Reunião de bruxas


Zik-Sênior, o Ermitão.

Na escuridão da noite de lua cheia, reforçada pela iluminação decadente da cidade, elas começaram a surgir montadas em suas vassouras esvoaçantes. Entravam afoitas pela janela da cobertura duplex de Postínea, a chefona. Morava no 34º andar, de frente para o matagal do terreno baldio.

Postínea, a chefona

Postínea, a demente terrorista

Barbínica, sua secretária especial, foi a primeira a chegar. Estava sensual e esfomeada, como sempre. Logo em seguida aterrissaram Magália, Malévola, Rosívora, Marínica e tantas outras que não pude reconhecer através da porcaria de luneta que arrumei: sem foco, com baixa resolução.

Barbínica, secretária especial

Barbínica, secretária da jaula-civil

Desisti de assistir a chegada das feras diabólicas. Afinal, com equipamento ótico produzido na China, importado via Paraguai, desculpem-me, mas é uma merda!

Porém, fiquei a pensar: ─ Para que serve essa reunião? Quem são essas criaturas e como estão envolvidas?

  • Postínea é definitivamente impossibilitada de pensar. Sem utilidade alguma, lembra muito um poste apagado.
  • Barbínica é pouco sagaz, vê o mundo por um único furo, só pensa em seus caninos afiados e mostrar sua beleza forjada pelo bisturí.
  • Magália fala “pra cachorro” e nunca diz algo de útil ou verdadeiro. Gosta de discursar, de ler relatórios, de matraquear, enfim.
  • Malévola é uma besta-quadrada. É escrava de Postínea, mas joga a favor e contra todas as facções da bruxaria nacional.
  • Rosívora é arqui-inimiga de Postínea e possui dons canibalescos. Adora se alimentar de carne velha e ensebada. Na verdade, sonha em ter o poder de sua odiada. Em sua horda mais íntima, chamam-na Garotínia
Rosívora, a inimiga declarada

Rosívora, a arqui-inimiga de Postínea

  • Marínica, por fim, vive pensando nas alturas e acha que o mundo é todo cor de rosa. Odeia Postínea, quer destruí-la a qualquer custo. Só não sabe ainda o que vai fazer consigo mesma.

Estamos bem mal servidos de bruxas”, pensei. O único motivo para essa reunião deve ser uma prévia para o Halloween brasileiro

Depois de muito pesquisar sobre o assunto, fui aconselhado por um expert em bruxas e bruxarias que só existe uma fórmula para acabar com todas elas. Após uma longa preleção, ele concluiu:

─ “Entendeu, meu jovem? Basta abrir furos na base dos caldeirões” …

Chacina entre ególatras


Ainda não foi dada a largada oficial para as eleições presidenciais de 2014, embora vários jumentos já estejam novamente a desgraçar o Grande Prêmio Brasil.

Atropelaram os portões do grid de largada e jogaram seus jóqueis de marketing no chão duro de areia molhada. Clavículas e braços quebrados foi tudo o que conseguiram até agora. Os eventuais puro-sangue alinhados no grid permaneceram impávidos e, aos poucos, retornaram circunspectos às suas cavalariças.

No Brasil existem hoje cerca de 32 haras certificados [tal como partidos políticos] para participar dessa grande festa, que já possui 191 anos de história. No entanto, a grande maioria desses haras começou a criar somente jumentos, burros, mulas e jegues. Afirmam seus proprietários que, em curto prazo, os jumentos “dão mais dinheiro”.

Nada temos contra esses animais, muito ao contrário. Mas suas espécies são destinadas para outros fins, até mesmo no Oriente Médio. São animais muito fortes, sobrevivem a condições extremas, são inteligentes, porém, não são velozes. São mais usados para puxar carroças ou carregar cargas pesadas. Temos muito dó das condições de trabalho desses animais.

Quando a carga é mais pesada

Quando a carga é mais pesada

Contudo, no Brasil há alguns criadores que promovem e ganham prêmios nas Marchas de Muares. Ao fim desses eventos vendem exemplares especiais por cerca de 15 a 20 mil reais. Não são animais de carga, mas de exposição, demonstração e reprodução. Seu mercado ainda é muito reduzido, pois os poucos compradores são bichos aficionados.

Até o século 20 nunca escutamos falar de jumentos concorrendo ao “Grande Prêmio Brasil“. A velocidade dos cavalos de puro-sangue é fator essencial para participarem desse evento. Ao ser permitida a presença dos muares na competição vê-se um fenômeno social que jamais ocorreu. Os proprietários desses animais, insuflados por seus jóqueis de marketing, querem ganhar a qualquer custo o grande prêmio! Tornaram-se ególatras alucinados e acreditam que vencerão.

E esse quadro está sendo agravado. Um ano antes do “grande prêmio”, pasmem, os donos de jumentos pré-inscritos já ameaçam chacinar puro-sangues e jumentos que considerarem adversários. Merece destaque a atuação do Jumento do Estado, dadas suas características bastardas: é burro, mentiroso, lento, confuso, marcha para trás, só possui um neurônio e não sabe em que raia irá largar. Mas conta com uma tropa de jumentos de choque treinada para não permitir que seja espremido contra a cerca interna.

A propósito

Em texto publicado ontem no Estado de São Paulo (16/10/2013) sob o título “Eleições 2014”, o jurista Almir Pazzianotto [1] observou no primeiro parágrafo:

“Na campanha pela reeleição da presidente Dilma Rousseff em 2014, o Partido dos Trabalhadores gozará de autoridade para reivindicar a paternidade de dez obras, em 12 anos de governo. São elas: mensalão, rompimento dos princípios da ética e da moralidade, insegurança jurídica, desprestígio da diplomacia, compra e venda de legendas, declínio das atividades industriais, exportação de empregos para China e Índia, criação de ministérios inúteis, construção e financiamento de estádios de futebol e oficialização da palavra “presidenta”.”

Mensaleiros pré-aprisionados

Mensaleiros pré-aprisionados

Decerto o jurista entendeu como obras menos relevantes “a falência do ensino e da assistência pública à saúde, o endividamento [público], a alta dos preços, a inflação, o registro de milhares de sindicatos pelegos, a violência, a expansão do tráfico de drogas”.

Muito embora esta crônica seja uma expressão irônica do desgoverno instalado no Estado brasileiro, ousa-se prever que a segurança da nação encontra-se à beira de um colapso, de uma guerra civil: de um lado as organizações delinquentes que promovem o violento tráfico de drogas; de outro, a sociedade espremida entre tiroteios e balas perdidas. No meio, os eternos ladrões, canalhas a dirigir o país rumo ao precipício da imoralidade.


[1] Almir Pazzianotto Pinto, ex-ministro do Trabalho e ex-presidente do Tribunal Superior do Trabalho.

O neurônio que se perdeu


Sou um neurônio abandonado.  Chamam-me Lost. Tudo aconteceu em menos de um nanosegundo. Todos os bilhões de neurônios, meus colegas de trabalho, simplesmente debandaram desse cérebro…

Era assim eu conversava com meus colegas

Era assim que eu conversava com meus colegas

A intensidade das conexões sinápticas (as nossas “estradas neuronais”) reduziram-se de forma drástica. Os “corredores do encéfalo” estavam vazios, nada existia ali além de mim mesmo. Estava muito solitário, perdera grande parte da capacidade de transferir informação, de comandar ações e respostas do ser vivo em que me abrigava.

Imagine você, eu passei a gastar mais de 10 segundos para comandar qualquer ação a estímulos, internos e externos. Perdera minha função. Esse tempo é inútil, uma eternidade neuronal.

─ “Como meu espécime iria sobreviver desta maneira?

Precisava refletir sobre o que estava a acontecer. Por isso, disse a mim mesmo: ─ “Lost, feche os olhos, relaxe, respire fundo e fique calmo.”

Foi o que fiz várias vezes. Mas comecei a falar sozinho com paredes: ─ “Mas paredes do quê, onde estou?

Por fim, não consegui mais pensar por causa de um cheiro estranho que percebia. Assim, tornei-me um operário para limpar o mofo daquele encéfalo. Melhor do que ficar parado, sem fazer nada de útil. Afinal, a casa de minha comunidade precisava ser asseada.

Enquanto trabalhava, vez por outra me interrogava: ─ “Não sei como, mas, por algum motivo, será que fui levado para os intestinos deste espécime?!

Mas acabei por concluir que isso seria improvável, pois sou uma célula especializadíssima, embora ainda não estivesse a produzir minhas réplicas. Por que será?, pensei.

Continuei operário, a trabalhar. Estava definitivamente residindo em um encéfalo e isto me fez muito bem. Acendi todas as minhas luzes e confirmei que o ambiente era cerebral. Contudo, nele haviam várias mudanças drásticas, pois era muito pequeno, restrito, mesquinho e desorganizado. Nele só caberia mais um neurônio. Mesmo assim, desconfortável para ser de um “pensador”.

Fechei os olhos e respirei fundo várias vezes. Acabei por concluir que eu fora transplantado para o encéfalo de outro ser vivo. Lentamente, mesmo com minhas novas dificuldades para receber informes, comecei a avalia-lo sozinho.

Verifiquei que se tratava de um bípede idoso, de baixa estatura. Realizava atividades de pouca inteligência. Ingeria muito álcool, tanto que me vi obrigado a ativar minhas poderosas defesas para não ficar bêbado também. Pareceu-me um imitador ou, como diziam meus colegas, um espécime de “pau-mandado”.

De início refleti que se tratava de um símio, mas primatas silvestres não ingerem álcool a toda hora, nem não dão longas e tenebrosas gargalhadas . Conclui que, desgraçadamente para ele, era um primata humano.

Para mim, não fazia diferença estar no encéfalo desse espécime ou de outro mais exigente. Adapto-me com facilidade a cenários em que não sou demandado por ações que requeiram inteligência.

Enfim, eu, Lost, decidi que minha existência seria serena e divertida em admirar as burrices do cérebro desfalcado, que comandava um primata humano idiota. Por isso mesmo, gostaria de saber seu nome e o que faz na vida. Mera curiosidade de um neurônio solitário que se perdeu.

Conversa ao pé do telefone


Conversa ao pé do telefone

Por Zik Sênior, um eremita sem humor.

Zik SêniorNão repare não, tenho dificuldade de descrever meus pensamentos. Mas gosto tanto disso que, ainda assim, eu tento.

Fui criado na Paraíba, lá no Povoado de Sumé, zona do agreste. Foi de parto difícil, no verão de 1909. A moça, minha mãezinha, sofreu um pouco. O pai cuidava de laçar cabeça de gado nas alamedas espinhentas de árvores secas da caatinga, quando teve a primeira notícia da minha existência. Acho que uns dois meses depois, por fim nos conhecemos. Mas os dois já partiram, faz tempo, e não adianta pensar mais nisso. Tenho filhos, netos, bisnetos e muitos tataranetos com que me ocupar. Sempre que posso trago vinte deles para me visitar.

O ambiente do gado na caatinga

O ambiente do gado na caatinga

Por força dessa origem, dizem que sou agressivo, mal humorado e às vezes até violento. Digo-lhes de volta: ─ Porra nenhuma, sou só curto e direto, e vão tomar naquele mesmo lugar de sempre!

Sou um animal solitário que gosta de admirar e refletir sobre tudo o que passa diante de meus olhos. No início da minha vida era só areia, sol, espinhos e seca. Hoje estou um pouco melhor, moro no sul, aqui no interior do sul do Brasil. Na região serrana em que vivo faz um frio filha da puta, mas já me acostumei.

Minha opção de vida já me fez dar muitas voltas pelo país e nem sei se inda sou quase paraibano. Já fui nada e fiz de tudo, desde pedinte, pedreiro, sapateiro, advogado e até mestre de obras. Pobre nasci e continuo assim, mas rico já fiquei muitas vezes. Tanto é que comprei e vendi de tudo o que queria e mesmo o que não queria. Hoje tenho uma pequena terra, e nela uma pequena casa, quatro vacas de leite e uma boa horta. Guardo uns trocados no banco e foi dessa forma que me resolvi.

Não me acho arrogante ao dizer que prezo contar de público minhas histórias. Nunca cobrei um puto para narrar várias experiências de minha vida.

─ “Que pensas, que sou um oportunista de autoajuda?!”

O importante para mim é que os ouvintes não sejam abestados. Isso sempre me fez muito mal. Gosto dos debates, das trocas de argumentos e das pancadarias de novas ideias. Esta coisa que até mesmo os ateus acham que são sagradas: ideias, as baratas ideias que, como temos comprovado na política do país, até mesmo dois neurônios inúteis são capazes de cria-las gratuitamente, pois de nada servem.

Mas, ao contrário, há muito cientista arrogante que se diz social e, enquanto narra com firmeza suas soberbas dúvidas, adora que suas plateias permaneçam caladas e contentes. Ao fim da narrativa elas o aplaudem de pé, e o cientista agradece com humildade, de cima de seu pedestal de poeira.

Cientistas desta estirpe lembram-me os atuais políticos brasileiros, a fazer promessas para curar os males do mundo. Os do Brasil que se danem, poucos sabem como resolve-los. Diferem dos políticos apenas por que estes não têm dúvida que iludem seus iluminados eleitores e, ao fim, mais parecem plateias de idiotas, rogando para serem enganados mais uma vez.

Como disse, tenho dificuldade de descrever meus pensamentos. Mas essa dificuldade, aos 104 anos, ainda é menor do que recordá-los.

Fico-lhe muito grato por sua leitura.
Receba meu abraço ─ Zik Sênior.

O triste caos


Por Simão-pescador, de Praia das Maçãs, próximo a Sintra.

Simão-Pescador

Simão-Pescador

Estou a receber aulas de “português brasileiro” e já domino um pouco de sua gíria. Escolhi o dialeto dos cariocas porque é filho do de Coimbra, como dizem linguistas de Portugal. Já sei usar alguns termos do carioquês, como “e ai, ô cara”, “fala figura”, “vamos à balada” e outros mais curiosos. Porém, não consegui perder meu sotaque lusitano original. Mas, ainda por causa do Brasil, também estou a estudar Ciência Política, muito embora ache que me seria mais proveitoso se mergulhasse na cadeira da Indecência Política para compreender-vos melhor.

Assisti pela internet a 28ª Jornada Mundial da Juventude inteira. Acho que comi e dormi menos do que o próprio Papa Francisco. A próxima jornada acontecerá em Kraków, na Polônia, e eu pretendo participar dela, na qualidade de voluntário luso-brasileiro!

Na jornada do Rio fiquei muito preocupado com a insegurança do Bispo de Roma. Ele é muito inquieto e, diria mesmo, bastante afoito. Explico os meus temores. Desde que Quincas me ensinou a usar o pequenino computador, acompanho dalém mar os protestos políticos da juventude carioca. Mas não tenho dúvida que parte destes protestadores participou da JMJ, como bem incentivou Francisco, o Revolucionário.

A chave do presídio, na cidade de Felizes, onde faltam os demais artistas

A chave do presídio, na cidade de Felizes, onde ainda faltam os “artistas do mensalão”

No entanto, se não estou equivocado, os manifestos de julho ficaram agressivos, violentos e destruíram patrimónios. Perderam a visão da reforma, da mudança e revolução dos costumes. Porém, nos dois últimos dias da Jornada, pequenos grupos de mascarados trajando roupa preta, a dizerem-se “anarquistas”, tentaram liderar passeatas de poucos com o nítido intuito de desmoralizar os movimentos essenciais e causar medo nos cidadãos de todas as idades. Fiquei assustado caso um desses idiotas infiltrados maltratasse o Papa ou até o agredisse!

Diante disso, reflito sobre fatos da cultura brasileira, atualmente bastante arrasada, mas que, a meu ver, poderá sofrer um verdadeiro terremoto cultural a partir das palavras de Francisco. Creio ser este o augúrio e desejo de mais de 80% dos brasileiros. Decerto, não haverá meios para contê-los.

Tenho lido e visto na internet que o gigante Brasil parece estar engasgado com as indecisões cometidas por inúmeros governantes espertos e toneladas de políticos ordinários. Segundo palavras de uma amiga no Feicibuque (a Sra. Luciana Raposo), com o retorno de Francisco a Roma “o país vai sofrer uma depressão pós-papa”. Esse retorno poderá gerar na nação um estrondoso vazio moral, o qual, na falta de melhor entendimento, chamarão de “saudade”.

Porém – cá entre nós –, acho que esta frase possui um significado bem mais amplo: o de uma nação em lento e doloroso sofrimento diante do caos conquistado por sucessivos governos incompetentes, coalhados de corrupção. Uma nação que clama nas ruas por seu renascimento a partir das cinzas de seu próprio caos.

Imagem mitológica da Fênix

Imagem mitológica do voo da Fênix, em homenagem a Bernard Etienne de Macedo, meu pai, falecido nesta madrugada.

Creio que essa visão mitológica, símbolo de esperança e solução desde 7.000 anos atrás, pode se tornar realidade neste país. Quem sabe, nalgum dia. Rogo que esteja próximo…

Subdialetos brasileiros


Ricardo Kohn, Escritor.

Diz a Linguística que “dialeto é a expressão da língua usada em uma região”. Ou seja, é a língua própria da comunidade que nela habita. Portanto, possui a visão geocultural do uso de uma única língua em diversas regiões, que podem se situar até mesmo em países distintos. Isso é fácil de verificar na dispersão das línguas portuguesa e inglesa, por exemplo.

Todos os dialetos partem de um mesmo padrão linguístico. Na língua portuguesa o padrão inicial foi o dialeto falado em Coimbra e Lisboa, dos quais derivou o padrão brasileiro, falado no Rio de Janeiro. A partir desses centros, novos dialetos foram irradiados pelas regiões dos dois países, mas a língua portuguesa manteve-se única. Tanto é fato que seus povos leem com facilidade as obras literárias de autores provenientes dos dois países, independendo da época em que foram escritas. Para nós, brasileiros, Eça, Pessoa e Saramago são eternos em seus dialetos.

Dialetos no país

Além da vital regionalidade, há vários fatores responsáveis pela formação de novos dialetos. Pode-se afirmar que, pelo menos no país, há “subdialeto social, subdialeto econômico e até mesmo um subdialeto político”. Todos a manter variações regionais, mas a criar abismos e penhascos ameaçadores a seu entendimento.

Abismos e penhascos perigosos para amadores

Abismos e penhascos são perigosos para amadores

Com área de mais de 8,5 milhões de km2 em terras contínuas – devendo chegar em breve a 195 milhões de habitantes – e regiões povoadas com imigrantes de diversos continentes, os dialetos do país nascem e dispersam-se por seu território diariamente. Trata-se de um processo de “terremoto cultural”, impossível de ser administrado e sequer entendido.

No entanto, os subdialetos – social, econômico e político – possuem características próprias que podem ser identificadas e monitoradas. Não há como regionaliza-los de forma exata, mas é possível encontrar seu “epicentro”, sempre a tremer a superfície terrestre.

  • Subdialeto social: seu epicentro situou-se na cidade do pão e circo, que durante quase dois séculos, foi a mais importante orientadora da sociedade e da cultura nacionais. Contudo, há cerca de três décadas, perdeu a hegemonia e ainda não foi substituída. Alguns líderes ainda fazem protestos como os de outrora, mas logo perdem o foco e o interesse. Esquecem o que buscavam e a necessidade da continuidade dos movimentos. Assim, vive-se numa espécie de interregno sociocultural.
  • Subdialeto econômico: seu epicentro situa-se na cidade do dinheiro, embora com falanges avançadas que buscam atender às “ofertas do subdialeto político”. Na verdade, visam à troca de favores. Seus líderes são potentados silenciosos do setor financeiro, desconhecidos pela maioria da população. Através de “mensageiros escolados” usam dólares como iscas para pescar políticos. Estão sempre dispostos a “negociar parte do bolo”. Contudo, no atual cenário desgovernado, correm risco de naufragarem em extremos maremotos.
  • Subdialeto político: seu epicentro situa-se na cidade do ouro, embora navegue para o estrangeiro a “enxaguar realizações monetárias”. Possui incontáveis facções que sempre se desentendem, pela disputa da ordem que ocupam nas filas das partidas aeroportuárias. Seus líderes são alados, adoram aeronaves com sala de negócios. Por sinal, passam mais tempo dentro delas do que a trabalhar. Usam linguagem chula no dia a dia, sempre com o humor em estado de ebulição. Odeiam os demais subdialetos, mas são obrigados a aceita-los, pois vivem às custas deles.

As relações mantidas entre os subdialetos econômico e político são crescentes e depravadas. Ambos usam o subdialeto social como massa de manobra, com direito a tomar o que não lhes foi oferecido.

Olha eu ai de novo!


Simão-Pescador, Praia das Maçãs.

Simão-Pescador

Simão-Pescador

Devo confessar cá em meu canto que, desde o fim da 2ª Guerra, passei a ter uma queda especial pela alegria do povo brasileiro. Nós, daqui de Portugal, somos um povo por demais sisudo e um tanto conservador em seculares tradições lusitanas. Penso até que, com 97 anos de idade, eu próprio mereceria o gáudio de ser uma das tradições portuguesas. No entanto, em definitivo não o sou. De facto, e de forma clara, estou às esquerdas de todas as tradições do mundo, par a par com meu mestre, Fernando Pessoa:“Tenho em mim todos os sonhos do mundo”, e hoje vejo-me a subir a colina de volta à casa, a cruzar comigo mesmo, jovem, a desce-la à cata de um início para a vida.

Desde que enviei a primeira carta a sua senhoria, tenho seguido ao porto da cidade todos os dias, mesmo sem pescados para vender. A conversar com velhos amigos, acabei na sede do concelho, onde adquiri assinaturas de periódicos brasileiros, dois jornais e uma revista. Antes de antontem recebi vários deles e danei-me a lê-los.

Antontem, com a primeira luz do sol a bater-me no rosto, conclui duas coisas: que já tinha uma breve mirada da conjuntura brasileira e que precisava fazer com urgência um cursinho para saber usar os “pequeninos computadores”, a que chamam de PC. Fiquei ansioso a me imaginar ligado ao mundo pelas redes de computadores e a aprender bastante com as ideias dos grandes pensadores da atualidade.

Assim que, rumei para Lisboa, onde tenho muitos conhecidos, e consegui receber as aulas iniciais. E vejam que linda coincidência: meu professor, chamado por Quincas, é um menino de apenas 17 anos, bisneto de Nelo, um grande amigo daqui, de Sintra. Pescamos juntos no mesmo barco durante mais de 50 anos.

O jovem Quincas é dono da empresa de que recebi as aulas práticas. Ficou tão comovido com a coincidência, que se excedeu em atenções. Olhem bem: levou-me em seu carro de volta a Sintra, deu-me um PC, instalou acesso à internet, criou uma conta de mensagens e outra numa rede social – o Feicibuque. Não permitiu que eu pagasse nada. E mais, sem que eu lhe pedisse, prometeu-me pelo menos uma visita por mês para tomarmos café juntos. Segurei lágrimas aos olhos quando nos despedimos.

Fiquei maravilhado com as novas engenhocas que ganhei de Quincas. Não necessitam de cabos elétricos entre si e conversam por satélites com o mundo. Que coisicas delicadas que falam até com satélites. Afinal, sou do tempo em que máquinas datilográficas eram uma excelente expressão do mundo moderno.

Porém, de outro lado, há cerca de três dias que mal dormia e não me alimentava. Mas, o que fazer, a ansiedade de usar esses objectos era muito maior do que o sono e a fome. “No anoitecer vou juntar amigos para assar uns peixes junto ao mar”, pensei. Tenho linguados, douradas e choupas para comemorar esta incrível ocasião: aos 97 anos, entrar na era digital!

Mas não perdi de vista o maior interesse: redescobrir o Brasil e seu povo atual. Contudo, no início das pesquisas sentia algumas dificuldades para entender os termos utilizados.

Por exemplo, “navegar na internet” pareceu-me coisa muito estranha, pois, desde criança, sempre naveguei no mar. Não entendia como seria possível navegar numa tela plana, pequena e feita com materiais plásticos.

Outra coisa curiosa na internet é chamada de real time, que obviamente traduzi por tempo real. Toda hora aparece na tela do PC um filme com a informação que diz ser realizado em tempo real. Assim, pergunto-me ao inverso, qual seria o resultado de qualquer coisa feita em tempo irreal? …

De toda sorte, o forte cansaço fez-me desligar o “pequenino computador”. Espero que, por algum descuido, não haja também desligado os satélites com quem ele conversava.

Isto posto, chamei os amigos, assamos bons peixes salgados, comemos todos eles, caímos ao mar e, por fim, às duas da madrugada segui reto para a cama. Estava exausto, mas feliz.

Somente pela manhã, já refeito das múltiplas diabruras cometidas, descobri a existência dos pesquisadores de sítios na internet. São chamados de browsers, ou seja, são navegadores. Diante disso, parei de achar estranhos os termos usados na web e resolvi ficar calado, entronizar seu vocabulário, tornar-me o mais fiel navegador a serviço da grande teia mundial.

Naveguei na internet até me encontrar com todo o povo brasileiro da atualidade. Estava lá eu, sozinho à beira do mar, na costa portuguesa, abraçando com carinho os guerreiros do Brasil que lutam contra a corrupção que corrói brutalmente o país.

Em minha opinião pessoal, de velho pescador português, os partidos que hoje alimentam o governo brasileiro têm o firme propósito de instalar uma ditadura corporativa no país. E ainda mais, planejam e pretendem dominar a América do Sul e, quiçá, toda a América Latina. São liderados por seres insanos, de cérebros pequenos e pessimamente formados em termos de educação, princípios universais de humanidade.

Devo explicar ao povo brasileiro que sobrevivi debaixo de uma cruel ditadura durante 48 anos, quase a metade de minha vida inteira. O mais longo período ditatorial da história europeia. Livrem-se deste miserável ordenamento compulsório de ideias. Isso significa a ameaça de morte de qualquer nação. Regimes totalitários no planeta têm históricos exemplos de mortes nacionais.

Hoje mesmo assisti na internet aos movimentos de centrais sindicais e de organizações que não possuem qualquer identidade formal. Sua dita Luta Nacional nada mais é do que o apoio remunerado de um perigoso governo fascista, totalmente perdido em sua história.

Zola, o ensinador


Após muito estudar e, de certa maneira, ensinar, tornou-se um vulto.

Desde a infância seu nome era o último na lista de chamada da sala no colégio. Sempre foi um menino um tanto inesperado. Enquanto os demais alunos da sala respondiam “presente” ao ouvirem os professores a declamar seus nomes na chamada de presença, ele respondia firme, em alto e bom som: Zola! (pronuncia-se Zolá). Parecia querer ecoar a fala do professor. Era apenas nesse momento – e que se repetia até cinco vezes pelas manhãs diárias – que Zola mostrava ser capaz de falar.

Zola, o vulto desconhecido

Zola, um simples vulto desconhecido

Durante os cursos do Primário e do Ginásio (1), Zola não era tido como um ser comunicativo ou crítico, ao contrário do escritor francês Émile Zola, com quem compartilhava o sobrenome. Nos intervalos entre as aulas conversava com poucos colegas de sala, mas somente quando se tratava de assunto relativo às matérias em estudo. Mesmo assim, apenas quando pediam suas opiniões. Era curto e objetivo com as palavras; talvez o silêncio já fosse então a “ânima” de seu intelecto. Durante os nove anos dos estudos do primeiro grau, Zola não teve nenhuma nota inferior à máxima. E isso ocorreu em todas as matérias que o liceu oferecia.

Nos três anos do curso Científico, quando todas as turmas tinham alunos com 14 anos ou mais, ao recebermos a grade de aulas anual, ficávamos felizes ao descobrir as chamadas “horas vagas”. Nelas podíamos ir para as quadras de esporte e jogar futebol de salão ou vôlei, durante cerca de 50 minutos. Lembro-me que no primeiro ano tínhamos três horas vagas por semana, além de duas aulas de Educação Física aos sábados, nas mesmas quadras. A primeira era trabalho físico pesado. Após, a segunda era sempre dedicada ao salão ou ao vôlei. Dependia da votação dos interessados.

Porém, havia exceções. Eram aqueles que preferiam, no mínimo três vezes por semana, se empanturrarem no Bob’s ao invés de praticar algum esporte. Bem, o peso desses colegas era bastante elevado e alguns menos amigos, provocativamente, o declinavam em toneladas. No início de cada ano, eles entregavam na secretaria do liceu atestados médicos carimbados que os impediam de fazer quaisquer exercícios e, em consequência, participar de todo o tipo de educação física.

Zola não era um desses. Afinal, tinha pequena estatura, era magro, com pele de pouco sol e portava um óculos para miopia com cerca de 8 graus em cada lente. Eram dois fundos de garrafa apoiados sobre o nariz. Sendo assim, durante as horas vagas permanecia na sala de aula, absorto em sua carteira, a dar soluções para problemas de matemática e de física até então nunca resolvidos. Durante os três anos do curso científico Zola decerto solucionou milhares de problemas não resolvidos, impressos em volumosos livros ingleses. Sempre tinha um deles a mão. Nunca qualquer colega do liceu sequer ousou tocar nos livros de Zola. Bastava passar ao largo de sua carteira e ver as figuras que acompanhavam os problemas de física e matemática: eram simplesmente aterradoras, difíceis de serem interpretadas por leigos como nós.

Física e Matemática

As expressões amedrontadoras da Física e da Matemática

Tivemos a sorte de fazer o terceiro ano científico integrado ao curso pré-vestibular. Todos os professores eram magníficos e, sem exagero, em 1967 eram considerados os melhores do Brasil. Devo citar alguns nomes e apelidos que me foram essenciais em termos da lógica do pensamento: Bahiense, Saules, Gitirana, Nótrega, Pardal, Romagnolo, Orelhinha, Bazarella e Manta foram alguns deles. Todos inesquecíveis e incomensuráveis em sua razão.

Muitos já tinham longa experiência na formação de candidatos à universidade. Mas todos ficaram impressionados com a inteligência e criatividade de Zola, que continuava a resolver problemas esquisitos dentro de sala e a tirar nota 10 em todas as provas.

Zola fez três vestibulares, no ITA, IME e Nacional de Química. Passou nos três em primeiro lugar. Foi notícia em jornais do país durante uma semana. Decerto não as leu e continuou imerso em seu silêncio, cultivando suas habilidades para solucionar problemas.

Os caminhos de Zola

Perdemos o paradeiro desse gênio por cerca de mais de duas décadas. Hoje o chamariam de Nerd, mas sem saber que o Gênio é, no mínimo, um amplo degrau acima de qualquer Nerd. Todavia, um de nós ficou sabendo que Zola tornara-se chefe de um Laboratório Técnico-científico nos EUA, que ainda hoje é encarregado de criar soluções para problemas que, supostamente, sequer existem.

Em minha visão particular considero Zola Lenz César um mestre “ensinador”, não por meio de aulas e demonstração de teorias e teoremas, que certamente nunca fez. Mas, sobretudo, por seu comportamento silencioso, dedicado, humilde e extremamente focado no que precisava aprender para continuar a inovar.

É um grande vulto das inovações mundiais, tanto para atender a pedidos on demand, quanto para alimentar suas próprias habilidades.


(1) No Brasil, durante as décadas de 1950 e 1960 os cursos colegiais eram divididos em Pré-primário, Primário, Admissão, Ginásio e Científico ou Clássico, totalizando 12 anos de educação colegial (1º e 2º Graus). Depois de fazer um curso especial e prestar as provas do vestibular, os alunos aprovados seguiam para realizar os cursos universitários (3º Grau) – Graduação, Mestrado e Doutorado, podendo totalizar de 11 a 13 anos de educação universitária.

A escravatura da modernidade


Tudo é made in China, made in Mao, made in Zé Dirceu.

O pelourinho, onde no passado não muito longínquo muitos foram chicoteados até a morte, é hoje máquina digital, móvel e automática. Basta você apertar uma tecla de seu celular ou do tablete que, em segundos, sairá do seu próprio bolso um pelourinho digital com um bravo e violento chicoteador implacável, bem mais cruel do que os dos velhos tempos. E, observe, nem ele ou o chicote são virtuais. Tudo agora é, como dissemos, Made in China e outros

Pelourinho, por Jean Baptiste Debret, 1827

Contou-nos particularmente um amigo, em extremo estado de desolação, que acabara de ser demitido de um magnífico grupo empresarial, “genuinamente brasileiro”. A primeira vista, vimos que nosso parceiro de muitos trabalhos encontrava-se bastante triste e perdido com a perda do trabalho.

─ “Calma amigo, o mundo não acabou!, já fomos demitidos até por amigos quase irmãos, mas a vida continuou…”.

Sem dúvida, foi uma forma um tanto burra que usamos para consolar alguém naquela situação, afinal não nos víamos há tempo e sequer sabíamos como estava correndo sua vida, sua família.

Mas, sua perplexidade diante dos fatos era tamanha que ele continuou narrando, sem parar, o quê acabara de lhe acontecer.

─ “Trabalhei feito um escravo durante mais de cinco anos na empresa. Sábados, domingos e feriados eu sempre estive disponível e trabalhei. E me sentia feliz com os resultados que alcançara até então. Por sinal, minha chefia imediata também. Foi quando recebi um telefonema da diretoria pedindo para que eu me apresentasse, pois tinham que me dar uma notícia. Desliguei meu celular, aliás, da empresa, peguei o elevador e subi para saber as novidades, ansioso. O quê seria? Qual dos projetos haveria andado? Fui recebido friamente, tal como se fora um “inimigo dedicado”, e me noticiaram que eu estava demitido, sem justa causa. Receberia todos os valores proporcionais de férias, décimo-terceiro, a multa sobre o FGTS, sem necessidade de “cumprir aviso prévio”, pois também me pagariam. Deus! Que mal eu fiz a esta empresa?!”.

Ele estava ficando sem ar pela emoção e, para aliviá-lo um pouco, interviemos a seu favor:

─ “Piada safada da justiça do trabalho. Toma-se um pé na bunda e ainda se gabam dizendo que não é preciso “cumprir aviso prévio”, como se fosse obrigação num caso desses. Parecem que são donos do mundo e que todos são seus escravos. Claro que são eles que devem pagar qualquer aviso…

Para nossa perplexidade, descobrimos que a escravatura contemporânea também tem seus pelourinhos, porém muito mais desleais e letais.

─ “De uma coisa não posso reclamar, pagaram tudo rapidamente. Mas, quando voltei pra sala e me sentei ao computador; ele estava desligado. Liguei o dito, mas não tinha mais senha, nem e-mail. Anularam meu e-mail e centenas de contatos de cinco anos, em menos de dez minutos. Fiquei preocupado por que minha mulher estava grávida e eu queria dar a ‘notícia’ com cuidado. Peguei a mala e segui para o hall do edifício. Abri o celular, aliás, o celular da empresa, e já não tinha mais sinal, estava mudo.”

“Devem ter dedetizado ou esterilizado tudo em que toquei durante cinco anos na empresa: minha sala, banheiro, mesas, cadeiras, xícaras e obumbumda mãe deles…”

Questões do Ambiente

Seremos telegráficos nestas considerações:

  • Essa é a qualidade de vida dos funcionários em que as grandes corporações brasileiras vêm apostando?
  • Essa organização estaria ranqueada em que posição quanto à felicidade de seus funcionários?
  • O discurso retórico de seu presidente corporativo é compatível com as posições adotadas por suas empresas ou ele é mais um mentiroso descarado?
  • Seria este senhor coligado a interesses políticos, particulares e negociais?

Temos sérias dúvidas quanto a essas questões. É melhor fecharmos a boca, para não discutirmos atos com ausência de caráter.

Taxonomia das espécies “Cara-de-Pau” e “Cômico”


Para o interesse deste artigo aplicamos o que consideramos a parte mais importante da ciência da taxonomia, a qual é dedicada a classificar organismos vivos. Acreditamos ser esta sua principal função. Por isso, utilizaremos o modelo taxonômico criado pelo biólogo e zoólogo, o sueco Carl Von Linné, no século 18, normalmente citado por cientistas preguiçosos apenas como Linnaeus.

Segundo seis décadas de estudos ocultos e particulares, realizados por R. Von Kohn, nunca dantes publicados, tanto os Caras-de-Pau quanto os Cômicos são subespécies do Gênero Homo.

Respeitando as relações evolutivas desses dois organismos, vamos trata-los por seus nomes vulgares para facilitar a nossa redação. Mas, antes apresentamos suas respectivas classificações taxonômicas, seguindo Linnaeus, completado por Von Kohn.

O organismo com nome vulgar “Cara-de-Pau” apresenta a seguinte taxonomia:

  • Reino: Animalia.
  • Filo: Chordata.
  • Classe: Mammalia ou “Chupalia”.
  • Ordem: Primates.
  • Família: Hominidae.
  • Gênero: Homo.
  • Espécie: Homo sapiens.
  • Subespécie: Homo sapiens espertus-canalhus.

Já o organismo com nome vulgar “Cômico”, embora com taxonomia quase idêntica, varia em Classe, Espécie e Subespécie, que passam, segundo Von Kohn, a apresentar a seguinte essência e conteúdo:

  • Classe: Mammalia, exclusivamente.
  • Espécie: Homo sapiens sapiens.
  • Subespécie: Homo sapiens sapiens alegris-alegris.

Isto decorre das (gritantes) diferenças entre seus comportamentos, sobretudo pelos objetivos que fixam na vida e pela capacidade de cada um em avaliação, inventividade, criação, crítica e humor. O Cômico diferencia-se tanto que é amado por todos os demais sapiens sapiens que vivem e compartilham o mesmo habitat preferencial (a Terra). Mas, mesmo assim, pode encontrar nas matilhas de Cara-de-Pau, seus principais predadores, ainda que estes não tenham qualquer necessidade trófica, além da fome de cifrão.

Vamos nos restringir à classificação taxonômica do Cara-de-Pau. O Cômico é citado somente para efeito da diferenciação morfológica, ecológica e comportamental entre as duas subespécies.

O Cômico Chico sapiens sapiens, a representar o político Roberval Taylor

Classificação do Cara-de-Pau, Homo sapiens espertus-canalhus

Características gerais

Usam sapato de couro envernizado e salto alto. Vestem ternos caros, smokings, sobretudos importados e até mesmo, quando for o caso, togas raras. Frequentam os melhores restaurantes, bebem bons vinhos e destilados, especialmente quando não pagam as contas. Possuem voz empostada e sonora que lhes garante aparência de firmeza e honestidade. Possuem olhar penetrante e nunca piscam em qualquer diálogo. Convencem os incautos que já trabalham na área há pelo menos três décadas e são íntimos de quem realmente decide.

Por outro lado, são frágeis e vulneráveis diante dos Cômicos, que logo apontam seus níveis de esperteza e analfabetismo histórico e cultural, bem como debocham publicamente de seus crimes contra a inteligência humana.

Distribuição geográfica

Trata-se da espécie com a maior densidade demográfica do planeta. Ocorre em todos os continentes e, salvo engano, não há qualquer tipo de ameaça à sua existência. Ao contrário dos Cômicos, praticamente extintos ou metamorfoseados, quando acham que fazem  graça ao proferirem barbaridades e palavrões.

Reprodução

Os Caras-de-Pau, por serem vivíparos, são completamente desenvolvidos ainda no ventre materno. Já nascem enganando parteiros, ginecologistas e pediatras, quiçá anestesistas, enfermeiros e auxiliares de parto. Reproduzem-se furiosamente, parecendo que têm ninhadas gigantescas ou fazem ninhos e põem milhares de ovos fertilizados. São inexplicáveis na reprodução.

Com os Cômicos o mesmo não acontece, pois o clima social e cultural do planeta é extremamente inibidor da sua reprodução. Acresça-se a esse fato a ausência quase absoluta de bons padreadores e matrizes de Cômicos. Exemplos esparsos e acidentais não bastam, não reproduzem Cômicos.

Alimentação

Esse organismo sobrevive à custa de somente dois alimentos, para ele extremamente nutritivos: mentira e dinheiro. São capazes de produzir toneladas de mentira diariamente. Parte eles ingerem e confirmam para transformar em verdades próprias. Outra parte eles trocam por cédulas em papel e não se desgastam assinando cheques ou contratos (atos de ofício). É o único organismo conhecido no planeta pela ciência capaz de realizar esta façanha alimentar.

Detalhes da ação negocial

São capazes de afirmar peremptoriamente que resolvem qualquer questão ou desavença. Dizem às suas vítimas que seu trabalho custará caro e que precisam de adiantamentos para atender às demais partes, nunca a eles próprios. Não gostam de cheques muito menos de contratos. Não assinam nada e pedem cédulas verdes na mão.

Não possuem qualquer tipo de limite ou de escrúpulo, sendo capazes de jurar sobre a Bíblia que jamais mentiram ou mentirão em suas vidas.

Referências:

  • Viver no Brasil, ler revistas e jornais, assistir a entrevistas e documentários, nacionais e internacionais. Não é necessário sequer sair de casa.