Política de Cofres Arrombados


Zik-Sênior, o Ermitão.

Zik Sênior

Zik Sênior

Nasci em 1908, filho de família abastada. Assim, em abril, completei 110 anos. Mas sinto-me bem de saúde e mantenho a paz dos eremitas, sem que tenha cumprido qualquer penitência. Nunca fiz penitências; sou ateu e gosto de viver no que chamam solidão. Nela – na solidão – não tenho vizinhos que me amofinem, nem intrusos que molestem o silêncio da mata que margeia minha pequena casa; aliás, casa que construí com pedras, ripas de madeira e muita vidraça. De dentro dela, em qualquer local, aprecio a fauna silvestre que perambula pela mata, os pássaros a gorjear, o cântico das águas. Com esta ótica, descobri que a solidão não existe.

Por outro lado, desde a adolescência, consegui manter-me atualizado com a tecnologia. Tanto é assim, que possuo um notebook, acesso à internet, e o tal do “celular inteligente”. Com eles mantenho-me informado sobre os acontecimentos diários. Sentado à minha mesa de trabalho, pesquiso o que desejo em websites. Quando preciso relaxar, basta elevar o olhar e, através da vidraça, ver a dinâmica da mata à minha frente.

Esta é minha humilde casa

Esta é minha humilde casa na mata

Em minhas pesquisas matinais, busco artigos sobre economia e política. O motivo é evidente: estou aposentado e vivo da renda que obtive com meu trabalho; 76 anos de trabalho. Assim, pensava que, caso as decisões políticas de governantes fossem nefastas, minhas economias seguiriam para o lixo. Acreditava que, na minha idade, isto seria fatal. Mas estava enganado. Explico por quê.

Durante a vida assisti a decisões políticas absurdas, a que chamo de genocidas: acompanhei inúmeras guerras, inclusive duas Mundiais; como outros, sofri efeitos maléficos do cracking da Bolsa de NY; durante cerca de três décadas, vivia angustiado com a dita Guerra Fria, pois o mundo estava à beira do embate nuclear. Aqui no Brasil, na qualidade de ferrenho opositor, enfrentei a ditadura de Vargas; convivi com 25 anos de ditadura militar; afora, com os 30 anos do populismo selvagem que conseguiu idiotizar a nação.

Ao fim, em pleno século XXI, Era da Informação, o país permanece dividido entre Esquerda e Direita. O que causa perplexidade é a existência de um tal Centrão; na verdade, Corruptão, aqui em casa conhecido como “Bloco do Pagou-Levou”. É formado por ladrões de nascença, com gene da corrupção gravado no DNA.

Cofre arrombadoReclamar do quê? Sobrevivi a tudo isso. Hoje, aos 110 anos, tenho credibilidade para narrar essas “peripécias políticas”, digamos assim. A um tempo atrás, acho que estraguei meu título de eleitor. Mas esse ano darei o meu voto. Sou democrata, conservador, e acredito no livre mercado que me trouxe até aqui: lúcido, com sanidade mental. Como nunca fui corrupto, votarei para presidente num cidadão que extermine a Política de Cofres Arrombados.

Lembro-me que, certa vez, por saber minha idade, um catarinense me sugeriu: ─ “Trate bem o solo em que tu pisas; um dia ele será teu teto”. Assim espero.

Chama de ‘sustentável’ que vende!


Virou anarquia, tudo ganhou o apelido de ‘sustentável’. A matraca dos mercadores, visando a valorizar os produtos que põem à venda, repete de forma incessante, feito gralha estridente:

─ “Se é economicamente viável, se é justo do ponto de vista social eecologicamente correto’, então, com certeza, é sustentável”. Será que é?

Dê bom-dia a qualquer um deles e sempre receberá de volta este desorganizado cardume de palavras. São treinados para isso.

Esta ilustração é anômala perante qualquer teoria

Esta ilustração é anômala perante qualquer teoria

Apenas para fins ilustrativos ocorrem estas ‘interseções’ entre ecológico, social e econômico. No mais das vezes, como argumento falacioso para vender qualquer coisa. No entanto, certos cursos ‘compraram’ essa ilustração para revende-la como técnica factível, em especial a pessoas que não conhecem os conceitos elementares de Ecologia, Economia e Sociologia. Todavia, foi dessa forma – a tratar verossímil como sinônimo de verdadeiro – que se criou no Brasil o supermercado do ‘Sustentável’ [1].

Esses ‘negócios‘ tornaram-se uma endemia em várias metrópoles do país. São Paulo e Rio lideram as ‘ofertas’, sobretudo, no setor imobiliário. O lançamento de prédios e casas em ‘condomínios sustentáveis’ chega a ser pândego, caçoa da inteligência das pessoas.

Ao chegar, o comprador (e sua família) vê um belo terreno terraplenado, sem obras, mas com um estande sofisticado para lançamento do condomínio. As maquetes são excelentes. Para insuflar a imaginação do comprador, há um apartamento com estrutura de gesso, finamente mobiliado e decorado. Afinal, gosto não se discute.

Apartamento de gesso e aflição

Apartamento de gesso e aflição

Mas sempre falta calor humano, por melhor que esteja montada a recepção de venda. Então, entra em cena, conforme ensaiado, a elegante corretora, cheia de calorias para mostrar as ‘coisas sustentáveis’. Do condomínio El Dorado, é claro.

Cria nobres imagens de ‘responsabilidade ambiental e social’ na cabeça do comprador, dá-lhe a sensação de poder, a chance única de adquirir um ‘imóvel sustentável’, construído sob medida para sua família. Isso é perfeito para o nouveau riche. Os machos dessa espécie chegam a ter ereções quando assinam o cheque da entrada do imóvel.

Por fim, a corretora afirma que o investimento tem excelente retorno e apenas ‘de início’ parece ser mais caro. “O que isso significa?”, pensa o comprador. E, a fingir que entendeu, responde surpreendido:

É verdade senhorita, de início, só parece…”.

……….

[1] Observe que as interseções intermediárias – suportável, equitativo e viável – estão com significados desconexos. Não respondem às pretensões do ‘ilustrador’.

Retrospectiva de 2013


Por Simão-pescador, Praia das Maçãs.

Simão-Pescador

Simão-Pescador

De forma distinta da opinião publicada ao fim do ano passado (veja em Retrospectiva de 2012), neste ano ela atem-se apenas ao Império do Brasil. Até porque, a complexidade dos processos políticos e litígios mundiais transcende qualquer capacidade de análise, sobretudo quando se dispõe de pouco espaço para sintetizar a fartura de informações acumuladas no transcorrer de um ano.

Segue uma rápida retrospecção que registra factos peculiares da política praticada em 2013, herança do mesmo partido político no poder desde 2003: o incomparável Perda Total.

O sempre “Brasil do futuro”

Ao longo de 2013, o governo federal alardeou inúmeras vezes que continuava a construir um Brasil mais rico e igualitário, como já o fizera seu antecessor. Por óbvio, essa promessa temerária novamente não se concretizou. E teve dois bons motivos para “fazer água”:

  • O primeiro foi o erro de premissa, pois o antecessor nada fez de útil para a nação como um todo. Limitou-se a assumir condutas populistas e demagógicas, sempre centradas em sua total ignorância como gestor público máximo do Estado Brasileiro.
  • O segundo foi o facto de a Rainha permanecer entalada no mesmo atalho das políticas econômicas e sociais herdadas de seu Criador, atual Conselheiro. É sabido que através delas é impossível realizar o desenvolvimento de qualquer nação do mundo. Basta observar os casos (caos?) de Cuba e Venezuela, plenos de riqueza, igualdade social e democracia, nos quais se pautam os esdrúxulos governos do Perda Total.

Durante este ano, a nação viveu praticamente submissa a desgovernos sincronizados. O ano ainda não findou, mas já é possível falar no passado, pois nada mudará nos poucos dias que faltam para o Feliz Ano Novo.

Essa sincronia pode ser explicada por uma das alternativas: ou a total falta de competência em gerir a nação ou o estrito cumprimento das ordens emanadas pelo Conselheiro, visando a garantir o poder político eterno nas mãos do Perda Total ou então por, no mínimo, mais duas décadas [1].

Economia

Porém, considerando a evolução dos principais indicadores da economia brasileira neste ano pré-eleitoral, o Perda Total poderá ser bastante prejudicado em suas férteis ambições: déficit na balança comercial, pibinho fraco, inflação incrustrada no teto da meta, consumo de bens e serviços em retração, inadimplência em alta e tombo na produção industrial; enfim, tudo muito bem desgovernado e dotado de magnífica sincronia.

Mas restam questões objetivas: ─ Para onde o país seguirá com sua economia a despedaçar-se de forma continua? Continuará a realizar sua ‘contabilidade criativa’? E como ficará a política fiscal com a redução do teto do superávit primário? Agências de risco de crédito que lhes mordam!

Infraestrutura

Todos os itens da infraestrutura urbana e rural brasileira permaneceram abandonados desde 2003. O pouco que foi construído resultou em obras superfaturadas, instrumento para a corrupção passiva e ativa, envolvendo exércitos de executivos públicos e privados.

Em outras palavras, veículos da organização planejada e sistemática de quadrilhas de ladrões e canalhas, que enriquecem com projetos não realizados para educação, saúde, segurança, mobilidade urbana, rodovias, ferrovias, portos, aeroportos e etc.

Somente nos estertores de 2013 assiste-se a manobras eleitoreiras promovidas pela Rainha, visando a privatizar serviços públicos nunca adequados. É bastante provável que seu Criador e Conselheiro seja o decisor operacional de mais essa patranha nacional. Só resta saber quem realmente está por detrás desse Conselheiro. Tudo leva a crer de que se trata de um amigo íntimo, um eminente vigarista, que hoje talvez esteja a habitar nalgum presídio.

Política

Para fazer uma Política Nacional estável, no mínimo é necessário ter boas maneiras, ser educado e atencioso com as pessoas em geral. Mas, definitivamente, não é o caso da Rainha, pois parece ser muito grosseira e, segundo diz a imprensa, abusa do baixo calão, tanto no varejo quanto no atacado.

Como o sistema político brasileiro começou a caranguejar desde 2003, em 2013 ficou claro que o país anda para trás e se esconde assustado em tocas de areia.

Observa-se que o número de nações amigas foi bastante reduzido pela ideologia que reina no país. Somente é possível abrir os portos brasileiros para Bolívia, Venezuela e Cuba. Até mesmo o Irã, que foi muito bem recebido no governo do Conselheiro, agora está esquecido.

Os países africanos, mais próximos do Brasil por meio de financiamentos públicos – Angola, Moçambique e África do Sul –, tornaram-se propriedade negocial exclusiva do Conselheiro que, segundo o noticiário da imprensa europeia, é vendedor remunerado de obras para algumas empreiteiras.

A relações com a China são comerciais, promovidas basicamente por empresas privadas. O Brasil é, de certa forma, um Estado-colônia do Estado Chinês. Todavia, ainda não foi aventada a hipótese do Imperialismo Capitalista da China sobre o Brasil, que decerto não tarda.

O ponto culminante do isolamento do Brasil aconteceu após as denúncias de espionagem realizadas pela Agência de Segurança Nacional norte-americana. A Rainha sentiu-se pelada diante de um batalhão de sanguinários espiões americanos.

Programas sociais

Bolsa-Família, Luz para Todos, Brasil Alfabetizado e Educação de Jovens e Adultos, Universidade para Todos, Minha Casa Minha Vida e Mais Médicos [cubanos], são alguns dos programas criados e geridos pelo Perda Total nos últimos 10 anos. Decerto, alguns destes estão a ter resultado positivo para miseráveis e analfabetos. O que é um mérito a ser reconhecido.

Mas, não obstante, essa Cordilheira de Ações Sociais pode constituir um Himalaia de corrupção. Falta-lhe controles claros, padronizados e divulgação sistemática para a sociedade. Além disso, seus títulos são pura demagogia e suas justificativas encontram-se em leis que foram aprovadas por uma oligarquia parlamentar [produto do Mensalão], onde os principais beneficiários das ações não têm condição de entende-las a fundo.

Crê-se que o principal programa social para o Brasil ainda não foi sequer pensado pelos governantes do Perda Total. Trata-se de dotar os brasileiros de cultura apropriada ao empreendedorismo, extinguindo todas as burocracias inúteis que mantém o país no terceiro mundo, embora permaneça bastante maquiado.

Para ter uma ideia do que deve ser o teor deste Programa, assista pelo menos em parte ao excelente seminário, promovido pelo IFHC, com ex-alunos do ITA. Clique aqui: “A cultura empreendedora no Brasil: riscos e oportunidades”.

Cultura

Remanesce a ideia de que, nunca na história deste país, houve um conjunto de boçalidades tais, capaz de fazer com que dinheiro público se tornasse capital privado. Dinheiro público para pagar desfiles de modas em Paris. Cerca de 900 mil Euros!

Como diz um artigo publicado nesse blog em agosto deste ano (veja em “Tudo pela cultura”), “existe no Brasil uma tal de Lei Rouanet, que incentiva a ‘renúncia fiscal’ para que empresas e pessoas reduzam seus impostos a pagar, em troca de financiarem a cultura nacional. Mas, me pergunto: desfile de modas é cultura?”.

Desde quando? A sociedade não foi avisada desta visão revolucionária da ministra-sexóloga.

O que resta saber

─ Como transcorrerá o ano de 2014?

Às vezes é triste elaborar cenários, mesmo que com base em factos. Talvez o ano 2014 veja o país quase parando e a sofrer os efeitos danosos de muitos movimentos sociais e grevistas contra as políticas do governo.

Entrementes, deve-se pesar bem as consequências políticas e econômicas adversas dessas manifestações. Por sinal, sempre a recordar os resultados do histórico movimento anarquista italiano: ─ Avanti popolo, facciamo sciopero!

Tiranias fascistas muitas vezes são cunhadas e legitimadas a partir desses acontecimentos. Quem mais sofre é sempre a população desinformada sob o comando de violentos interventores.


[1] A real História Política Brasileira narra processos desastrados bem similares, ocorridos entre 1962 e 1964, que presentearam o país com posteriores “21 Anos de Chumbo”, de 1964 a 1985. Os principais irresponsáveis pela falência democrática do país foram os senhores Leonel Brizola e João Goulart, nesta ordem. Merecem palmas e louvas? De quem?…

A realidade do Ambiente limitando a Economia


A realidade do Ambiente limitando a Economia

Há economistas que precisam ser lembrados e celebrados pelo fato de que não pensam apenas nos aspectos monetários e financeiros do “progresso econômico” das nações. Aliás, somente tratam desse tema através da visão do Ambiente em que é pretendido desenvolver a Economia. Segue um excelente e histórico artigo de André Lara Rezende. Infelizmente não temos a data exata de sua publicação, mas pelo início texto, tudo indica que foi entre fins de 2011 e início de 2012.

Os novos limites do possível
Por André Lara Resende | Jornal Valor Econômico.

A crise financeira mundial já vai completar quatro anos, mas ainda não dá sinais de que esteja por se esgotar. Pelo contrário, parece não haver economia no mundo, das mais pobres às mais avançadas, que esteja imune ao seu agravamento. O paralelo com a Grande Depressão do século XX é cada vez mais frequente entre os analistas. Acreditava-se que o antídoto para crises destas proporções havia sido descoberto, mas no mundo de hoje existem novas restrições que podem inviabilizar as saídas conhecidas.

A analogia assusta, não apenas pela duração e pela profundidade da Depressão, mas, sobretudo, pelas consequências. A crise de 30 encerrou um período de internacionalização e de prosperidade mundial. Exacerbou o nacionalismo, o protecionismo e a xenofobia que levou ao fascismo, ao nacional-socialismo nazista e, finalmente, às tensões que desembocaram na Segunda Grande Mundial.

No início dos anos 30, com o fim da Primeira Guerra, a exaustão de um longo ciclo de prosperidade deixou um legado de endividamento público e privado de difícil digestão. Como nos anos 30, temos hoje o esgotamento do padrão monetário estabelecido e uma potência hegemônica em crise, prestes a ser superada por uma nova estrela econômica e militar.

Neste início do século XXI, a insistência na saída keynesiana da retomada do crescimento pode ser uma ortodoxia anacrônica

Ainda nos anos 30, John Maynard Keynes estabeleceu as bases conceituais de um fecundo debate sobre as causas, as consequências e as políticas necessárias para evitar a repetição de uma experiência tão traumática. Mais surpreendente ainda do que as semelhanças objetivas é constatar que o debate hoje continua pautado pela mesma polarização dos anos 30: de um lado, o fiscalismo e a ortodoxia monetária; do outro, a defesa da retomada do crescimento, através dos gastos públicos e de novos estímulos ao consumo.

Cegos guiando Cegos, de Pieter Buregel, 1568.

“Mais surpreendente ainda do que as semelhanças objetivas é constatar que o debate hoje continua pautado pela mesma polarização dos anos 30: de um lado, o fiscalismo e a ortodoxia monetária; do outro, a defesa da retomada do crescimento, através dos gastos públicos e de novos estímulos ao consumo.”

Em “Lords of Finance“, publicado em 2009, Liaquat Ahamed retoma as circunstâncias, os personagens e as ideias do tumultuado período entre as duas Grandes Guerras do século XX. A partir de cuidadoso trabalho de pesquisa, com acesso aos arquivos privados de quatro personagens cruciais, os presidentes dos Bancos Centrais da Inglaterra, dos Estados Unidos, da França e da Alemanha, Ahamed mantém o leitor fascinado com o desenrolar de uma crise que pautou o século XX dali em diante. Não há como escapar à sensação de calafrios com as similaridades deste início de século.

Recomendo enfaticamente o livro de Ahamed, mas, apesar das semelhanças, o mundo de hoje é outro. Para compreender, avaliar alternativas e traçar políticas, a história é fundamental, mas não se pode desconsiderar a especificidade das circunstâncias. Tenho a impressão de que, nas condições de hoje, o remédio keynesiano deixou de fazer sentido.

Sabemos que esta crise é decorrente do estouro da bolha de preços de ativos, principalmente dos imóveis, provocada pelo excesso de endividamento. Bolhas são altas de preços induzidas pela disponibilidade de crédito. A partir de certo ponto, perdem relação com os fundamentos e passam a ser alimentadas exclusivamente pela expectativa de renovada alta dos preços. Embora devesse ser evidente que são insustentáveis, nunca faltam explicações para por que desta vez é diferente. Bolhas são boas enquanto duram. Todos ganham, até o choque com a realidade. Os fundamentos da psicologia de manada, que levam os mercados a se afastarem da racionalidade, são bem conhecidos, mas sistematicamente esquecidos a cada nova bolha. Não é difícil compreender a dificuldade enfrentada pelos que se aventuram a questioná-las. Nada mais aborrecido do que profetas do apocalipse a proclamar que o fim do mundo está próximo, enquanto todos ganham.

Em plena crise, logo após o estouro da bolha, um “cartoon” americano dizia: “País viciado em bolhas busca desesperadamente uma nova bolha para investir”. Cômico, porque profundamente verdadeiro. As economias modernas, desde a Revolução Industrial, estão organizadas para crescer e produzir mais. Quando não crescem é por que algo está errado. Para que a produção cresça é preciso que a demanda também cresça. A insuficiência de demanda, o risco de que a falta de demanda interrompa o crescimento é a ameaça subjacente, sempre presente nas modernas economias de mercado.

A alavancagem excessiva, o abuso do crédito, é provavelmente a forma mais evidente de turbinar a demanda. Quase todas as políticas teoricamente questionáveis, mas que resistem, no tempo e em toda parte, ao ataque da racionalidade, podem ser entendidas como tentativas veladas de estimular a demanda. O viés mercantilista exportador, a defesa tarifária do mercado interno, subsídios às exportações, também são exemplos de sustentação artificial da demanda.

Ao demonstrar que o gasto público, mesmo quando contratado para abrir e fechar buracos, serviria como motor de arranque para a economia devastada pela recessão, o talento de Keynes encontrou a fórmula para a retomada do crescimento. O gasto público como forma de sustentar a demanda foi a peça-chave da macroeconomia keynesiana, quase hegemônica, desde o fim da Segunda Guerra Mundial, até o fim dos anos 60. Infelizmente, serviu também para justificar a insaciável vontade de gastar dos governos, ainda que nos momentos mais inoportunos. Nos Estados Unidos, os limites da sustentação artificial da demanda através do gasto público apareceram com o surto inflacionário do início dos anos 70. Nos países menos afeitos à disciplina fiscal, como os da América Latina, mais propensos a juntar a fome (da demagogia) com a vontade de comer (do keynesianismo), as consequências inflacionárias surgiram mais cedo, desde meados dos anos 50.

Como não nos preparamos para uma economia estacionária, seremos obrigados a enfrentar uma parada traumática

O contraponto teórico ao keynesianismo simplório do pós-guerra surgiu do debate acadêmico suscitado pela ameaça da inflação, nos anos 70 e 80. A chamada síntese da Curva de Phillips Expandida, em que o efeito das expectativas de inflação foi incorporado, demonstrava os limites dos gastos públicos como estimuladores da demanda e indutores do crescimento e do emprego. Além da lição keynesiana, do estímulo à demanda para sustentar o crescimento, a formulação de políticas macroeconômicas incorporou a lição monetarista, o uso da taxa de juros para conter os excessos inflacionários. O resultado foi tão positivo que levou à impressão de que nada mais havia a ser entendido em termos de macroeconomia. Tinha-se chegado à síntese teórica que abrira o caminho para a “Grande Moderação”, uma nova era, sem recessão nem inflação. Nada mais havia a ser compreendido em termos de condução macroeconômica. Até mesmo o estudo da macroeconomia chegou a ser considerado ultrapassado.

Em grandes linhas, a crise de 2008 está agora em sua quarta fase. Primeiro, houve o estouro da bolha de preços dos ativos, principalmente, mas não exclusivamente, dos imóveis. Na segunda fase, a mais aguda, o sistema financeiro quebrou. Na terceira fase, para evitar o colapso do sistema financeiro, os governos intervieram e assumiram grande parte das dívidas privadas. Agora, na quarta fase, depois de assumir o excesso de dívida privada, os governos estão eles próprios excessivamente endividados.

Até a terceira fase, o processo foi mais ou menos equivalente em todas as economias avançadas. A maneira como as dívidas privadas foram transferidas para o setor público foi, entretanto, diferente nos Estados Unidos e na União Europeia. Enquanto nos Estados Unidos parte significativa das dívidas privadas passou para o Federal Reserve (Fed), na Europa, a ortodoxia do Banco Central (BCE) exigiu que a dívida privada fosse assumida diretamente pelos governos. O trauma da Alemanha, com a hiperinflação pela qual passou nos anos 30, engessou o mandato do BCE, até hoje sem autorização para inchar seu ativo com o excesso de dívida privada. Já o Fed, dirigido por um macroeconomista estudioso dos anos 30, foi agressivo na sua disposição de assumir as dívidas privadas problemáticas.

Há efetivamente uma diferença filosófica, mas a reação audaciosa do Fed seria muito mais perigosa, não fossem os Estados Unidos os emissores da moeda-reserva mundial. A transferência de dívidas privadas diretamente para o governo eleva a dívida pública. Se parte dessa transferência pode ser feita para o balanço do Banco Central, há uma monetização sem contrapartida imediata na dívida pública. A dívida privada que vai para o balanço do Banco Central é monetizada. O espaço para monetizar dívidas, sem pressões inflacionárias imediatas, é muito maior para o emissor da moeda-reserva mundial.

As implicações, como era de se esperar, foram distintas. Nos Estados Unidos, a dívida pública aumentou, mas, por enquanto, a grande preocupação é com o risco de que o excesso de emissão de moeda possa vir a provocar a perda de confiança no dólar. Enquanto a economia americana continuar com excesso de capacidade, a inflação não deverá reaparecer. O risco de uma brusca desvalorização do dólar, pela perda de confiança internacional, poderia ser grande, não fosse a absoluta falta de alternativas. Ao menos a curto prazo, não há substituto à vista. O principal candidato, o euro, sofre as consequências da inoportuna ortodoxia do Banco Central Europeu.

O período de transição será longo, duro e conturbado. A reorganização da economia será compulsória e profunda

Em princípio, o fato de o BCE estar impedido de monetizar parte da dívida privada transferida para o setor público deveria fortalecer o euro. O resultado, entretanto, foi o inverso. A ortodoxia do BCE levou o endividamento público em vários países a níveis percebidos como insustentáveis. É verdade que nos periféricos, principalmente Grécia e Portugal, a situação já era insustentável. A crise só explicitou o problema. O endividamento público dos países europeus, agora até mesmo nos países centrais – como a Itália e a França – atingiu níveis em que seu financiamento se torna problemático.

Por enquanto, a União Europeia como um todo continua com um nível tolerável de dívida consolidada. A solução, um orçamento fiscal europeu, supranacional, encontra forte resistência política, principalmente por parte da Alemanha. A consolidação fiscal, através da criação de uma federação europeia, deveria ter acompanhado, desde o início, a união monetária. Foram justamente as resistências a essa consolidação fiscal que levaram à decisão precipitada de adotar a moeda única, na esperança de que seu sucesso criasse as condições políticas para viabilizá-la. Hoje, até mesmo a união monetária está em xeque.

Enquanto a Europa corre risco de desintegrar-se, a economia americana, apesar de alguns recentes sinais positivos, continua praticamente estagnada. Uma recessão de grandes proporções, equivalente à dos anos 30, foi evitada, mas o crescimento não voltou e o desemprego continua alto. Apesar da agressiva monetização do Fed, a dívida pública também se aproxima do limite tolerável. De todo modo, nos Estados Unidos a atuação do Fed permitiu que se ganhasse tempo. O tempo sempre foi um precioso aliado em economia.

Só existem três formas de eliminar o excesso de endividamento. A primeira é uma recessão suficientemente profunda para quebrar devedores e credores e zerar a pedra. Foi o que ocorreu nos 30. Os custos, como aprendemos, são inaceitáveis. A segunda é a monetização das dívidas. Ganha-se tempo, enquanto a inflação reduz o valor real das dívidas, mas há risco de perda de controle. Como no caso da Alemanha dos anos 30, o resultado pode ser uma hiperinflação, ainda mais devastadora do que a pior das recessões. A terceira é a retomada do crescimento.

Como depressão e inflação têm custos inaceitáveis, só a retomada do crescimento é solução, pois reduz o tamanho relativo das dívidas. O crescimento é o único remédio, mas, diante do endividamento excessivo, como ensinou Keynes, sua retomada depende do estímulo artificial à demanda, via aumento do gasto e do endividamento públicos. Nada mais revelador do círculo vicioso de nossa condição do que a imagem do viciado em busca de uma nova bolha para investir.

É bem possível que hoje, 80 anos depois, o remédio keynesiano não possa mais ser aplicado. Neste início de século XXI, a insistência na saída keynesiana da retomada do crescimento pode ser uma ortodoxia anacrônica, assim como era a defesa do padrão ouro no início do século XX.

Para compreender por quê “The Great Disruption“, livro de Paul Gilding, que acaba de ser publicado, é leitura obrigatória. Gilding é hoje professor do Programa para a Sustentabilidade da Universidade de Cambridge, na Inglaterra. Tem um longo histórico, a vida toda dedicada ao tema. Foi chefe do Greenpeace Internacional, empresário de sucesso e consultor, tanto de pequenas comunidades, como de grandes empresas internacionais. Seu ponto de partida é o fato de que já passamos dos limites físicos do planeta.

Peço uma trégua na impaciência dos que são imediatamente tomados de um misto de tédio e irritação ao pressentir a possibilidade de se defrontarem com mais uma catilinária sobre a defesa do ambiente. Certo, ouço-os dizer, estamos convictos da importância da questão ecológica, mas, diante de uma crise que ameaça transformar-se numa depressão mundial, não é hora de falar de sustentabilidade. Grave engano. Se o remédio do crescimento não estiver mais disponível, é imperativo abrir novos horizontes.

Gilding argumenta que passamos do limite físico do planeta. As evidências são hoje um consenso na comunidade científica. Apesar da vida de ativista, Gilding é a antítese do radical rancoroso. Seu livro faz a melhor exposição organizada, inteligente e ponderada, da evolução das pesquisas, da consciência ecológica e do estágio a que chegamos. Qualidades que em nada aliviam o impacto depressivo do tema. Gilding é, contudo, surpreendentemente otimista na capacidade de adaptação e de superação da humanidade. Não antes de enfrentar uma crise sem precedentes.

Em 2005, num seminário para empresários e executivos na Universidade de Cambridge, Gilding fez uma tentativa de descrever como seria essa crise. Argumentou que os limites ecológicos terão, antes de mais nada, um impacto profundamente desorganizador na economia. A reação e o grau de engajamento da plateia na discussão foi completamente diferente. Enquanto o argumento é sobre a arrogância humana, seu desrespeito pela natureza, a destruição do sistema ecológico e até mesmo o possível fim da humanidade como a conhecemos, a plateia comove-se, mas vai para casa sem que nada mude. Deprimente, distante e aparentemente não há nada que se possa fazer. Melhor esquecer. Mas se, antes de desaparecermos todos, ou quase todos, da face da Terra, tivermos que enfrentar décadas de uma crise econômica de grandes proporções, aí a coisa muda. A ameaça torna-se concreta.

A tese de Gilding é de que a economia mundial será obrigada a parar de crescer. Como não houve uma transição antecipada, como não nos preparamos para uma economia estacionária, seremos obrigados a enfrentar uma parada brusca, profundamente traumática. O momento da tomada de consciência do fim do crescimento e da necessidade de uma profunda reorganização da economia não está longe. Questão de, no máximo, mais uma década. Como é sempre o caso com previsões, é mais fácil acertar a direção do que o momento no tempo. Gilding tem consciência disso e não pretende ser preciso no “timing“.

Gilding passou a trabalhar em simulações dessa parada brusca da economia mundial com um colega da Universidade de Cambridge. Jorgen Randers fazia seu doutorado no Massachusetts Institute of Technology (MIT), no início dos anos 70, quando participou do trabalho pioneiro, “The Limits to Growth“, estudo encomendado por um grupo de notáveis, reunidos no chamado Clube de Roma. O relatório foi duramente criticado. À época, dois brasileiros, membros do Clube de Roma, Hélio Jaguaribe e Israel Klabin, chamaram minha atenção para o relatório. Como estudante de economia, considerei-o trabalho típico de engenheiros, em que faltavam preços. Sem preços, qualquer simulação de longo prazo é explosiva. É o sistema de preços que age como sinalizador das decisões e influencia as opções de tecnologias, de investimentos, de oferta e de demanda, para garantir o equilíbrio sistêmico.

Uma avaliação, feita em 2008 por Graham Turner, “A Comparison of The Limits to Growth with Thirty Years of Reality“, mostra que as conclusões do relatório foram impressionantemente precisas, tanto em termos conceituais como quantitativos. A supressão dos preços não fez diferença, pois o uso do ecossistema não é precificável sem o arcabouço institucional adequado. Trata-se de mais um caso de “falha de mercados”. Apenas mais dramático. O caso dos “bens públicos” – bens para os quais não há custo para o consumo individual, mas há um custo coletivo – é o exemplo clássico da falha de mercados.

Diante da falha do sistema de preços e da incapacidade de tomarmos medidas preventivas, chegamos ao limite sistêmico. As múltiplas dimensões desse limite estão todas interligadas. Ao romper-se uma delas, o processo se acelera e aumenta a probabilidade de que outras também venham a ser rompidas. Atingimos o limite físico do planeta. Para evitar uma catástrofe de grandes proporções, seremos obrigados a tomar medidas de emergência, extremamente duras, como o estabelecimento de cotas. Quando falha o sistema de preços, alguma forma de racionamento se torna imperativa. Seremos obrigados a reconhecer o que, apesar das evidências, nos recusamos a ver: não há como viabilizar sete bilhões de pessoas, com o padrão de consumo e as aspirações do mundo contemporâneo, nos limites físicos da Terra.

O período de transição será longo, duro e conturbado. A reorganização da economia será compulsória e profunda. Indústrias inteiras vão desaparecer. As de carvão, petróleo e gás, muito antes do fim das reservas conhecidas, serão as primeiras. A Idade da Pedra também não acabou por falta de pedras.

O otimismo de Gilding é quanto ao resultado final desse processo. O fim do autoengano, o reconhecimento dos limites do possível, provocará extraordinárias inovações tecnológicas. Uma nova referência do que significa melhorar de vida viabilizará, permanentemente, um número muito superior de pessoas na Terra. Uma população 40 vezes superior à de todos os tempos, até o início da Revolução Industrial, só será possível, entretanto, com o fim do crescimento econômico como o conhecemos. O crescimento baseado na expansão do consumo de bens materiais está no seu capítulo final.

É difícil contestar a lógica e as evidências. Pode-se discutir o “timing“, mas não há mais como pretender que a economia mundial poderá continuar a crescer. Sem crescimento, como vimos, não há como digerir o excesso de endividamento que hoje paralisa as economias dos países mais avançados. O crescimento das economias periféricas, liderado pela China, é a esperança de que o excesso de endividamento das economias centrais possa ser digerido, mas o crescimento recente da China tem todas as características de mais uma bolha. A eventual parada súbita da economia chinesa seria a pá de cal na esperança de uma saída harmoniosa para o impasse em que a economia mundial se encontra.

A crise de 2008, que insiste em não terminar, pode não ser apenas mais uma crise cíclica das economias modernas, sempre ameaçadas pela insuficiência de demanda. É possível que o prazo de validade do remédio keynesiano tenha se esgotado. Não há mais como contar com o crescimento da demanda de bens materiais para crescer. O crescimento pode não ser mais a opção de saída para a crise.

Em momento nenhum, entretanto, essa possibilidade é examinada no desenho das alternativas. O limite físico do ecossistema pode ter sido atingido, ou estar muito próximo, mas o mecanismo psicológico de autoengano, de negação dos fatos, segue inabalável. O otimismo de Gilding quanto ao longo prazo é reconfortante, mas o fim do crescimento exige uma nova abordagem para a superação de uma crise que, tudo indica, será longa. Infelizmente, não há ainda nem sinal de que esta nova abordagem esteja em gestação.

André Lara Resende é economista.