A equipe de que faço parte


Dedico esta crônica a Olga e Felisberto Brant.  Foram os principais personagens da educação fundamental que muitas crianças e jovens receberam do colégio que abriram em Santa Teresa. Anamaria, filha única do casal, é grande amiga de nosso grupo até hoje. Faz parte da equipe, com mérito especial.

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─ “Dá-me orgulho participar dela, há décadas; com ela ainda aprendo todos os dias; ela me emociona com seus atos inesperados e surpreendentes!” Assim pensa o nosso grupo acerca da equipe, da qual Zezinho é parte essencial. Aliás, em outubro próximo completará 67 anos.

Zé e eu conhecemo-nos aos 5 anos de idade, no colégio em que cursamos o Primário. O seu antigo casarão de dois andares, construído em estilo colonial, ficava próximo à cumeeira de um morro, no bairro de Santa Teresa, Rio de Janeiro.

O bonde, eterno símbolo de Santa Teresa

O bonde, eterno símbolo de Santa Teresa

Para chegar às salas de aula era necessário que as crianças atravessassem o grande portão de ferro e “escalassem” os mais de 300 degraus de sua sinuosa escadaria de pedra. Nossas pernas, ainda curtas, aos poucos faziam com que os degraus crescessem e ficassem quase intransponíveis.

Mesmo assim, lembro que várias vezes apostamos corrida para ver quem chegaria primeiro ao casarão. Era um arroubo infantil que alguns apenas acompanhavam, pois estacionavam na metade da subida. Havia, na primeira curva, uma espécie de “sofá de concreto”, onde sentávamos para aguardar que os degraus voltassem ao tamanho normal.

De toda forma, ficávamos estafados ao fim das célebres corridas matinais. Tanto é assim que na primeira aula nossas camisas do uniforme estavam encharcadas de suor. Trazíamos olhos esbugalhados, narizes arfantes, e todos éramos índios da tribo dos “Cara Vermelha”, de acordo com nossa atenta e especial Tia Olguinha – Professora Olga Cascardo Afonso.

Já no período do Ginásio, então na nova sede do colégio, embora com a saída de alguns, o grupo cresceu com a entrada de outros alunos. Todos a residir no mesmo bairro. Porém, estar cursando o ginásio era uma glória para a equipe original. Sentíamo-nos “quase adultos” aos 10 anos de idade!

Nesse período algumas amizades tornaram-se mais estreitas. Recordo-me que Zezinho, Hick, Humberto e eu passamos a nos visitar para brincar na casa de cada um. Em minha casa, na Travessa Poti, realizávamos “guerras de carambola”. Na casa de Zezinho, situada na rua Triunfo, além de soltar pipas do terraço, a melhor opção era subir em cordas amarradas nos galhos da copa de uma antiga mangueira. Era um bom exercício, que amenizava os impulsos da nossa idade. Já na casa do Hick, na rua Aprazível, também frequentada por Humberto, o desafio era subir o íngreme morro da Anteninha e, logo depois, escalar um paredão de rocha (Morro da Nova Cintra) que faz divisa com o bairro de Laranjeiras.

Com essa primeira saída de casa, perambulando pelas ruas de Santa Teresa, começamos a conhecer famílias com crianças da nossa idade, mas que estudavam em outros colégios. De certa forma era uma conquista, uma boa oportunidade para aumentar nosso grupo original. Mas também constituía uma ameaça à unidade do grupo. Pois, embora não soubéssemos, havia vários grupos formados no bairro, todos mais antigos e maiores que o nosso, que tinham o poder de nos atrair, dispersando-nos como amigos próximos. Mas isso não aconteceu.

Porém, existiam alguns traços que eram típicos da cultura do bairro. Além de descobrirmos como funcionavam, contribuímos para sua manutenção. Destaco um deles, bem simples. Naquela época os grupos de amigos em Santa Teresa eram chamados de “turmas”. E cada turma era vinculada a uma área do bairro a que davam um apelido em função do nome de ruas, praças e até mesmo do número de prédios. Por exemplo, Turma da Joaquim Murtinho, Turma do Curvelo, Turma do 109, Turma do Largo do França, Turma da Teresina, e Turma da Paula Mattos são algumas delas. Contudo, nós não pertencíamos a nenhuma dessas turmas já consagradas.

Assim, percebemos que para fortalecer nossa amizade, também devíamos criar nossa própria turma. Porém, o ponto de encontro não podia ser a casa de qualquer um de nós. Tinha que ser um lugar especial do bairro. E o acaso nos permitiu criar nossa turma. Explico.

Meus pais e os de Humberto conheceram-se desde a adolescência. Talvez tivessem participado de alguma turma, quem sabe. Porém, com a proximidade dos filhos, passaram a se frequentar mais. E o mais comum era irem nos fins de semana com seus filhos à piscina do Lagoinha Country Club, onde meu pai então era o Diretor de Esportes.

Imagem atual da sede do Lagoinha Country Club

Imagem atual da sede do Lagoinha Country Club

O Lagoinha continua localizado em Santa Teresa, na estrada Joaquim Mamede, no meio da floresta da Tijuca. Mas foi lá, ao fim da década de 1950 ou início da de 60, não sei bem, que nasceu de forma espontânea a Turma do Lagoinha, dedicada a esportes dos mais variados, como natação em piscina curta, saltos ornamentais em um precário trampolim, montanhismo num paredão de saibro, tiro de arco e flecha, um pouco de tênis e futebol.

Naquela época, o clube tinha poucos sócios que, na maioria, eram suíços. Dessa forma, durante cerca de três anos tornou-se uma extensão de nossas casas em muitos fins de semana. Apenas nossas famílias e o grupo original de amigos frequentavam o Lagoinha com assiduidade. Nós nos divertíamos com o acaso, com a passarada, com os grupos de saguis e macacos que desciam pelas copas das árvores em algazarra e com casais de esquilos ressabiados. Uma vez ou outra encontrávamos uma cobra venenosa e, ainda crianças apavoradas, fazíamos muito barulho para espantá-la mato adentro. Mas nunca ocorreu qualquer acidente.

Mais tarde, já com cerca de 13 anos, para coroar a Turma do Lagoinha, foi montada uma grande festa no Lagoinha, onde pudemos nos confraternizar com amigos das várias turmas do bairro. Em nome de Zezinho (José Edwin Murray), de Hick (Eugênio Henrique Monteiro) e de Humberto (Pereira de Souza), destaco a presença na festa do Neto (João José da Silva Neto), o mais querido amigo da Turma da Teresina. Neto é o irmão mais velho que qualquer ser humano normal deseja ter. E nós o temos até hoje, embora resida em outro estado.

Bem, então chegara a hora de cursarmos o Científico. Além de ser o prévio para a faculdade, precisávamos nos matricular em escolas fora do bairro, pois não havia uma que oferecesse o curso em Santa Teresa. Assim, cursei o científico no Liceu Franco-Brasileiro, mas confesso que nunca soube em que colégios os amigos do grupo ingressaram.

Durante o científico, o grupo original teve raros encontros. Às vezes um encontro na rua ao acaso, um chope marcado no “Bar do Arnaldo” e nada mais. A maioria fez faculdade, trabalharam em algumas empresas, todos se casaram, mudaram de endereço e os contatos se perderam. Eventualmente, Zé, Hick e eu nos encontramos. Ano passado mesmo, tivemos um almoço com outros alunos dos velhos tempos, organizado por Tiquinho (Paulo Cesar Boueri), da Turma da Paula Mattos. Humberto não estava presente. Infelizmente, deixou-nos muito cedo.

De toda forma, 60 anos após o início de nossa amizade, percebo que na infância formamos um Grupo bem unido; 10 anos após, a Turma do Lagoinha; hoje, embora sem que possamos nos encontrar amiúde, somos uma equipe sólida em princípios e valores. Isso constitui uma referência pessoal e abstrata, herdada de nosso passado, justo para ser transferida a filhos e netos.

Ricardo Kohn, escritor.