Abutre, o carniceiro


Ricardo Kohn, Escritor.

Há pelo menos 20 espécies de abutre distribuídas pelo mundo. Todas alimentam-se de carniça [cadáveres de animais em decomposição]. Afora alguns ornitólogos que os estudam, as pessoas em geral sentem arrepios diante desse comportamento. Que eu saiba, os sapiens sequer pensam em ingerir carne putrefata. Falo com a consciência dos omnívoros, pois não deixo de saborear as suaves saladas tropicais, acompanhadas de filé mignon ou picanha ‘ao sal grosso’. “Maître, por favor… ao ponto”.

Todavia, há veganos que nos acusam de “abutres-humanos”. Acho exagerado, pois não somos necrófagos, a não ser na cabeça frágil dos que se alimentam de frutos, flores, gramas e raízes. Sequer admitem saborear ovos e queijos; leite? Nem pensar, tem origem animal. Devo estar errado, mas me parece faltarem as vitaminas essenciais no cérebro de veganos radicais. Isto posto, sigo com os abutres.

Grandes abutres

A África é o continente que abriga a maior quantidade de exemplares desta espécie necrófaga. Explica-se pela quantidade de animais silvestres que sofre a ação de predadores, sobretudo em ambientes descampados e até desérticos. Daí resultam inúmeras carcaças à disposição, o cardápio preferido dos abutres.

Abutre-Real

Grupo de Abutres-Reais, no Senegal

O Abutre-do-Egito é conhecido pelo pseudônimo “galinha-do-faraó”. Mas, cá entre nós, chamar abutre de galinha é desonroso, uma humilhação para os faraós. Também ocorrem no continente africano o grande Abutre-do-Cabo (África do Sul) e o Abutre-Real, este a possuir a maior envergadura dentre todos os necrófagos conhecidos: chega a mais de 2,80 m, com altura por volta de 1,3 metros, a pesar cerca de 12 quilos. São os carniceiros dominantes, que demonstram realeza com o poder destruidor de suas garras e bicos.

Abutre da Guiné

Abutre-da-Guiné

Na costa ocidental da África vive o Abutre-da-Guiné. É colorido, quase elegante, mas somente se alimenta de carniça. Por sua vez, na África central, tem-se o Abutre-de-Rüpell . É encontrado nos territórios da Etiópia, Sudão, Tanzânia e Guiné. Trata-se de uma ave poderosa, com altura de 1,1 m e envergadura de 2,60 metros. Porém, a principal ferramenta de sua necrofagia é a visão aguçada. Na procura de alimento, o Rüpell voa em círculos, a atingir altitude de até 8.000 m. Observa as carcaças deixadas nas planícies do semiárido africano e vai busca-las como se fosse abutre dominante. No entanto, caso se depare com o Abutre-Real, fica quieto e aguarda silencioso na fila.

Abutre-de-Rupell

Abutre-de-Rüpell, o necrófago das alturas

Outra ave de origem africana é o Abutre-Barbudo. Possui bom porte (1,1 m de altura, 2,70 m de envergadura, mas tem pouco peso). Como um fanático especializado, dedica-se a comer a espinha dorsal das carcaças, triturando seus ossos com o bico, como se fora uma torquês hidráulica. Talvez por isso haja ingerido as proteínas necessárias para voar por grandes distâncias e instalar seu habitat na Europa e na Ásia.

De acordo com a bibliografia que pesquisei, nas Américas não há abutres como os aqui referidos. Existe o gigantesco Condor que voa pelos céus andinos e californianos. Dizem que, quando se encontra em esfomeado, também deglute carniças. Todavia, no mais das vezes, alimenta-se de animais vivos que abate – pequenos roedores, raposas, coiotes e veados, entre outros.

Abutre-barbudo

Abutre-Barbudo, a mostrar seu bico poderoso

Saliento que em territórios sul-americanos encontram-se inumeráveis bandos de urubus-vagabundos. São animais negligentes, pois preferem comer lixo a cadáveres de rato. Creio se tratar de uma adaptação estomacal à oferta de alimentos. A tonelagem do lixo sul-americano é imensa, descartada impunemente em inúmeros rincões daquele continente.

Novos-Abutres

Embora pareça nome de banda funk, os Novos-Abutres foram identificados no Brasil, Argentina, Bolívia, Peru, Equador, Colômbia e Venezuela. Sua caracterização taxonômica ainda se encontra incompleta, mas é possível falar sobre alguns aspectos da sua ecologia.

Os Novos-Abutres são uma espécie que vive em habitats urbanos, nidificando em imensos apartamentos de cobertura e enormes mansões, sempre em cidades sob o comando de abutres similares. Mas também aceitam nidificar nas capitais federais, desde que ocupem cargos com elevado poder de decisão política e monetária.

Não têm asas para voar, mas adquirem jatinhos particulares. Diariamente podem percorrer milhares de quilômetros, em busca de alimento. Os locais escolhidos dependem da disponibilidade de presas (pessoa física ou jurídica), mas preferem alimentar-se em sofisticados restaurantes, com áreas reservadas para “comerem suas presas”. Sempre trazem seus seguranças armados, provindo da Escola Cubana de Abutres-Jumento. Ao convencerem as presas, de forma rápida e definitiva, asseguram o fluxo monetário de seu ecossistema familiar.

De fato, os Novos-Abutres se alimentam de poderosas contas bancárias, tendo como principais presas o Estado e empresários mais ricos. Nas últimas décadas, devido a ações da polícia, alguns deles passaram de uma alimentação frugal, baseada em pratos sofisticados, para uma ração precária. Até por que, os que permanecem capturados, hoje se alimentam em ínfimas jaulas de presídio.