Millôr para a Academia Brasileira de Letras


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Millôr escreveu e publicou milhares de toneladas de textos, incríveis e infernais textos, usando uma máquina datilográfica. Um gênio pré-histórico sem igual, sobretudo por sua eterna atualidade. Data vênia, aliás, máxima vênia, respeitando a sensibilidade dos mais pudicos (que não devem prosseguir lendo), selecionamos um de seus escritos mais memoráveis, sua tese de doutorado para aplicar xingamentos no momento certo. Para vocês, segue o “FODA-SE“, autoria do maior filósofo carioca de todos os tempos.

Millôr Fernandes

“O nível de stress de uma pessoa é inversamente proporcional a quantidade de foda-se! que ela fala. Existe algo mais libertário do que o conceito do foda-se!? O foda-se! aumenta minha autoestima, me torna uma pessoa melhor. Reorganiza as coisas. Me liberta.

Não quer sair comigo? Então, foda-se!

─ Vai querer decidir essa merda sozinho(a) mesmo? Então, foda-se!

O direito ao “foda-se!” deveria estar assegurado na Constituição Federal.

Os palavrões não nasceram por acaso. São recursos extremamente válidos e criativos para prover nosso vocabulário de expressões que traduzem com a maior fidelidade nossos mais fortes e genuínos sentimentos.

É o povo fazendo sua língua. Como o Latim Vulgar, será esse Português Vulgar que vingará plenamente um dia.

Pra caralho, por exemplo. Qual expressão traduz melhor a ideia de muita quantidade do que pra caralho? Pra caralho tende ao infinito, é quase uma expressão matemática. A Via Láctea tem estrelas pra caralho, o Sol é quente pra caralho, o universo é antigo pra caralho, eu gosto de cerveja pra caralho, entende?

No gênero do Pra caralho, mas, no caso, expressando a mais absoluta negação, está o famoso Nem fodendo!

O “Não”, “não é não!” e tampouco o “nada eficaz” não têm mais nenhuma credibilidade. Não, absolutamente não o substituem. Mas o Nem fodendo é irretorquível e liquida o assunto. Te libera, com a consciência tranquila, para outras atividades de maior interesse em sua vida.

Aquele filho pentelho de 17 anos te atormenta pedindo o carro pra ir surfar no litoral? Não perca tempo nem paciência. Solte logo um definitivo: Marquinhos presta atenção, filho querido, Nem fodendo! O impertinente se manca na hora!

Por sua vez, o porra nenhuma! atendeu tão plenamente a situações onde nosso ego exigia não só a definição de uma negação, mas também o justo escárnio contra descarados blefes, que hoje é totalmente impossível imaginar que possamos viver sem ele em nosso cotidiano profissional:

Ele redigiu aquele relatório sozinho?, porra nenhuma!

O porra nenhuma, como vocês podem ver, nos provê sensações de incrível bem estar interior. É como se estivéssemos fazendo a tardia e justa denúncia pública de um canalha.

São dessa mesma gênese os clássicos aspone, chepone, repone e mais recentemente, o prepone – presidente de porra nenhuma.

Há outros palavrões igualmente clássicos. Pense na sonoridade de um Puta-que-pariu!, ou seu correlato Puta-que-o-pariu!, falado assim, cadenciadamente, sílaba por sílaba…

Diante de uma notícia irritante qualquer puta-que-o-pariu!, dito assim, te coloca outra vez em seu eixo. Seus neurônios têm o devido tempo e clima para se reorganizar e sacar a atitude que lhe permitirá dar um merecido troco ou o safar de maiores dores de cabeça.

E o que dizer de nosso famoso vai tomar no cu!?

E sua maravilhosa e reforçadora derivação vai tomar no olho do seu cu! Você já imaginou o bem que alguém faz a si próprio e aos seus quando, passado o limite do suportável, se dirige ao canalha de seu interlocutor e solta:

Chega! Vai tomar no olho do seu cu! Pronto, você retomou as rédeas de sua vida, sua autoestima. Desabotoa a camisa e sai a rua, vento batendo na face, olhar firme, cabeça erguida, um delicioso sorriso de vitória e renovado amor íntimo nos lábios.

E seria tremendamente injusto não registrar aqui a expressão de maior poder de definição do Português Vulgar: ─  Fodeu! E sua derivação mais avassaladora ainda: ─ Fodeu de vez!

Você conhece definição mais exata, pungente e arrasadora para uma situação que atingiu o grau máximo imaginável de ameaçadora complicação?

Expressão, inclusive, que uma vez proferida insere seu autor em todo um providencial contexto interior de alerta e autodefesa. Algo assim como quando você está dirigindo bêbado, sem documentos do carro e sem carteira de habilitação e ouve uma sirene de polícia atrás de você mandando você parar. O que você fala?  ─ Fodeu de vez!

6 pensamentos sobre “Millôr para a Academia Brasileira de Letras

  1. Pingback: Millôr para a Academia Brasileira de Letras – martagoulart

  2. Sensacional, abriu a minha mente, me libertou de muitos preconceitos que tinha a respeito de palavras chulas e de quem as pronunciavam, de agora em diante, todas elas vao fazer parte do meu repertorio diário, e quem achar ruim, que va tomar no cu.

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    • Concordo com você. Millôr abriu muitas mentes com uma única preocupação: dizer claramente o que sentia, sem subterfúgios. Inclusive palavrões!
      Sua genialidade ultrapassou a todas as expectativas de amigos e de leitores. Millôr! O inesquecível, caralho!

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  3. Sensacional. Pegar um monte de expressões chulas e transformar num belo texto, que pode ser lido (e entendido) por qualquer pessoa, não é fácil. Só um gênio feito o Millor consegue com tanta facilidade.

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    • Paulo, justo para guardar este texto na memória resolvemos publicá-lo. Com certeza milhares de pessoas já fizeram o mesmo. Por isso, por termos acompanhado Millôr durante boa parte de sua vida, registramos essa maravilha atualíssima!
      Forte abraço e nossos respeitos a Formiga!

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