Assim caminha o Brasil


Ricardo Kohn, Escritor.

Está-se a descer os últimos degraus do fosso profundo, após o quê abre-se a escuridão do irremediável.

Fosso Brasil

Fosso Brasil

Goste-se ou não, as leis, as relações humanas, as econômicas e tudo mais, nascem da política. Em tese, os parlamentares que redigem a legislação, logo em seguida submetem-se a ela, assim como toda a sociedade. Desse modo, quanto mais evoluída a nação, melhor será a rigorosa aplicação das leis aprovadas. Infere-se assim que o caminhar de qualquer nação, de forma indelével, é regido pela ação política.

A nação brasileira está muito bem servida de parlamentares; têm-se políticos a dominar seus três poderes. Tanto é assim que se construiu uma cidade-capital para dar boa-vida aos políticos, bem como, às suas trupes (ou corjas). Naquele Planalto Central, distante da civilização, foi criada a “Ilha da Fantasia”: além das assustadoras verbas de gabinete, nela os felizes políticos recebem mansões, potentes lanchas para passear no lago, além de carros do ano (com motorista).

Desde de abril de 1960, mesmo que aos trancos e barrancos, a “Ilha” tem sido operada por políticos. Deve-se salientar, no entanto, que por lá viveram notáveis atores da real-democracia, uns poucos deles dignos da função para a qual foram eleitos. Foi assim a partir dos anos ‘80, com o retorno de um modelo quase liberal de governo, por vezes democrático.

Após a passagem para o século XXI, amplamente comemorada pela população, em um evento patético a nação elegeu um ogro alucinado; dono de retórica carismática, com viés socialista-oportunista. Levou tempo, foi complexo, mas após quatro mandatos de seu partido, hoje o ogro xinga e vocifera contra as paredes de sua cela na prisão.

Durante cerca de 20 anos, assistiu-se a fatos não explicados: assassinatos e acidentes fatais de pessoas contrárias ao populismo oportunista do ogro. Cita-se, a exemplo, o assassinato do prefeito de Campinas, em 2001. O inquérito policial explicou que a execução se dera sem qualquer motivo identificado. No entanto, a família do defunto acreditava que fora cometido um crime político.

Segue o sequestro, seguido da tortura e execução, do prefeito de Santo André (2002), bem como a subsequente morte de sete pessoas que talvez pudessem esclarecer aquela brutalidade.

Na página dos acidentes tem-se a queda do avião que tirou a vida do ministro do STF, Teori Zavascki, ocorrido em Paraty (2017). Por sinal, na mesma região em que Ulysses Guimarães sofreu um acidente fatal (1992), com a queda do helicóptero em que viajava.

Outro acidente foi o que tirou a vida de um candidato à presidência nas eleições de 2014. Viajava em um jatinho novo, com seu primeiro voo realizado em 2011. No entanto, aquela aeronave se espatifou contra um prédio no bairro de Santos, sem sobreviventes.

Na atualidade, especula-se com a lógica: após receber a programação detalhada da ação e sofrer intenso treinamento, uma facção de assassinos comete um atentado terrorista contra o candidato Jair Bolsonaro (2018).

Há outros casos similares, onde as investigações nada concluíram. Todavia, segundo investigadores criminalistas, não há coincidências quando vários crimes são cometidos, sucessivamente. Parece que existe nos bastidores dos crimes políticos uma cabeça capaz de orientar e programar as execuções necessárias. Decerto, não é a do ogro.

Enfim, corre-se o risco de descer os últimos degraus do fosso profundo, após o quê abre-se a escuridão do desconhecido. Assim caminhará a nação brasileira se as ações policiais e da justiça não forem implacáveis.

Já se passaram 60 anos…


Ricardo Kohn, Escritor.

Morava no Rio, em Santa Teresa, mas cursava o 1º ano científico no Liceu Franco-Brasileiro, no bairro de Laranjeiras. No fim do ano de 1962, por volta da uma da tarde, peguei um bonde lotado na Estação da Carioca, no centro do Rio. Era sábado (tínhamos aulas aos sábados) e fora convidado para assistir a uma audição de piano. Uma das futuras pianistas era minha namorada; não queria me atrasar.

Lembro-me que o motorneiro já avisara estar prestes a sair da estação, a tilintar o sino do bonde. Assim, subi no estribo esquerdo do reboque, fora do caminho de cobradores.

O antigo bonde de Santa Teresa, com carro elétrico e reboque

O antigo bonde de Santa Teresa, com carro elétrico e reboque

De fato, nunca ficava no caminho deles. Perambulavam pelo estribo, a cobrar cada passageiro, com as mãos coalhadas de notas velhas e sebosas, presas entre os dedos para dar trocos.

Embora a maioria dos cobradores fosse boa gente, havia os que tentavam se roçar em jovens do estribo. Por isso, sempre viajava no lado esquerdo, mesmo quando sentava em um banco do reboque.

Logo no início da viagem, para entrar no bairro o motorneiro tinha que trafegar sobre os Arcos da Lapa. O vento na face era gostoso. Sobretudo, para os que viajavam no estribo e não sentiam receio da altura. Naquela máquina de ferros sobre trilhos, sacolejava-se sobre ruas, carros e o telhado de casarões antigos, a quase 20 metros de altura do solo.

Para os mais jovens éramos heróis dos bondes de Santa Teresa; para adultos, apenas idiotas.

O acidente

Finda a travessia do aqueduto da Lapa, estava-se em Santa Teresa, no início da rua Joaquim Murtinho. Os motorneiros giravam o manete de cobre para acelerar o comboio e subir até a Estação do Curvelo.

Naquele dia – 7 de novembro de 1962 – eu estava distraído, pendurado no estribo a brincar com uma criança risonha no colo de sua avó. Foi assim que, na primeira curva da Joaquim Murtinho, meu corpo projetou-se para fora do reboque; fiquei exposto numa via de mão dupla. Um outro bonde que descia a rua bateu em minha cabeça, arrancando-me de tudo. Caí entre os dois pares de trilhos de ferro e a luz se apagou

Três dias depois acordei sem saber em que ambiente me encontrava: deitado numa cama de hospital, com mais de 160 pontos na cabeça. Não quebrei ossos, mas aprendi que nunca fora um herói

Incidente versus Acidente


O lamentável acidente aéreo, do qual foram vítimas fatais um candidato à presidência da República e mais seis profissionais que o assessoravam, demonstra como os curiosos e, sobretudo a mídia, desinformam em seus relatos o que efetivamente ocorreu no evento. Este é o principal motivo deste artigo, na busca de esclarecer um pouco a terminologia arriscada utilizada por leigos.

Imagem da área após o acidente aéreo

Imagem da área após o acidente aéreo

Existem diversas normas de segurança – nacionais, britânicas e internacionais – que visam a formalizar e definir com devem ser conceituados incidente e acidente. O domínio desses conceitos nelas apresentados é essencial para qualquer emissor de informações.

O uso dessas duas expressões, sem o devido conhecimento da fonte da informação, pode até mesmo induzir a ações de terceiros – as chamadas “prontas-respostas” – divorciadas da realidade, consequência da não compreensão dos receptores dos informes.

Com base em metodologias existentes, com o uso apenas do bom senso, é possível explicar o real significado dessas expressões, sem o rigor formal das normas. Senão, vejamos.

Incidente é um evento de segurança em que não ocorrem perdas materiais e/ou humanas, ou seja, perda de vida, lesões e/ou de patrimônio e danos. Contudo, chama-se a atenção, deve ser interpretado como incidente todo evento que pode dar origem a um acidente ou que tinha o potencial de acarretar um acidente. Por esse motivo é tratado por muitos especialistas sendo um “quase-acidente”.

Por sua vez, acidente é um evento de segurança que resulta em morte ou dano ao patrimônio ou lesão nitidamente mais grave. Esse foi o quadro trágico da queda do jato executivo.

Obviamente, ambos são eventos não planejados que ocorrem em função de perigos e riscos associados a uma atividade, que pode ser humana ou decorrente da própria natureza, como ocorre nos violentos eventos geofísicos – terremotos, tufões e tsunamis, dentre outros.

Dessa forma, observa-se que perigos e riscos existem em decorrência do ambiente em que se realiza a atividade humana ou o evento geofísico.

Análise lógica de um leigo

No acidente aéreo considerado, o ambiente da atividade humana era formado basicamente por um jato executivo de última geração recém fabricado, um piloto e sua equipe de voo, as ações de controle de voo da torre do aeródromo de Santos, bem como a falta de visibilidade da pista, dadas as condições meteorológicas naquele momento. Ainda não existe qualquer informação mais segura sobre o ambiente de risco e perigo em que se deu o acidente. Apenas as frágeis e absurdas especulações da imprensa.

O ato de arremeter a aeronave não deve ser considerado um incidente, pois o modelo do jato acidentado possuía potência e equipamentos necessários para fazer face a essas situações. Arremeter é um procedimento normal para o Cesna Citation Excel, segundo aviadores mais experientes.

No entanto, foi bastante anormal que pessoas não capacitadas para uma perícia aeronáutica, que no Brasil é executada por profissionais normalmente formados pelo ITA [1], tenham ousado pegar nos fragmentos da aeronave, mudando as suas posições após o acidente. Há nesse ato inconsequente o risco de se alterarem evidências imprescindíveis para a análise das causas do evento.

Há que se ter muita calma e paciência para aguardar que as investigações forenses cheguem às conclusões finais. Ela é desenvolvida com tecnologia de ponta por peritos brasileiros. Seu objetivo é, através das causas descobertas, impedir que eventos dessa natureza tornem a acontecer.

Ao contrário do que muitos pensam, a investigação não é uma ordinária ação policialesca, que visa a trancafiar os culpados. Isso fica a cargo da imprensa divulgar, da forma que achar mais conveniente para a venda de publicidade.

[1] ITA – Instituto Tecnológico da Aeronáutica.