De dois séculos, às cinzas


Ricardo Kohn, Gestor do Ambiente.

Embora quase tudo já tenha sido escrito e debatido acerca do inominável incêndio do Museu Nacional, faço um breve registro sobre as causas e resultados desta infame governança da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), na qualidade de responsável pela integridade do museu, bem como de seu extraordinário patrimônio histórico: cerca de 21 milhões de itens cobiçados pela ciência.

Vista do Palácio, erguido em 1808

Palácio em que se encontrava o Museu Nacional, erguido em 1808

Às vésperas de completar 92 anos, o empresário Israel Klabin[1] disse à repórter de um jornal[2]: ─ “Este incêndio é fruto de um modelo arcaico de governança que não permite a modernização do país. Um funcionalismo que olha o Brasil de forma cartorial e funciona para si mesmo”.

O auge do incêndio

O auge da destruição

Todavia, há cerca de 20 anos, Klabin conseguiu aprovar junto ao Banco Mundial um investimento de US$ 80 milhões, com vistas a reformar e modernizar o Museu Nacional. No entanto, para liberar esta quantia, o banco solicitou que houvesse uma governança moderna, capacitada para gerir o museu.

Contudo, o investimento obtido por Klabin nunca saiu do Banco Mundial, pois a proposta foi rejeitada pelas “preciosas cabeças” da UFRJ. O motivo alegado foi a dita imposição do Banco para que uma instituição civil, sem fins lucrativos, administrasse o museu. Ou seja – na minha visão –, para manter a vida íntegra daquele gigantesco patrimônio público, o museu deveria ser retirado dos porões obscuros e ideológicos da UFRJ. Por sinal, “superatarefada” em administrar a dezena de prédios que, estranhamente, estão sob sua gestão. Aliás, oferecer cursos acadêmicos de qualidade para quê?! Melhor ser administradora de imóveis: demole, reconstrói; demole, reconstrói. A imprescindível manutenção predial, muito mais simples, pode ser esquecida.

Desde 1946, quando o museu passou a ser administrado pela Universidade do Brasil (atual UFRJ), a boa governança determinava que o prédio fosse devidamente inspecionado e, como resultado, elaborado um programa de manutenção permanente do que fora o Palácio Imperial, residência da família imperial portuguesa. Ou seja, quase sete décadas se passaram e nada de relevante foi feito. Ao contrário, pelo menos desde há 20 anos, o desleixo dos gestores tornou o prédio do Museu Nacional uma vala de gambiarras elétricas. O resultado, todos sabem.

Os destroços do Museu, após 200 anos

Os destroços do Museu, após 200 anos

Finalizo esse registro a comentar os vícios ideológicos da Reitoria da UFRJ e da Diretoria do Museu Nacional. Em todas as entrevistas que deram insinuaram que a culpa foi do governo federal, que não repassava dinheiro suficiente para manutenção do museu. No entanto, encheram o prédio do museu com laboratórios, pesquisadores e funcionários, os quais teriam espaço no próprio campus da UFRJ. Porém, para atores do apocalipse, erros e desvios cometidos sempre são culpa de terceiros, “dos inimigos“.

Nos últimos 15 anos, assisti ao absurdo aparelhamento ideológico de universidades federais do país. Competência em governança, definitivamente, não é critério de seleção.

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[1] Israel Klabin é engenheiro civil, matemático e gestor do ambiente. Em sua carreira, foi fundador do Instituto Superior de Estudos Brasileiros, onde serviu ao Estado Brasileiro como planejador do desenvolvimento regional, tendo sido coautor das diretrizes para o desenvolvimento do Nordeste brasileiro. Foi membro do Conselho de Desenvolvimento da PUC-RJ, além de membro do Conselho Superior da Sociedade Nacional de Agricultura. Dentre outras atividades, tais como Presidente do Grupo Klabin S.A. e Prefeito da Cidade do Rio de Janeiro, fez parte do Conselho Internacional da Universidade de Tel Aviv.
[2] Brazil Journal: leia o artigo “Como um plano para salvar o Museu Nacional fracassou”, assinado por Mariana Barbosa.