Fomos convidados para fazer uma palestra na IIa Semana da Integração: Ensino, Pesquisa e Extensão, a ser realizada na Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri – UFVJM, Campus de Diamantina, Minas Gerais.
Assim, estaremos presentes na UFVJM nos dias 6 e 7 de junho próximo para participar deste evento, o que muito nos honra, dada a excelência de seus alunos e professores, bem como sua capacidade na formação da opinião acadêmica no Brasil.
Escolhemos um tema um tanto desafiador e iniciamos a redigir o texto básico da palestra. Segue seu primeiro draft, certamente ainda incompleto. Gostaríamos de obter opiniões e ideias para melhorá-lo.
1. Introdução
Há cerca de cinco décadas que a forma de sentir a relevância do Ambiente (Environment) na vida humana vem sendo reformulada em vários países ocidentais. Antes disso o Ambiente era tido apenas como o substrato amorfo sobre o qual o Homem construía cidades, indústrias e infraestrutura, utilizando seus próprios recursos ambientais, que são finitos: água, solos, minerais, madeira e espaços territoriais, dentre outros.
Foi a partir da década de 1950 que teve início uma pequena mudança nesta forma de visão e abordagem “destrutiva”. Mudança esta que ainda tem muito a acrescentar, pelo menos até 2050, para que, enfim, talvez seja consolidada uma Ciência do Ambiente, capaz de explicar e documentar sua dinâmica aleatória e por vezes pouco previsível. Capaz de demonstrar como devemos tratar todos os espaços, sejam primitivos ou já alterados.
Esta palestra tem por finalidade sugerir o uso intensivo das ciências disponíveis que buscam explicar o Ambiente, com seus Espaços, Segmentos e Fatores Ambientais Básicos componentes: o Ar, o Solo, a Água (Fatores físicos); a Flora, a Fauna (Fatores bióticos); e o Homem (Fator antropogênico), seguindo sua provável ordem de ocorrência no ambiente planetário.
Visa a estimular a atuação ostensiva de especialistas e acadêmicos em estudos ambientais, de tal forma que demonstrem o que é realmente “Ambiente” e propiciem comportamentos do Homem mais aderentes à Natureza, mais como um de seus fatores constituintes, e menos como seu consumidor descontrolado. De outra forma, que percebam que fazem parte do grupo de fatores ambientais que conformam todos os ecossistemas da Terra. Que ao impactá-los de maneira adversa, receberão de volta, com certeza, Retroimpactos, com pelo menos a mesma intensidade.
Assim, aos que trabalham apenas segundo os preceitos legais vigentes, que são relevantes instrumentos ordenadores, lembrem-se que estes não constituem ferramentas técnicas e científicas, tal como várias metodologias e modelos ambientais disponíveis no país. A legislação ambiental brasileira, por sinal, necessita sofrer um amplo processo de revisão e consolidação, que a torne mais clara e objetiva, que espelhe melhor os conceitos e processos científicos. A legislação vigente é controversa, nos parece confusa e em muitos casos arbitrária e inadequada. Mas, não somos advogados para propor soluções específicas nos casos que consideramos paradoxais. Porém, podemos apontar alguns deles.
2. Estudos ambientais no Brasil
O mercado de estudos ambientais brasileiro nasceu formalmente em 23 de janeiro de 1986, com a emissão da Resolução No 01/86, pelo Conama – Conselho Nacional do Meio Ambiente, ao fim da gestão do Professor Dr. Paulo Nogueira-Neto, na Secretaria Especial do Meio Ambiente – SEMA, órgão de assessoria do Executivo Federal, em parte das décadas de 1970 e 1980.
Os primeiros serviços ambientais a se tornarem obrigatórios no Brasil foram os Estudos de Impacto Ambiental (EIA), que passaram a demandar o concurso de profissionais provindos de diferenciadas áreas do conhecimento, tais como:
- Para segmentos do espaço físico: climatologia, hidrologia, hidrografia, geomorfologia, geologia, geotecnia, espeleologia, hidrogeologia, pedologia e qualidade físico-química da água.
- Para segmentos do espaço biótico: limnologia, engenharia florestal, botânica, mastofauna, avifauna, primatofauna, ictiofauna, herpetofauna, aracnofauna, entomofauna, malacofauna e anurofauna, dentre outras.
- Para segmentos do espaço antropogênico: demografia, economia, organização social, antropologia, arqueologia, infraestrutura, segurança e serviços sociais básicos, por exemplo.
Dessa forma, algumas profissões, que até então possuíam um mercado de atuação às vezes restrito, encontraram portas abertas para ingressarem no setor ambiental, através de contribuições específicas, tentando seguir o mesmo caminho trilhado pela Engenharia de Projetos, que foi sendo amadurecida no Brasil desde o início do século 20.
2.1. Estudos correntes
Após 27 anos de existência formal, o mercado de consultoria ambiental, representado pelas dezenas de milhares profissionais que nele atuam, dispõe de poucas ferramentas para a gestão ambiental de empresas e da sustentabilidade do ambiente de territórios. Basicamente, têm-se as seguintes principais ferramentas:
- Estudos de Impacto Ambiental, Relatórios de Impacto Ambiental e realização de Audiências Públicas, que se destinam ao processo de licenciamento ambiental de projetos de empreendimentos. Especificamente, à obtenção da Licença Prévia (LP) do projeto, que não dá direito a fazer qualquer obra, mas apenas novos estudos ambientais complementares.
- Auditorias Ambientais, que no Brasil não são realizadas por decisões voluntárias das empresas, mas obrigatórias em períodos anuais. De acordo com a norma vigente em alguns estados, muito embora ela defina o escopo da auditoria (sua abrangência), não estabelece seu critério, ou seja, contra que leis, melhores práticas ou planos ambientais a auditoria será efetuada.
- Implantação de “Medidas Mitigadoras”, que também se referem ao processo de licenciamento, destinadas a manter as obras em andamento, de acordo com a Licença de Instalação (LI) outorgada pela agência ambiental pública. Nota-se que a expressão “Medidas Mitigadoras” somente se refere a impactos ambientais adversos (negativos). Preferimos trata-las por Programas ou Projetos Ambientais, que também visam a diversificar ou potencializar impactos ambientais benéficos (positivos).
- Implantação de “Medidas Compensatórias”, que se referem a contrapartidas em favor da área afetada por um empreendimento, durante suas obras e sua operação. Na verdade, em tese, a pretensão da norma que as determina é a de “melhorar o Ambiente onde ele se encontre substancialmente degradado”.
- Levantamento de Passivos Ambientais, que embora sejam solicitados por agências ambientais públicas e em caso de aquisição ou fusão de empresas, ainda não possui técnicas institucionalizadas. Cada equipe de consultores realiza esses levantamentos da forma que considerar mais adequada. Há empresas de consultoria ambiental que os realizam de forma mais eficaz e o chamam de “Levantamento e Gestão do Passivo Ambiental”. Apresentam soluções para os itens de passivo identificados e técnicas específicas de como gerir suas implantações e avaliar seus resultados.
Devemos ressaltar nosso entendimento de como são utilizadas essas parcas ferramentas. Na maior parte dos estados brasileiros, senão em sua totalidade, servem mais como ameaças judiciais a investidores, consultores e órgãos públicos ambientais. Até agora os atores envolvidos nesses exercícios de poder ainda não perceberam que esses processos precisam ser meios do desenvolvimento científico e da formação de profissionais na Ciência do Ambiente (Enviromental Science) e não instrumentos de punição.
2.2. Estudos essenciais
Por outro lado, há um grande número de processos ambientais que o mercado de consultoria desenvolveu, utiliza e pratica há quase três décadas, embora não hajam sido legalmente formalizados no Brasil. São metodologias ou modelos estruturados que proporcionam maior fidedignidade aos estudos ambientais, congruentes com a aplicação das diversas ciências utilizadas pelo setor da inteligência ambiental.
Normalmente, os responsáveis pelo desenvolvimento dessas metodologias ambientais são consultores especialistas com maior experiência na realização de estudos. Contaram com a colaboração de consultores mais jovens e de acadêmicos em diversas áreas, interessados em participar do desenvolvimento técnico e científico do setor ambiental brasileiro. Parte da nossa contribuição está listada a seguir. Desenvolvemos e testamos várias vezes, em casos reais, as seguintes metodologias de trabalho, dentre outras:
- Estudos da Transformação Ambiental – ETA;
- Caracterização Ambiental de Empreendimentos – CAE;
- Programação e Gestão de Atividades de Campo – PGAC;
- Diagnósticos Ambientais Temáticos e Consolidados – DATC;
- Elaboração de Matriz de Impactos Ambientais – MIA;
- Prognósticos Ambientais Temáticos e Consolidados – PATC;
- Formulação de Cenários Ambientais Futuros – CENAF;
- Elaboração da Avaliação de Impactos Ambientais – AIA, com foco quantitativo;
- Elaboração e Gestão de Plano Corporativo Ambiental – PCA;
- Auditoria de Plano Corporativo Ambiental – APCA;
- Elaboração de Plano Executivo para Gestão Ambiental de Obras – PEXA;
- Estudos Preliminares de Viabilidade Ambiental – EPVA;
- Elaboração e Gestão de Projetos Ambientais – GPA;
- Elaboração de Plano para Gestão da Sustentabilidade Municipal – PGSM
- Análise e Gestão de Riscos e Impactos Ambientais – AGRIA.
Para institucionalizar a Função de Desempenho Ambiental em organizações produtivas têm-se alguns processos ambientais já consagrados:
- Elaboração de Códigos de Conduta Ambiental – CCA;
- Montagem e Operação de Ouvidorias Ambientais – MOA;
- Organização de Comitês de Gestão Ambiental e da Sustentabilidade – CGAS;
- Elaboração e Gestão de Procedimentos Ambientais – EGPA;
- Gestão de Licenças Ambientais – GLA;
- Elaboração de Termos de Referência – ETR.
Merece ser salientado que os modelos desses estudos e práticas, dentre muitos outros, são essenciais para municiar futuros especialistas em suas atividades de trabalho, seja na consultoria ou na Universidade. Possuem conformidade com a legislação vigente no Brasil, mas vão além dela, visando a atender às necessidades de Gestores Ambientais que atuam em empresas privadas e públicas.
3. O início da mudança de paradigma
Excetuando a Matemática, todas as demais Ciências criadas pelo Homem são democráticas por questão de coerência acadêmica. Há cerca de 10 anos soubemos do caso de um antigo cientista que se sentiu obrigado a rever tudo o que havia publicado durante 60 anos de Academia. Motivo: assistira à defesa de uma tese de doutorado, feita por um jovem doutorando, que contradizia algumas de suas posições básicas sobre a mesma matéria. Isso foi uma bela demonstração de quebra e mudança de paradigma, por força da maturidade e dos princípios do Professor mais idoso, além da competência do jovem Ph.D.
As ciências que buscam entender e explicar o comportamento dos ecossistemas precisam ser mais abertas, caso contrário, não serão beneficiadas por novas contribuições. Assim se dá sua evolução. Nesta palestra buscamos sumarizar apenas uma dentre inumeráveis contribuições que outros estudiosos já fizeram ou estão a desenvolver neste momento. Estamos tentando mudar o foco do paradigma criado por juristas e legisladores, que cultuam o Direito como se fora uma ciência isolada e superior às demais.
O Direito, por princípio e em tese, é um conjunto de artefatos ordenadores da conduta humana em sociedade, conforme textos de antigos filósofos e pensadores, como Thomas Robbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau. Direito não é uma Ciência em si, embora não deva prescindir delas para possuir uma visão lógica e mais argumentada em sua aplicação.
Contudo, depende do nível ético e moral de seus protagonistas, coisa que qualquer Ciência que se preze não deve prescindir, pois seus principais atores não esquecem dos princípios universais da moral e da ética acadêmicas, atributos essenciais aos trabalhos de um bom cientista.
4. Conclusões
- “Pesquisa, Ensino e Extensão” são indissociáveis, dado que são entidades que vivem em processo de simbiose. Por força das relações que mantém entre si, geram “filhotes multiplicadores”, que retroalimentam os ciclos da Pesquisa, enriquecendo-a com a aplicação de seus resultados efetivos.
Na área ambiental, os principais produtos multiplicadores são as ciências aplicadas em estudos ambientais, que são diversas, e o mercado potencial para esses estudos, que depende diretamente de investimentos privados e públicos, demandados pelas necessidades explícitas dos cidadãos.
Dessa forma, em nossa opinião, fica nítida a importância da criação de diplomas legais que atendam à variedade de estudos e serviços hoje inexistentes, embora sejam demandados pela garantia da qualidade e estabilidade dos ecossistemas de que o Homem depende: todos os ecossistemas do planeta.
Em outras palavras, entendemos que é hora da Academia, Grupos de Especialistas, Juristas e Legisladores darem-se as mãos para criar normas e leis que propiciem o ordenamento da conduta humana perante o Ambiente.
- No entanto, deixando bem claro que concordamos com o ordenamento da conduta humana através de diplomas legais, o Direito precisa possuir laços fundamentais de correlação direta com as formulações científicas das áreas que pretende tratar.
No direito ambiental assistimos ao enorme complexo de culpa de nossos legisladores e juristas: chamam Ambiente de “Meio Ambiente”, dado que a outra metade já foi destruída, aliás, por vezes com base na própria legislação brasileira.
Analisem, por exemplo, a nova versão do Código Florestal Brasileiro e verão graves ameaças ambientais sobre os biomas ocorrentes no território brasileiro, em função de seu texto legal.
- Infelizmente, além da carência e precariedade do formato das ferramentas de trabalho disponíveis no país, temos assistido à temível judicialização dos estudos ambientais. Promotores Públicos e Juízes, com base em “preconceitos legais”, alguns no mínimo cientificamente duvidosos, interrompem obras licenciadas, cassam licenças emitidas e ameaçam os protagonistas dos estudos brandindo os termos da Lei de Crimes Ambientais, de 1998.
Um bom exemplo de “preconceito legal” encontra-se em seu Artigo 69-A, inserido na lei original oito anos após sua promulgação, em 2006: “Elaborar ou apresentar, no licenciamento, (…), estudo, laudo, relatório ambiental total ou parcialmente falso ou enganoso, inclusive por omissão. Pena: Reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa”.
Finalizando este artigo, perguntamos aos leitores:
— O que pode significar para um jurista público um “relatório ambiental total ou parcialmente falso ou enganoso, inclusive por omissão”?!
— Como um jurista, sem formação acadêmica em qualquer Ciência que trate do Ambiente, descobre e afirma que o conteúdo de um relatório ambiental é “falso ou enganoso”?!
— Como este mesmo personagem pode julgar, condenar e apenar especialistas experientes na área ambiental, acusando-os de “omissos”?!
O texto desse artigo 69-A é negligente, insidioso e intervencionista. A própria Ciência ainda não pode afirmar com certeza o que é falso ou verdadeiro no Ambiente. Ao tratar do Ambiente, a Ciência se engana várias vezes, pelo menos a cada vez que uma nova teoria é confirmada. E, por fim, a Ciência sempre poderá omitir fatos e processos, apenas por desconhecê-los até o momento em que assina um relatório final de estudos ambientais.