Por Ricardo Kohn, Escritor.
Mas, enfim, pessoas desprendidas e focadas conseguiram pastorear a vara à sua prática normal: chafurdar na lama. Afinal, conduzir suínos dessa espécie é tarefa para poucos, sobretudo de forma suave e quase amigável. Deve-se homenageá-los pelo feito histórico.
Suínos são intrinsecamente sujos, “gostam de viver em ambientes imundos [pocilgas]”, diria o homo sapiens. Daí nasceu, por associação, seu nome vulgar: “porco”. Todavia, é sabido que, em 1777, foi cientificamente classificado como “Sus domesticus”, por Erxleben [1].
Segundo pesquisas de campo realizadas por cientistas, os suínos parecem ter origem na Ásia, há cerca de 10.000 anos. Foram domesticados nas primeiras povoações fixas para servir de alimento e animal de companhia.
Para o continente norte-americano os primeiros porcos foram levados por Cristóvão Colombo, em 1494. Todos foram soltos em florestas. Seus descendentes ocuparam áreas que vão do México até a Venezuela. Daí, invadiram toda a América do Sul. Olha o risco!
Entretanto, os porcos somente chegaram ao Brasil em 1532, pelas mãos de Martim Afonso de Souza[2]. Eram de raça portuguesa, mas a criatividade brasileira miscigenou-a, a produzir uma raça nacional, chamada Canastrão. Olha o risco!
Essa raça demonstrou-se ser bastante “proveitosa”. O interesse em sua criação era tal que foram fundadas instituições para facilitar sua penetração no mercado: Clube do Canastrão, Sindicato Canastrão, Partido Canastrão e, por fim, o Foro Internacional de Canastrões.
Mas foi somente a partir de 1989 que canastrões começaram a penetrar nas cidades. Como se tornara espécie domesticada, a população não se importou, a princípio. Até porque, há quem saboreie uma costela de porco bem feita. Desde que a pocilga não esteja em seu domicílio.
Novos bandos de canastrões continuaram a invadir metrópoles, sobretudo, em 1994 e 1998. Mesmo sem fazer qualquer “seleção de matrizes”, a produção de Canastrão parecia ser um “bom negócio”. No entanto, o mercado brasileiro não comprou essa coisa. Pelo menos, salvo em casos esporádicos, durante o século 20, não houve prato de Canastrão em mesas brasileiras.
Agora, neste século, na contramão dos costumes mundiais, o governo brasileiro começou a distribuir pratos de Canastrão, à socapa. Inclusive, exporta Canastrão para continentes e países pobres, dirigidos por ditadores implacáveis. Veja bem que risco.
Após quase 12 anos do Partido Canastrão ancorado no poder, parece, porém, que a nação brasileira começa a acordar. Crê-se haver descoberto que seu Estado se tornou uma pocilga: imunda e corrupta, nas mãos de matilhas de canastrões. Todas dirigidas pelo Grande Canastrão da República, suíno populista e milionário que transmitia à população sua enorme verminose. Olha o risco!
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[1] “Sus domesticus” é a classificação taxonômica dessa espécie, dada pelo “inventor da veterinária”, o naturalista alemão Johann Christian Erxleben. Deduz-se que assim nasceram pratos da cozinha alemã, como Eisbein e Kassler, dentre muitas linguiças.
[2] Martim Afonso de Souza, descendente por linha bastarda do rei Afonso III de Portugal, 1º Donatário da Capitania de São Vicente, São Paulo, Brasil – 1533 a 1571.