Ricardo Kohn, Escritor.
Vários municípios brasileiros possuem cultura e singularidades territoriais e humanas, que destacam sua capacidade de produzir “à sua moda”, partilhando suas experiências e serem hospitaleiros. Diríamos que os estados da região sul e, especificamente, Minas Gerais, na região sudeste, apresentam municípios com estas características. Mas, nesse breve artigo optamos por falar um pouco sobre o município de Morretes e o município do Rio de Janeiro.
Vista atual do município de Morretes
Morretes está situado próximo ao litoral paranaense, junto da encosta da Serra do Mar e a cerca de 35 km do oceano Atlântico. Trata-se de uma povoação antiga que data do século XVI, quando era território dos índios Carijós. A partir de 1646, com a descoberta de jazidas de ouro, a região passou a ser ocupada por mineradores e aventureiros colonizadores, provenientes de outras regiões da colônia. Em 1721, foi fundado oficialmente o povoado de Porto dos Morretes. Em 1841 foi elevado à categoria de município.
Em 1869, Morretes teve sua denominação alterada para Nhundiaquara, mas já no ano seguinte voltou a denominar-se Morretes. Imaginem esta curiosa barafunda colonial, que talvez espelhe nossa barafunda nacional do século XXI.
Com a chegada dos trilhos de aço da Estrada de Ferro Paraná ao litoral, cujo tráfego iniciou-se em 1885 (ligando as cidades de Curitiba e Paranaguá), Morretes decaiu vertiginosamente. Seu comércio foi altamente prejudicado, parando os engenhos de erva-mate e afetando toda a estrutura socioeconômica do município. A partir de então, operou-se uma reação, com o município reconquistando sua importância no contexto do estado do Paraná.
Um dos acessos a Morretes
Hoje tem uma cidade-sede famosa pelo turismo ambiental. Mas, também possui casarões antigos conservados. Entendemos que esses fatos são uma prova da sustentabilidade de seu território: inúmeros monumentos da natureza, praticamente intocados em sua essência e função, convivendo de forma estável com atividades produtivas.
Sua economia baseia-se no turismo e em serviços a ele associados, como hotelaria, restaurantes, culinária, artesanato, lojas de antiguidades, lojas de arte, espaços culturais e esportes ao ar livre (alguns tidos como radicais).
Rio, corredeiras e montanhas em Morretes
A gastronomia sempre foi o cartão postal da cidade, principalmente pelo seu prato típico, o famoso “Barreado”. Mas, Morretes tem restaurantes para todos os gostos, que vão dos mais variados frutos do mar aos churrascos.
Além disso, é o lar da famosa “Cachaça Morretense”. Produzida até hoje em velhos alambiques e com elevada qualidade. O Município de Morretes foi o principal exportador de gengibre do país!
Dentre seus eventos destaca-se a Festa Feira Agrícola e Artesanal de Morretes, já em sua vigésima nona edição. Contou com a presença de mais de 150 mil pessoas, durante os nove dias do evento. Expositores e produtores participantes desta edição, bem como demais comerciantes locais de diversos segmentos, terminaram o período da feira com resultados saudáveis e positivos, o que os unem mais a cada ano.
Na cerimônia de encerramento foi feita a premiação dos “barraqueiros” que se destacaram. Essa é a cultura morretense de produzir partilhando alegria, qualidade e humildade. Trata-se de uma cidade estabilizada, mas relativamente pobre se comparada a muitas outras. Porém, a totalidade de seus habitantes desconhece o significado da palavra “crime”.
O Município do Rio de Janeiro teve a cidade-sede da capital brasileira até a fundação de Brasília (21 de abril de 1960[1]). Também dispõe de monumentos naturais de monta, que levam a muitos afirmar que é a cidade mais bela do mundo. Contudo, como diz o ditado “beleza não põe mesa”, apresenta graves problemas sociais e culturais que foram sendo intensificados em uma década após perder o poder de ser a capital da nação.
Vista atual da Cidade do Rio de Janeiro
Fundado como povoado pelos colonizadores, em 1º de março de 1565, com o nome de “São Sebastião do Rio de Janeiro”, no território dos índios Tupinambás, tornou-se a segunda maior metrópole brasileira, superada somente pela cidade de São Paulo.
A importância econômica de São Sebastião do Rio ficou maior com a exploração de jazidas de ouro em Minas Gerais, no século XVIII. A sua proximidade com as minas das Gerais levou a sua consolidação como cidade e proeminente centro portuário e econômico para os colonizadores. Sendo assim, em 1763, o ministro português, Marquês de Pombal, transferiu a sede da colônia, de Salvador para o Rio de Janeiro.
Vamos pular quase 200 anos de história e chegar ao Estado da Guanabara. Este foi o período mais proeminente da cidade. E o nome que consideramos relevante foi o de Carlos Frederico Werneck de Lacerda (jornalista Carlos Lacerda).
Com a transferência da capital para Brasília, candidatou-se ao governo do recém-criado Estado da Guanabara. Seu governo destacou-se pela construção de obras prioritárias, e demostraram suas habilidades de administrador, consolidando a simpatia da classe-média. Seu Secretário de Viação e Obras foi o eminente engenheiro civil e sanitarista Enaldo Cravo Peixoto. Enaldo construiu a unidade de captação e a estação de tratamento de água do Guandu, bem como o sistema de distribuição de água potável (que basicamente é o mesmo até hoje). Juntos esses sistemas resolveram um centenário problema de abastecimento. A falta de água era crônica e até inspirava marchinhas de carnaval cheias de deboche. Fez o mesmo com a coleta, tratamento e destinação de esgotos do Estado da Guanabara. Foram deitados sob o solo de sua área urbana cerca de 800 km de tubulação para água e esgotos! E sempre dizia, reclamando de sua sorte, com sotaque alagoano:
─ “Obras enterradas o cidadão não vê e por isso não geram votos; mas são necessárias e inadiáveis, tivemos que fazer…”.
Cravo Peixoto também construiu túneis importantes para o trânsito, como o Santa Bárbara e o Rebouças, ligando a Zona Norte à Zona Sul da cidade. Terminou a grande parte da construção e reurbanização do aterro do Flamengo. Removeu favelas de bairros da zona sul e Maracanã, criando o parque da Catacumba, o campus da UEG (atual UERJ), e instalando seus antigos habitantes em conjuntos habitacionais afastados como Cidade de Deus e Vila Kennedy. Construiu inúmeras escolas e manteve um alto padrão de qualidade dos hospitais públicos.
Lacerda foi um dos líderes civis do movimento militar de 1964, porém voltou-se contra ele em 1966, com a prorrogação do mandato do presidente Castelo Branco. Segundo Lacerda, a prorrogação do mandato do militar levaria à consolidação do governo revolucionário numa ditadura permanente no Brasil, o que realmente aconteceu. Confiava no sucesso do governo que realizara no Estado da Guanabara para enfrentar o candidato de oposição na disputa pelo governo federal, que era Juscelino Kubitschek.
Ainda pelo voto direto, seu sucessor no governo do estado foi o mineiro Francisco Negrão de Lima que, apesar de ser da oposição, concluiu as obras que Lacerda e Enaldo não terminaram.
A partir dessa época, o Estado da Guanabara iniciou sua longa caminhada para uma era de escuridão política. Foi integrado à Niterói e juntos passaram a constituir o Estado do Rio de Janeiro. Desde então, a Baía de Guanabara apodrece pela falta de saneamento básico, com vários pontos de lançamento de esgotos in natura em suas águas. Governadores do estado e prefeitos da cidade do Rio preferiram executar obras sem qualquer prioridade, mantendo o seus territórios cada vez mais carentes do que é básico e primário à população em qualquer cidade: educação, saúde, segurança e habitação. As favelas cresceram de forma descomunal e com elas suas demandas por serviços sociais básicos. Em suma, governadores e prefeitos desta era nefasta deixaram de cumprir as obrigações mínimas de dirigentes públicos pouco sérios.
Já há dois anos que assistimos e somos atravancados na cidade do Rio pela execução de uma série de obras públicas com o dito apoio da iniciativa privada. São obras que visam aos eventos esportivos internacionais previstos para ocorrerem em 2013, 2014 e 2016. Especificamente contemplados por estas obras estão os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016, que pretendem ser realizados exclusivamente na cidade do Rio.
Contratamos um fotógrafo especialista que jurou ser capaz de registrar o interior do buraco da fechadura de cofres públicos a dois mil metros de distância. O que dirá de quem os abre e quem recebe o dinheirinho…
Para fotografar as obras do Rio
Escrevemos este artigo (desculpem-nos o tamanho) numa tentativa de mostrar a volatilidade dos ambientes urbanos e da mentalidade de seus gestores públicos. Por isso, em certa medida, comparamos a inocência da cidade de Morretes com a falta dela mesma na cidade do Rio.
[1] “Deste Planalto Central, desta solidão em que breve se transformará em cérebro das mais altas decisões nacionais, lanço os olhos mais uma vez sobre o amanhã do meu país e antevejo esta alvorada, com uma fé inquebrantável e uma confiança sem limites no seu grande destino“. Retórica prematura, temerária e arriscada do Presidente Juscelino Kubistchek, em seu discurso na fundação de Brasília. Decerto, não tinha a menor ideia da podridão dos cérebros e das decisões pessoais e baixas dos políticos que dominam os destinos da nação.