecipo, elevo a voz, não escolho palavras, etc. O problema evidente é que, mesmo sabendo, muitas vezes ainda não consigo conte-los, sobretudo ao viver o auge de uma situação. Quando me apercebo, vejo-me tal qual um político, a responder a agressões de seus oponentes. E isso me faz mal, pois perco a razão, ainda que estivesse a meu lado.

Além disso, filhos nunca são oponentes, embora tenham todo o direito de discordar. Diria mesmo, o dever de discordar com argumentos próprios.

Por outro lado, também conheço minhas principais virtudes e não vou enumerá-las aqui. Mas são justamente elas que sempre desejo oferecer a meus filhos, através de comportamentos bem nítidos, que demonstrem de forma clara minhas posições perante quaisquer fatos. Foi e tem sido através delas que busquei manter meus filhos sadios e sociáveis.

Chamam a esse longo processo de “educar, oferecer a educação que é própria do ambiente da família”. E nele há um fato que não deve ser negligenciado: filhos não podem ser criados como se fossem propriedade dos pais, mas indivíduos livres para viverem nas ilhas da sociedade que escolherem. E a qualidade dessa liberdade desejada depende da educação que lhes foi transmitida ainda em terna idade, algo no entorno dos primeiros 6 anos. Esse é o grande desafio dos pais: estar presente e dar bons exemplos nesse primeiro período da vida dos filhos.

Orgulho-me dos filhos que ajudei a educar e, acima de tudo, de sua capacidade de discernir, de saber selecionar entre imitar meus defeitos ou ampliar as virtudes que lhes tentei transmitir. Filhos, sei que causei em vocês impactos ambientais adversos (meus defeitos). Mas também, afinal, proporcionei impactos benéficos (minhas virtudes).

Desejo que saibam que, tal como seu pai, vocês têm defeitos e virtudes. No entanto, pelo fato de suas virtudes serem mais amplas, bem além dos próprios defeitos, proponho que me deem uma contrapartida de educação; que, quando julgarem necessário, auxiliem-me na correção de meus defeitos. Assim sendo, conto com vocês.

Feliz 2014 para todos os filhos!

Estamos de mudança


Pelo menos os otimistas acreditam que mudar de residência significa mudar a qualidade da própria vida:

─ Na nova morada tudo será melhor e diferente (!), dizem eles.

Isso pode ser verdade em alguns aspectos mais gerais. No entanto, nas coisas comezinhas, mais específicas, encontram-se as grandes diferenças, que nem sempre são as melhores. Além disso, depende de que ângulo se vê a nova moradia.

Por exemplo, o caso extremo do pintor que morava em Paris, num bom hotel pago por seu mecenas, e que certo dia resolveu se mudar para uma caverna nas matas das Minas Gerais. Tratava-se de um doido? Cremos que não. Apenas tinha a consciência de que precisava de paz, silêncio e liberdade. Enfim, isolamento para poder criar suas obras. Nada mais é preciso, além de uma boa caverna, com água ao alcance da mão.

Caverna escondida na mata

Caverna escondida na mata

Em nosso caso, deu-se o inverso. Estamos a deixar uma enorme gruta – escura, barulhenta e empoeirada –, próxima à praia de Copacabana, para morar em um pequeno “apê iluminado”. Situa-se em rua arborizada e silenciosa da zona sul. Segundo nossa visão, é exatamente o que necessitamos para criar novos projetos e, sobretudo, viver bem com os filhos e netos.

Faremos nossa mudança na última semana deste ano. A ideia é não enfrentar mais uma “passagem de ano” meio ao ensurdecedor foguetório, sempre a receber gases tóxicos pelas janelas. Fora o fato de não mais ficar aprisionado ao bairro, sem direito de ir e vir, por determinação do prefeito – o Idiota.

Coisas comezinhas

Várias coisas irão mudar com essa decisão. Vejam bem, o novo apartamento é menor, por isso cremos ser mais aconchegante. O valor do condomínio é pouco mais de 1/3 do atual. Por ser um próprio familiar, fizemos uma boa reforma, visando a “limpar a área”. Só deixamos de pé lajes, pilares e vigas. Com isso, além de ampliar “a paisagem interna do apê”, a manutenção ficou mais simples com o projeto da designer Cláudia Reis.

O sinal de celular vai ficar bem melhor. Hoje temos que andar pelo apartamento em busca de uma área com sinal razoável para falar ao celular. E a operadora tem antena ao nosso lado! Mesmo assim, o sinal varia muito e “mastiga a conversa”. Dessa forma, vai ser reduzida a ocorrência da fala que todos somos obrigados a fazer ao smartphone:

─ Alô, alô!… Está me ouvindo?…

Todavia, ficaremos um pouco mais distante do restaurante português que frequentamos há décadas. Portanto, não seremos tão assíduos. Por outro lado, faremos alguma economia.

Entretanto, nosso filho mais novo ficará mais próximo da faculdade que cursa, além do fato de trabalhar numa empresa que está a duzentos metros da porta da nova morada. Se quiser, após retornar da faculdade, poderá almoçar em casa com calma.

Enfim, temos árvores e fauna urbana, com micos, saguis e várias espécies de pássaros. Bem diverso dos morcegos que hoje atravessam nossa sala em voos rasantes. Permaneceremos na selva de pedra, com certeza, mas não estaremos mais cercados por edifícios de concreto. Assim, nosso ambiente deixará de ser torturante e claustrofóbico. Será mais verde, aberto e ventilado.

Continuaremos a participar das redes sociais e a alimentar o blog. Porém, é provável que esta seja a última postagem de 2013. Vamos desligar telefones fixos e o acesso à internet. E não temos a menor ideia de quanto tempo deveremos esperar para que sejam religadas pelas empresas responsáveis por esses serviços.

Dessa forma, é com afeto e amizade que desejamos a todos uma “feliz continuidade dos tempos”.

Cláudia Reis e Ricardo Kohn.

A continuidade dos tempos


O Brasil deve ser o país com o maior número de feriados e “pontos facultativos” do mundo. Desse mesmo gênero, têm-se eventos nacionais, estaduais e municipais, todos criados por leis específicas, o que é um fato no mínimo estranho.

Afinal, o que é um “ponto facultativo”? Existe algo similar em algum lugar do mundo moderno e civilizado? Se o Estado brasileiro é laico, porque a quantidade de feriados religiosos é tão grande?

Quando feriados ou pontos facultativos (“Paradas”) caem em quartas ou quintas-feiras, o brasileiro “enforca” os dias úteis para “engatar com o fim de semana”. Muitas instituições públicas (e algumas empresas privadas) concordam com essa invenção e a praticam. A vagabundagem legalizada é forte evidência do desejo parlamentar de reduzir ainda mais a produtividade de todos os legislativos do país.

“Paradas” estaduais

Somente Espírito Santo e Goiás não possuem feriados estaduais. Mesmo assim, em Goiás não há expediente nas repartições e serviços públicos nos dias 26 de julho, consagrado à fundação da cidade de Goiás, e 24 de outubro, dia comemorativo do lançamento da pedra fundamental de Goiânia; além, é claro, do dia do funcionário público, que acontece em 28 de outubro. Semana perdida pelos engates

Por outro lado, mostrando ser uma inegável potência produtiva, o Acre criou cinco feriados estaduais:

  • 23 de janeiro, Dia do Evangélico (?).
  • 8 de março, Dia Internacional da Mulher (?).
  • 15 de junho, Aniversário do Acre.
  • 5 de setembro, Dia da Amazônia (?).
  • 17 de novembro, Assinatura do Tratado de Petrópolis (?).

Curiosamente, São Paulo só possui um feriado estadual, referido à sua data magna, conforme prescreve uma lei federal de 1995 [1]. Trata-se do notório dia de 9 de julho, a comemorar a Revolução Constitucionalista de 1932.

“Paradas” nacionais

Em 2013, sem contar com o próximo dia de Natal, o Brasil teve 27 “paradas” nacionais! Para o ano de 2014 o quadro que se anuncia é ainda mais espantoso. O país sofrerá a Copa do Mundo de Futebol (de 12 de junho a 13 de julho) e as eleições para presidente, governadores e parlamentares nacionais. Junte-se a isso o Carnaval (no mínimo 5 dias, embora somente a terça-feira seja feriado oficial) e a Semana Santa (com 5 dias, podendo chegar a 9, com o engate no fim de semana que a sucede).

Trabalhar para quê? Profissionais liberais que se virem! Na melhor das hipóteses, em 2014 é bem provável que o país só tenha 210 dias úteis. Seus demais 155 dias serão inúteis e sem produção e serviços em quase todos os setores econômicos.

Cenário para 2014: sem “rogar praga”

Com o andar das carruagens políticas, tracionadas por mulas e antas há mais de 10 anos, as tendências para o cenário futuro do país podem ser estimadas com alguma precisão. Seguem os principais acontecimentos que têm boa chance de ocorrerem em 2014:

  • As chuvas de janeiro a março poderão causar estragos em inúmeros municípios, com maior ênfase para a cidade do Rio de Janeiro, seus vizinhos metropolitanos e a Região Serrana (redundância).
  • Em muitas oportunidades a Via Binário vai se transformar em “Via Urinário”. E seus novos túneis, em duas “Cloacas Profundas”. Não será fácil a drenagem daquela área, sobretudo quando a maré for de sizígia (maiores marés altas que barram os fluxos de água dos dutos e canais de drenagem, a causar inundações urbanas).
Olha a Via Binário aí, gente!

Olha a Via Binário aí, gente! (reprodução da Agência Globo)

  • Em todo o país haverá uma enorme oferta de vagas de trabalho para o “cargo de militantes aloprados”. A remuneração das diversas “gangues de aloprados” ficará a cargo da sociedade brasileira, através de montagens feitas pelos exímios aparelhos públicos.
  • A corrupção continuará a crescer no Brasil, embora venha a tornar-se quase invisível para pancrácios. Estima-se que já haja políticos da base aliada a pensar no Projeto de Lei Auxílio-Corrupção. Assim, uma vez legalizada, removerá todos os obstáculos que ainda existam.
  • Prevê-se que durante 2014 ocorrerão apenas quatro grandes escândalos, políticos e financeiros.
  • Além da total falta de vergonha no exagero construtivo, não são esperados graves acidentes nos 12 estádios de futebol que servirão a FIFA durante a Copa do Mundo. Afinal, muitas dessas ditas arenas, por falta de uso, tenderão a ser transformadas em suntuosos presídios de luxo, hospitais e escolas públicas.
  • O pibinho brasileiro deverá diminuir ainda mais e ficar no entorno de 1%, para mais ou para menos (desculpem outra redundância). Não há como elevá-lo dispondo de um ano em que 42,7% de seus dias serão inúteis.
  • Deve ser esperada a construção da primeira Fábrica de Dossiês latino-americana. Poderá vir a ser órgão oficial do governo, dada a demanda elevada de alguns partidos e as possibilidades de exportação desse nobre produto para vários países do mundo. Ajudará o pibinho.
  • Para fortalecer este grande êxito industrial, também deve ser aguardada a fundação do primeiro escritório técnico especializado em Formulação de Mentiras e Promessas, sob a sigla ETFMP-Bras. Esse escritório poderá ser transformado mais tarde em outro Ministério do Poder Executivo, junto com o futuro Ministério da Propaganda.
  • Há evidências cada vez mais fortes de que aconteçam desdobramentos da Ação Penal 470, com prováveis descobertas e acusações de novos mensaleiros e mensalistas.

Continuidade dos tempos

Mas o tempo segue incólume, apesar de tudo. Aliás, desconhece o que seja “tudo”, pois nada o afeta. Se a Terra derretesse, o Sol explodisse, a Via Láctea fosse pulverizada, ainda assim o tempo continuaria em sua andança: reto, silencioso e infindável.

Resta ao cidadão brasileiro consciente, no tempo que lhe resta, auxiliar a repor o Ambiente do Brasil em caminhos mais sustentáveis: sinuosos, silenciosos e estabilizados.


[1] A lei nº 9.093, de 12 de setembro de 1995, incluiu entre os feriados civis,  apenas os declarados em lei federal, a data magna do Estado fixada em lei estadual. Todavia alguns estados instituem mais de um feriado, alguns dos quais, de carácter religioso.

Estou a ser atacado!


Zik Sênior, o eremita.

Zik Sênior

Zik Sênior

Desde que comprei o pequeno noutebuque, por recomendação do português – exato, do Simão-pescador –, que fui orientado a criar um e-mail pessoal para podermos conversar. Recebi aulas do filho de meu vizinho, tal como Simão, do Quincas. Fabuloso!

Simão e eu conversamos “por satélites” quase  diariamente. Eu daqui e ele lá das Maçãs. Sinto saudades daquele lugar. Tem a poesia do cheiro do mar, da força de suas falésias e do despertar matutino. E tudo isso cabe nas pétalas de uma flor praiana.

Vista panorâmica da Praia das Maçãs

Vista panorâmica da Praia das Maçãs

Imagem florida da Maçãs

Imagem florida da Praia das Maçãs

Creio que o uso da internet vicia a qualquer um, mesmo aos da minha idade (104). Desde que acordo ligo o computador para ver e-mails e passear pela rede. Já descobri um monte de coisas inimagináveis: revistas, jornais, lojas comerciais de tudo, bancos, saites políticos, previsão do tempo e muito mais. Existem até saites de sacanagem, os quais não visito. Mas acreditem, já fiz compra pela internet e recebi, aqui na porta de casa, o sofá que paguei a distância!

Todavia, desde fins de agosto que tenho notado em meu e-mail o início da invasão de Spam. Conversei com Simão a respeito e ele me disse que essa invasão iria piorar muito com as proximidades do Natal.

─ “Zik, se hoje tu estás a receber 40 Spam por dia, aguarde. Em novembro e dezembro vais receber mais de 300!”

Pensei, cá com meus botões, que a ideia de criar um espaço só para receber os Spam foi muito boa. Seria tenebroso caso se misturassem com e-mails normais na Caixa de Entrada. Depois fiquei sabendo que nos primórdios do e-mail (1992) era assim que funcionava: todos embolados na mesma Caixa.

Simão estava certo. Desde de fins de outubro comecei a receber cerca de 100 Spam diários. Todos para vender de alguma coisa com “desconto”. Parece até que estão combinados. E chamam desconto de Off; você que se contorça para entender o que significa “c/ 15% Off”.

Tentam vender de tudo, mas abordam muito mal os compradores. O resultado provável é que, de tanto incomodarem as pessoas, venderão nada e terão zero de faturamento. Seguem alguns exemplos de Spam que escolhi aleatoriamente. Vejam a burrice dessas comunicações comerciais:

  • Gigante-Natal: Kit Ferramentas | Nível a Laser | Luminária Led Braço Articulado Leitura | Fichário de Pôquer c/…
  • Vendas-Zanel: Feliz Natal e Próspero Ano Novo – Zanel EPI`s.
  • Parceiros-Centauro: Até 64% Off neste e-mail ou 15% Off nos Equipamentos. Acabe com o Estoque!
  • Mega Lipo: Agora você pode!
  • Compara Descontos: Tablets c/ 15% Off. Tv Led 42.

A meu ver, esses Spam só conseguem vender alguma coisa para pessoas providas de pouca inteligência. Além da completa falta de comunicação que é peculiar a todos, só de pensar na possibilidade terem links para saites com vírus, evidentemente fico apavorado. Abrir um e-mail desses e seguir o link é outra burrice.

Em minha opinião, na qualidade de “usuário imaturo da internet”, todas as empresas provedoras de e-mail deveriam criar uma função especial: a do bloqueio de e-mails. Sumiriam todos os Spam que tanto incomodam aos mais higiênicos virtuais e as “viroses” atacariam menos os computadores do planeta.

Hoje já recebi mais de 320 Spam. Trata-se de um ataque cerrado. Imagino qual será o tamanho da invasão de dezembro. Não sei como tantos conseguem descobrir o e-mail dos outros. Porém, bastaria existir apenas o um ícone de “Bloquear E-mail ”. Ao clicar nele diria-se adeus ao emitente da sujeira!