Política de Cofres Arrombados


Zik-Sênior, o Ermitão.

Zik Sênior

Zik Sênior

Nasci em 1908, filho de família abastada. Assim, em abril, completei 110 anos. Mas sinto-me bem de saúde e mantenho a paz dos eremitas, sem que tenha cumprido qualquer penitência. Nunca fiz penitências; sou ateu e gosto de viver no que chamam solidão. Nela – na solidão – não tenho vizinhos que me amofinem, nem intrusos que molestem o silêncio da mata que margeia minha pequena casa; aliás, casa que construí com pedras, ripas de madeira e muita vidraça. De dentro dela, em qualquer local, aprecio a fauna silvestre que perambula pela mata, os pássaros a gorjear, o cântico das águas. Com esta ótica, descobri que a solidão não existe.

Por outro lado, desde a adolescência, consegui manter-me atualizado com a tecnologia. Tanto é assim, que possuo um notebook, acesso à internet, e o tal do “celular inteligente”. Com eles mantenho-me informado sobre os acontecimentos diários. Sentado à minha mesa de trabalho, pesquiso o que desejo em websites. Quando preciso relaxar, basta elevar o olhar e, através da vidraça, ver a dinâmica da mata à minha frente.

Esta é minha humilde casa

Esta é minha humilde casa na mata

Em minhas pesquisas matinais, busco artigos sobre economia e política. O motivo é evidente: estou aposentado e vivo da renda que obtive com meu trabalho; 76 anos de trabalho. Assim, pensava que, caso as decisões políticas de governantes fossem nefastas, minhas economias seguiriam para o lixo. Acreditava que, na minha idade, isto seria fatal. Mas estava enganado. Explico por quê.

Durante a vida assisti a decisões políticas absurdas, a que chamo de genocidas: acompanhei inúmeras guerras, inclusive duas Mundiais; como outros, sofri efeitos maléficos do cracking da Bolsa de NY; durante cerca de três décadas, vivia angustiado com a dita Guerra Fria, pois o mundo estava à beira do embate nuclear. Aqui no Brasil, na qualidade de ferrenho opositor, enfrentei a ditadura de Vargas; convivi com 25 anos de ditadura militar; afora, com os 30 anos do populismo selvagem que conseguiu idiotizar a nação.

Ao fim, em pleno século XXI, Era da Informação, o país permanece dividido entre Esquerda e Direita. O que causa perplexidade é a existência de um tal Centrão; na verdade, Corruptão, aqui em casa conhecido como “Bloco do Pagou-Levou”. É formado por ladrões de nascença, com gene da corrupção gravado no DNA.

Cofre arrombadoReclamar do quê? Sobrevivi a tudo isso. Hoje, aos 110 anos, tenho credibilidade para narrar essas “peripécias políticas”, digamos assim. A um tempo atrás, acho que estraguei meu título de eleitor. Mas esse ano darei o meu voto. Sou democrata, conservador, e acredito no livre mercado que me trouxe até aqui: lúcido, com sanidade mental. Como nunca fui corrupto, votarei para presidente num cidadão que extermine a Política de Cofres Arrombados.

Lembro-me que, certa vez, por saber minha idade, um catarinense me sugeriu: ─ “Trate bem o solo em que tu pisas; um dia ele será teu teto”. Assim espero.

O que você descobre neste blog


Os Quatro deSobre o Ambiente”.

Quando este blog foi lançado, seu foco era monitorar a corrupção pública instalada no Brasil e analisar seus impactos sobre nossa sociedade, todos por demais violentos. O fato que nos motivou inicialmente foi o primoroso escândalo do Mensalão, o qual se encontrava em fim de julgamento. Sequer imaginávamos que, a operar em segundo plano, o Petrolão já estava ativado.

Todavia, dentre nós, não havia sequer um jornalista, mas apenas estudiosos do ambiente – éramos quatro redatores, três brasileiros e um português –, todos hoje com mais de 60 anos. Competir com jornalistas em narrativas sobre corrupção parecia perda de tempo. Além do fato que são milhares deles, dispersos pelo país. Mesmo assim, seguimos em frente, pois alguém nos garantiu numa conversa de boteco: ─ “São dezenas de milhares deles, mas apenas meia dúzia presta”. Foi assim que a disputa ficou praticamente empatada: 6 a 4…

Restava-nos intitular o blog, de modo a torna-lo capaz de oferecer bons conteúdos. Após debates sobre a existência ou não dos ditos “ecossistemas humanos”, por três votos a um, decidimos nomear o site de “Sobre o Ambiente”. Isto se deve ao fato de o ambiente ser o proprietário de todos os ecossistemas terráqueos, inclusive o tal humano. A ser assim, tudo cabe nele – no ambiente –, de bons a ruins conteúdos.

Contudo, reduzimos os itens de conteúdo do blog, embora sem perder sua capacidade de informação. Para isso, identificamos três temas que podiam se relacionar e integrarem-se, quando necessário. São estes:

  • Ciências e práticas destinadas a manter o ambiente (e seus ecossistemas) estabilizado, em evolução;
  • Política, sobretudo aquela praticada por personagens com alto grau de corrupção comprovada, estejam em presídios ou soltos;
  • Filosofia naturalista, como pano de fundo, destinada a vivificar os textos produzidos.

A integração entre Filosofia, Ciência e Política se realiza através das várias naturezas literárias disponíveis. Todos devemos buscar conhece-las. Dentre elas, citamos os incríveis textos filosóficos, os poderosos artigos acadêmicos, os imprevisíveis contos, as curiosas crônicas, as provocativas sátiras, as surpreendentes parábolas e até mesmo tentativas de redigir poesia moderna.

Orquídeas no tronco

Ambiente: orquídeas no tronco e, quase invisível, uma quina de concreto.

É justamente pelo uso deste aparato da literatura que “Sobre o Ambiente” não é uma enciclopédia. Não pretende ensinar coisa alguma, embora trate da educação em suas sátiras. Está aberto para o pequeno público que o segue. Quem o desejar, pode enviar textos para nossa análise e, quem sabe, publicação. Que mais não seja, semana passada, ultrapassamos 400.000 visualizações, feitas por seguidores e visitantes do blog, provindos de todos os continentes.

Em síntese, “Sobre o Ambiente” ganhou vida própria. É um espaço destinados aos bons debates. Isto significa, ser um blog paradoxal, provocador, surpreendente, ficcional e irônico, embora sério nas inferências que publica; muitas vezes, a inverter verdades aceitas como absolutas.

Nós quatro (redatores) temos crenças particulares, as quais não declinamos: são contraditórias. Por sua vez, “Sobre o Ambiente” as integra e diz de si mesmo: ─ “Tenho a dúvida dos ateus, mas guardo-a no silêncio dos agnósticos”.

Retrospectiva de 2013


Por Simão-pescador, Praia das Maçãs.

Simão-Pescador

Simão-Pescador

De forma distinta da opinião publicada ao fim do ano passado (veja em Retrospectiva de 2012), neste ano ela atem-se apenas ao Império do Brasil. Até porque, a complexidade dos processos políticos e litígios mundiais transcende qualquer capacidade de análise, sobretudo quando se dispõe de pouco espaço para sintetizar a fartura de informações acumuladas no transcorrer de um ano.

Segue uma rápida retrospecção que registra factos peculiares da política praticada em 2013, herança do mesmo partido político no poder desde 2003: o incomparável Perda Total.

O sempre “Brasil do futuro”

Ao longo de 2013, o governo federal alardeou inúmeras vezes que continuava a construir um Brasil mais rico e igualitário, como já o fizera seu antecessor. Por óbvio, essa promessa temerária novamente não se concretizou. E teve dois bons motivos para “fazer água”:

  • O primeiro foi o erro de premissa, pois o antecessor nada fez de útil para a nação como um todo. Limitou-se a assumir condutas populistas e demagógicas, sempre centradas em sua total ignorância como gestor público máximo do Estado Brasileiro.
  • O segundo foi o facto de a Rainha permanecer entalada no mesmo atalho das políticas econômicas e sociais herdadas de seu Criador, atual Conselheiro. É sabido que através delas é impossível realizar o desenvolvimento de qualquer nação do mundo. Basta observar os casos (caos?) de Cuba e Venezuela, plenos de riqueza, igualdade social e democracia, nos quais se pautam os esdrúxulos governos do Perda Total.

Durante este ano, a nação viveu praticamente submissa a desgovernos sincronizados. O ano ainda não findou, mas já é possível falar no passado, pois nada mudará nos poucos dias que faltam para o Feliz Ano Novo.

Essa sincronia pode ser explicada por uma das alternativas: ou a total falta de competência em gerir a nação ou o estrito cumprimento das ordens emanadas pelo Conselheiro, visando a garantir o poder político eterno nas mãos do Perda Total ou então por, no mínimo, mais duas décadas [1].

Economia

Porém, considerando a evolução dos principais indicadores da economia brasileira neste ano pré-eleitoral, o Perda Total poderá ser bastante prejudicado em suas férteis ambições: déficit na balança comercial, pibinho fraco, inflação incrustrada no teto da meta, consumo de bens e serviços em retração, inadimplência em alta e tombo na produção industrial; enfim, tudo muito bem desgovernado e dotado de magnífica sincronia.

Mas restam questões objetivas: ─ Para onde o país seguirá com sua economia a despedaçar-se de forma continua? Continuará a realizar sua ‘contabilidade criativa’? E como ficará a política fiscal com a redução do teto do superávit primário? Agências de risco de crédito que lhes mordam!

Infraestrutura

Todos os itens da infraestrutura urbana e rural brasileira permaneceram abandonados desde 2003. O pouco que foi construído resultou em obras superfaturadas, instrumento para a corrupção passiva e ativa, envolvendo exércitos de executivos públicos e privados.

Em outras palavras, veículos da organização planejada e sistemática de quadrilhas de ladrões e canalhas, que enriquecem com projetos não realizados para educação, saúde, segurança, mobilidade urbana, rodovias, ferrovias, portos, aeroportos e etc.

Somente nos estertores de 2013 assiste-se a manobras eleitoreiras promovidas pela Rainha, visando a privatizar serviços públicos nunca adequados. É bastante provável que seu Criador e Conselheiro seja o decisor operacional de mais essa patranha nacional. Só resta saber quem realmente está por detrás desse Conselheiro. Tudo leva a crer de que se trata de um amigo íntimo, um eminente vigarista, que hoje talvez esteja a habitar nalgum presídio.

Política

Para fazer uma Política Nacional estável, no mínimo é necessário ter boas maneiras, ser educado e atencioso com as pessoas em geral. Mas, definitivamente, não é o caso da Rainha, pois parece ser muito grosseira e, segundo diz a imprensa, abusa do baixo calão, tanto no varejo quanto no atacado.

Como o sistema político brasileiro começou a caranguejar desde 2003, em 2013 ficou claro que o país anda para trás e se esconde assustado em tocas de areia.

Observa-se que o número de nações amigas foi bastante reduzido pela ideologia que reina no país. Somente é possível abrir os portos brasileiros para Bolívia, Venezuela e Cuba. Até mesmo o Irã, que foi muito bem recebido no governo do Conselheiro, agora está esquecido.

Os países africanos, mais próximos do Brasil por meio de financiamentos públicos – Angola, Moçambique e África do Sul –, tornaram-se propriedade negocial exclusiva do Conselheiro que, segundo o noticiário da imprensa europeia, é vendedor remunerado de obras para algumas empreiteiras.

A relações com a China são comerciais, promovidas basicamente por empresas privadas. O Brasil é, de certa forma, um Estado-colônia do Estado Chinês. Todavia, ainda não foi aventada a hipótese do Imperialismo Capitalista da China sobre o Brasil, que decerto não tarda.

O ponto culminante do isolamento do Brasil aconteceu após as denúncias de espionagem realizadas pela Agência de Segurança Nacional norte-americana. A Rainha sentiu-se pelada diante de um batalhão de sanguinários espiões americanos.

Programas sociais

Bolsa-Família, Luz para Todos, Brasil Alfabetizado e Educação de Jovens e Adultos, Universidade para Todos, Minha Casa Minha Vida e Mais Médicos [cubanos], são alguns dos programas criados e geridos pelo Perda Total nos últimos 10 anos. Decerto, alguns destes estão a ter resultado positivo para miseráveis e analfabetos. O que é um mérito a ser reconhecido.

Mas, não obstante, essa Cordilheira de Ações Sociais pode constituir um Himalaia de corrupção. Falta-lhe controles claros, padronizados e divulgação sistemática para a sociedade. Além disso, seus títulos são pura demagogia e suas justificativas encontram-se em leis que foram aprovadas por uma oligarquia parlamentar [produto do Mensalão], onde os principais beneficiários das ações não têm condição de entende-las a fundo.

Crê-se que o principal programa social para o Brasil ainda não foi sequer pensado pelos governantes do Perda Total. Trata-se de dotar os brasileiros de cultura apropriada ao empreendedorismo, extinguindo todas as burocracias inúteis que mantém o país no terceiro mundo, embora permaneça bastante maquiado.

Para ter uma ideia do que deve ser o teor deste Programa, assista pelo menos em parte ao excelente seminário, promovido pelo IFHC, com ex-alunos do ITA. Clique aqui: “A cultura empreendedora no Brasil: riscos e oportunidades”.

Cultura

Remanesce a ideia de que, nunca na história deste país, houve um conjunto de boçalidades tais, capaz de fazer com que dinheiro público se tornasse capital privado. Dinheiro público para pagar desfiles de modas em Paris. Cerca de 900 mil Euros!

Como diz um artigo publicado nesse blog em agosto deste ano (veja em “Tudo pela cultura”), “existe no Brasil uma tal de Lei Rouanet, que incentiva a ‘renúncia fiscal’ para que empresas e pessoas reduzam seus impostos a pagar, em troca de financiarem a cultura nacional. Mas, me pergunto: desfile de modas é cultura?”.

Desde quando? A sociedade não foi avisada desta visão revolucionária da ministra-sexóloga.

O que resta saber

─ Como transcorrerá o ano de 2014?

Às vezes é triste elaborar cenários, mesmo que com base em factos. Talvez o ano 2014 veja o país quase parando e a sofrer os efeitos danosos de muitos movimentos sociais e grevistas contra as políticas do governo.

Entrementes, deve-se pesar bem as consequências políticas e econômicas adversas dessas manifestações. Por sinal, sempre a recordar os resultados do histórico movimento anarquista italiano: ─ Avanti popolo, facciamo sciopero!

Tiranias fascistas muitas vezes são cunhadas e legitimadas a partir desses acontecimentos. Quem mais sofre é sempre a população desinformada sob o comando de violentos interventores.


[1] A real História Política Brasileira narra processos desastrados bem similares, ocorridos entre 1962 e 1964, que presentearam o país com posteriores “21 Anos de Chumbo”, de 1964 a 1985. Os principais irresponsáveis pela falência democrática do país foram os senhores Leonel Brizola e João Goulart, nesta ordem. Merecem palmas e louvas? De quem?…

Sobretudo, para quem gosta do Ambiente


Útil a todos que seguem Sobre o Ambiente”.

A empresa que concede espaço personalizado para nosso blog, acaba de oferecer mais uma facilidade gratuita, tanto para os responsáveis pelo site mas, sobretudo, para quem gosta de debates sobre Ciências do Ambiente, Política, Análise Crítica, Literatura e Filosofia que, afinal, são as linhas mestras de conteúdo que têm conduzido este espaço, desde maio de 2012 até agora.

Para os seguidores do blog a facilidade é simples de ser encontrada, mas complexa para ser produzida, em especial considerando os milhares ou milhões de blogs que residem em computadores desta empresa e estão disponíveis para o mundo, 24 horas por dia.

Trata-se do seguinte

Ao clicar no título de qualquer postagem do blog, o leitor encontra ao final do texto três outras postagens, relacionadas ao mesmo tema. Como já temos 908 textos postados, esta facilidade permite aos mais interessados a leitura de todos os artigos de “Sobre o Ambiente”.

A novidade para ler melhor o blog

A novidade para ler melhor o blog

Como estamos envolvidos em mais dois novos projetos editorias acadêmicos sobre Sustentabilidade do Ambiente, em breve poderemos informar a todos acerca de seu conteúdo.

Como se deu a transformação desse ambiente?

Como se deu a transformação desse ambiente?

Letelba, um homem que viveu convicto e sereno


Letelba, convicto e quase sereno.

Há décadas que desejo narrar o pouco que pude perceber acerca da personalidade de Letelba Rodrigues de Britto, ao longo de mais de 20 anos. Entretanto, sempre tive algum receio de cometer injustiças ou até mesmo dizer besteiras. Contudo, Evandro, um de seus filhos, acaba de publicar um livro intitulado “O comunista que não deixou rastro”.

Biografia de Letelba Rodrigues de Britto

Biografia de Letelba Rodrigues de Britto

Trata-se de uma biografia escrita por Evandro Rodrigues de Britto, biólogo e sanitarista com expressiva atuação em instituições públicas e privadas no Brasil. Logicamente, o texto é repleto do calor e da admiração filial, mas com farta documentação, muitos depoimentos de amigos e familiares, além da conjuntura histórica em que Letelba viveu e trabalhou.

Para uma ideia apenas inicial de quem foi Letelba, em 1929 a Typografia do Lyceu de Artes e Ofícios já editava um de seus primeiros trabalhos sob o título “Revisão Constitucional”. Era uma crítica em que ele propunha mudanças que considerava essenciais na Constituição Federal de 1891, a primeira da República. Por ser então um jovem rebelde, não manipulável pelo status quo vigente, também tido como um bom “encrenqueiro da época”, foi tratado como um perigoso ser da extrema esquerda, perseguido por décadas e ameaçado de prisão inúmeras vezes, sempre acusado de ser um comunista que fomentava a revolução vermelha.

Além de advogado dotado de notória competência, Letelba foi químico, comerciante, gestor de hotéis e fazendas, sempre obtendo bons resultados em suas atividades. Contudo, tinha a característica de ser descuidado com assuntos de dinheiro, o qual fugia ou escoava de suas mãos, não só para os filhos e os amigos, mas para os que comungavam com suas ideias e famílias carentes. Assim, creio ser mais justo chama-lo Letelba, o eterno humanista.

Durante anos de 1970 até o fim dos de 80 tive algumas oportunidades de conviver um pouco com ele e com muitos de seus amigos, inclusive seu filho Evandro. Todos passavam parte das férias e fins de semana na mesma rua de areia batida, próxima à cidade de Araruama. Formavam uma espécie de família espontânea e eu fui o irmão mais novo a ser recebido por ela, apresentado por Fernando Botafogo.  Por sua vez, Letelba, o amigo mais velho, residia semi-solitário em um antigo casarão, em terreno arborizado, de frente para a lagoa. Lembro-me da casa com espaços amplos e simples, poucos móveis, boa cozinha para trocar ideias (comer peixe frito e alface) e uma excelente biblioteca para amansar as dúvidas de ineptos.

Todos os dias Letelba levantava muito cedo; no máximo até às 6 da manhã. Logo seguia para a lagoa e nadava uns trezentos metros até uma determinada área com maior profundidade, onde descobrira haver uma lama viscosa e sem cheiro. Creio que ele acreditava que ela teria bons efeitos medicinais. Às vezes, mergulhava até o fundo da lagoa supersalgada e recolhia um pouco desse material. Então, retornava à praia e passava a lama pelo corpo. Mas, sempre guarnecido sob um grande chapéu feito de palha de arroz trançada, que adquirira de camponeses em um país do sudeste asiático. Se não me engano, a Tailândia.

Nessa época as praias da lagoa eram assim

Nessa época as praias da lagoa eram assim

Certo dia pediu a Evandro que solicitasse uma análise laboratorial da dita lama um tanto gordurosa. O laboratório encontrou fragmentos de conchas, presença elevada de cloreto de sódio, quartzo, sílica, traços de argila e de coliformes fecais; estes, dentro dos parâmetros admitidos. Ou seja, do ponto de vista medicinal a lama não podia ser considerada uma benção ao organismo humano. Ao ler os resultados da análise, Letelba não ficou triste. Se bem me lembro, ainda segurando o papel nas mãos, levantou suavemente o cenho e resmungou “─ Tudo bem, isso não vai melhorar minha pele…” e soltou uma gloriosa risada.

Dos tempos em que não o conhecia

Ao passar dos 60 anos (minha estimativa, nunca soube sua idade), Letelba optou por viver com mais privacidade. Fez sua morada definitiva no casarão da praia, isolada na borda da lagoa de Araruama. Seus poucos vizinhos eram pescadores de subsistência, que usavam artes de pesca ainda muito precárias. Letelba falava com todos, aprendia com eles e oferecia-lhes alguns auxílios.

No entanto, esses humildes pescadores várias vezes foram considerados (pelo rigor aleijado da lei brasileira de então) como “posseiros de terras públicas” e, portanto, processados em “flagrante delito”. Letelba foi perdendo a paz e a paciência, o que fez renascer nele o notório advogado que fora em outras causas. Em defesa das famílias de pescadores, enfrentou e discutiu com as forças do então “governo grileiro”. Resultado: foi várias vezes recolhido (nunca preso), interrogado e investigado pelos delegados patetas de plantão na Região dos Lagos.

─ “Senhor! Seus documentos!”…

─ Não tenho no momento, perdi todos… – sempre a falar baixo.

─ “Por acaso se recorda qual é o número de sua identidade?”…

─ Sim…

─ “Então me diga logo, pô…!”, gritava qualquer dos furiosos delegados.

Com toda a calma Letelba sempre sussurrava os primeiros seis números que lhe viessem à cabeça e decerto nunca conseguiu repeti-los. Mas, com a imposição da burocracia burra, os pelegos do governo continuavam a fazer o cadastro policial do digno cidadão:

─ “Me diga seu endereço completo!”…

─ Rua dos Enjeitados, sem número, bem ali na beira da lagoa.

Considerando a inexistência de tal rua, além do fato de a lagoa de Araruama possuir superfície de 220 km2, é razoável concluir que todos os delegados da polícia da Região dos Lagos, sem exceção, caso desejassem visita-lo em casa, enfrentariam sérias dificuldades métricas e geográficas – na casa ironicamente situada “bem ali, na beira da lagoa”

Soube desses fatos através de vários amigos comuns, que conviveram amiúde com Letelba desde aquela oportunidade. Se romanceei um pouco o ocorrido, não me arrependo, pois foi exatamente dessa forma que sempre consegui ver o sereno, convicto e leal amigo Letelba.

O que presenciei

Durante os anos 70 fui inúmeras vezes para a “casa de pescador” que Fernando Botafogo adquirira na mesma rua de Letelba. Nessa casa simples, sempre com flores nas janelas, junto com a família de Botafogo, vivi momentos inesquecíveis. Era como se a rua do “Reitor Prof. Letelba” fosse a melhor Universidade da Vida e a pequena casa do “Pró-Reitor, Prof. Botafogo”, uma de suas principais Faculdades.

Nos grandes feriados cariocas a rua ficava entulhada de amigos. Eram as reuniões da Família da Alegria. Lembro-me de Letelba, trajando seu traje de camponês e batendo nas portas para acordar os amigos. Eram 7 horas da manhã e Letelba trazia uma garrafa de vodca importada num pequeno isopor congelado. Trazia junto uma horrível taça cor-de-rosa transparente e oferecia vodca a quem abrisse a porta. Certa vez presenciei a seguinte conversa matinal com a mulher de um amigo:

─ “Bom dia, Letelba. Já está bebendo vodca a esta hora?!”…

─ Bom dia, quer um trago?…

─ “Mas que cálice estranho, comprou isso aonde?”…

─ Em lugar nenhum, peguei num “despacho de macumba”…

Quero encerrar este registro emocionado dizendo que se Letelba, o comunista, não deixou qualquer rastro para as forças da repressão, em mim, em seus familiares e em muitos de seus amigos deixou inequívocos rastros de humanidade e de crítica reflexiva.