Simão-Pescador, Praia das Maçãs.
Simão-Pescador
Devo confessar cá em meu canto que, desde o fim da 2ª Guerra, passei a ter uma queda especial pela alegria do povo brasileiro. Nós, daqui de Portugal, somos um povo por demais sisudo e um tanto conservador em seculares tradições lusitanas. Penso até que, com 97 anos de idade, eu próprio mereceria o gáudio de ser uma das tradições portuguesas. No entanto, em definitivo não o sou. De facto, e de forma clara, estou às esquerdas de todas as tradições do mundo, par a par com meu mestre, Fernando Pessoa:“Tenho em mim todos os sonhos do mundo”, e hoje vejo-me a subir a colina de volta à casa, a cruzar comigo mesmo, jovem, a desce-la à cata de um início para a vida.
Desde que enviei a primeira carta a sua senhoria, tenho seguido ao porto da cidade todos os dias, mesmo sem pescados para vender. A conversar com velhos amigos, acabei na sede do concelho, onde adquiri assinaturas de periódicos brasileiros, dois jornais e uma revista. Antes de antontem recebi vários deles e danei-me a lê-los.
Antontem, com a primeira luz do sol a bater-me no rosto, conclui duas coisas: que já tinha uma breve mirada da conjuntura brasileira e que precisava fazer com urgência um cursinho para saber usar os “pequeninos computadores”, a que chamam de PC. Fiquei ansioso a me imaginar ligado ao mundo pelas redes de computadores e a aprender bastante com as ideias dos grandes pensadores da atualidade.
Assim que, rumei para Lisboa, onde tenho muitos conhecidos, e consegui receber as aulas iniciais. E vejam que linda coincidência: meu professor, chamado por Quincas, é um menino de apenas 17 anos, bisneto de Nelo, um grande amigo daqui, de Sintra. Pescamos juntos no mesmo barco durante mais de 50 anos.
O jovem Quincas é dono da empresa de que recebi as aulas práticas. Ficou tão comovido com a coincidência, que se excedeu em atenções. Olhem bem: levou-me em seu carro de volta a Sintra, deu-me um PC, instalou acesso à internet, criou uma conta de mensagens e outra numa rede social – o Feicibuque. Não permitiu que eu pagasse nada. E mais, sem que eu lhe pedisse, prometeu-me pelo menos uma visita por mês para tomarmos café juntos. Segurei lágrimas aos olhos quando nos despedimos.
Fiquei maravilhado com as novas engenhocas que ganhei de Quincas. Não necessitam de cabos elétricos entre si e conversam por satélites com o mundo. Que coisicas delicadas que falam até com satélites. Afinal, sou do tempo em que máquinas datilográficas eram uma excelente expressão do mundo moderno.
Porém, de outro lado, há cerca de três dias que mal dormia e não me alimentava. Mas, o que fazer, a ansiedade de usar esses objectos era muito maior do que o sono e a fome. “No anoitecer vou juntar amigos para assar uns peixes junto ao mar”, pensei. Tenho linguados, douradas e choupas para comemorar esta incrível ocasião: aos 97 anos, entrar na era digital!
Mas não perdi de vista o maior interesse: redescobrir o Brasil e seu povo atual. Contudo, no início das pesquisas sentia algumas dificuldades para entender os termos utilizados.
Por exemplo, “navegar na internet” pareceu-me coisa muito estranha, pois, desde criança, sempre naveguei no mar. Não entendia como seria possível navegar numa tela plana, pequena e feita com materiais plásticos.
Outra coisa curiosa na internet é chamada de real time, que obviamente traduzi por tempo real. Toda hora aparece na tela do PC um filme com a informação que diz ser realizado em tempo real. Assim, pergunto-me ao inverso, qual seria o resultado de qualquer coisa feita em tempo irreal? …
De toda sorte, o forte cansaço fez-me desligar o “pequenino computador”. Espero que, por algum descuido, não haja também desligado os satélites com quem ele conversava.
Isto posto, chamei os amigos, assamos bons peixes salgados, comemos todos eles, caímos ao mar e, por fim, às duas da madrugada segui reto para a cama. Estava exausto, mas feliz.
Somente pela manhã, já refeito das múltiplas diabruras cometidas, descobri a existência dos pesquisadores de sítios na internet. São chamados de browsers, ou seja, são navegadores. Diante disso, parei de achar estranhos os termos usados na web e resolvi ficar calado, entronizar seu vocabulário, tornar-me o mais fiel navegador a serviço da grande teia mundial.
Naveguei na internet até me encontrar com todo o povo brasileiro da atualidade. Estava lá eu, sozinho à beira do mar, na costa portuguesa, abraçando com carinho os guerreiros do Brasil que lutam contra a corrupção que corrói brutalmente o país.
Em minha opinião pessoal, de velho pescador português, os partidos que hoje alimentam o governo brasileiro têm o firme propósito de instalar uma ditadura corporativa no país. E ainda mais, planejam e pretendem dominar a América do Sul e, quiçá, toda a América Latina. São liderados por seres insanos, de cérebros pequenos e pessimamente formados em termos de educação, princípios universais de humanidade.
Devo explicar ao povo brasileiro que sobrevivi debaixo de uma cruel ditadura durante 48 anos, quase a metade de minha vida inteira. O mais longo período ditatorial da história europeia. Livrem-se deste miserável ordenamento compulsório de ideias. Isso significa a ameaça de morte de qualquer nação. Regimes totalitários no planeta têm históricos exemplos de mortes nacionais.
Hoje mesmo assisti na internet aos movimentos de centrais sindicais e de organizações que não possuem qualquer identidade formal. Sua dita Luta Nacional nada mais é do que o apoio remunerado de um perigoso governo fascista, totalmente perdido em sua história.