Fomos convidados para analisar uma fazenda situada no município de Rio Preto, em Minas Gerais – Fazenda Água Comprida. Com cerca de 100 hectares, ela fica quase no meio da bacia leiteira de Minas, e seu proprietário (Wilson) deseja realizar uma estratégia para seu uso. Significa dizer que ele sabe como quer organizar suas terras em termos de seu aproveitamento ambiental.
Basicamente, sua ideia é ampliar as manchas da Mata Atlântica existente (40% da área total), plantar pequenos pastos para alguns equinos e bovinos, ampliar a casa da fazenda, reformar a casa dos caseiros – Lauro e Vânia – plantar uma horta com muitos canteiros, fazer trilhas cobertas com pedra ou brita e melhorar as margens do açude. Decerto haverá outras coisas a manejar, mas ainda as desconhecemos.
Vista interna da fazenda e sua provável profundidade
De início, a intenção de Wilson era a de criar gado leiteiro. Mas, no momento, o produtor de leite em pequena escala não consegue obter retorno sequer para cobrir seus próprios custos de produção – naquela região o preço do litro de leite está a valer, em média, R$ 0,90. E, para nossa surpresa, sua proposta de vida é mudar-se do Rio e ir morar definitivamente na fazenda. Parece estar decidido a monitorar a evolução das terras, pessoal e diariamente!
Em nosso grupo de visitantes havia um Gestor Ambiental (Ricardo), um Engenheiro Florestal (Itamar), um Geógrafo Junior (Raphael) e uma trainee em Engenharia Florestal (Elisa). Sem dúvida, ficamos felizes pelo desafio de sermos convidados para propor um projeto que garanta a sustentabilidade do ambiente da “Água Comprida“.
Aproveitando as duas grandes áreas de Floresta Estacional Semi-decidual, Wilson (e seus filhos, André e Júlia) deseja recriá-la com feição similar à sua expressão primitiva, de forma a garantir usos compatíveis para a família, os amigos e, no futuro, quem sabe, pessoas que gostem de ar puro, águas claras e ambiente campestre.
A visita matutina
Ainda pela manhã iniciamos a visita pelas bordas da fazenda, junto à estrada de terra batida que lhe dá acesso. De início, há um morro coberto por Mata Atlântica na sua vertente a oeste e quase sem vegetação, na vertente a leste.
Vertente a leste do morro, quase sem vegetação
Logo depois, além de uma via vicinal (picada de terra), há outro morro um pouco menor, todo recoberto pela vegetação estacional. Descemos dos carros e Wilson nos mostrou os primeiros limites de suas terras. No entanto, na base deste segundo morro chamou-nos a atenção a densidade da vegetação arbustiva, com predominância de pés de samambaiaçu.
Nesta hora, Itamar fazia anotações em sua caderneta acerca da qualidade do solo sob as samambaias: “Solo ácido que precisa ser tratado com calagem e adubação. Mas, não sem antes retirar os espécimes invasores e conter sua rebrota”. Por fim, pensou em voz alta: ─ “Novas mudas de espécies típicas da Mata Atlântica podem ser aplicadas ali, mas só depois de corrigirmos esse solo”.
Retornamos para a estrada de terra batida rumo à porteira de entrada da fazenda. Tornamos a estacionar para termos a primeira ideia de suas visíveis dimensões. Sabíamos que estávamos em seu interior, porém não compreendemos muito bem em que ponto ela findava, mesmo com as explicações gentis e detalhadas feitas por Wilson.
Vista da casa, do açude e da profundidade do terreno
Há três nascentes nas terras da fazenda e a maior delas alimenta o açude. Mas o que também verificamos foi uma grande quantidade de eucaliptos, plantados em épocas distintas. Wilson nos informou que há pelo menos 30 mil pés de eucalipto, distribuídos em várias áreas da fazenda. Ele os usa apenas para alimentar fogões a lenha. Observamos que deverá dar outros usos para esta madeira e lembramos-lhe uma possibilidade que julgamos interessante:
─ “Wilson, certamente a venda da madeira proveniente do corte dos eucaliptos poderá ser revertida em benefícios expressivos para a infraestrutura da fazenda e o pagamento da mão-de-obra necessária”.
Mancha de eucalipto e Mata Atlântica ao fundo
Durante o delicioso almoço, feito por Dona Vânia no fogão a lenha, conversamos sobre como elaborar um “modelo digital do terreno”, georreferenciado e planialtimétrico, a partir de imagens orbitais. Nele será possível lançar e individualizar todas as manchas de vegetação existentes (primevas e introduzidas), as nascentes e corpos d’água, as áreas com solo exposto, os caminhos de serviços da fazenda e as construções, incluindo o açude.
Trata-se de uma espécie de diagnóstico mapeado da fazenda, que permite ser atualizado na medida em que o projeto de Wilson for executado passo-a-passo. Os resultados que essa tecnologia oferece são sucessivos mapas do terreno da fazenda, demonstrando sua evolução, desde o cenário hoje existente, até o esperado pela família.
A propósito, têm-se hoje vários satélites com alta resolução de imagens, favorecendo à planificação e à correção de ações sobre qualquer terreno. Possuem elevada precisão métrica.
A rápida visita vespertina
Durante parte da tarde seguimos subindo por uma trilha usada pelo gado. Wilson nos mostrou o local em que existe uma pequena queda d’água, com cerca de dois metros de altura, consequência da segunda nascente. No total silêncio da fazenda era possível ouvir o rumor das águas, mesmo estando a cerca de 800 metros de distância. A verdadeira poesia da natureza.
Na linha de drenagem, entre as elevações, há uma queda d’água
Saímos da Fazenda Água Comprida por volta das três da tarde. Itamar, Raphael e Elisa seguiram diretos para “Prados de Minas”. Wilson levou Júlia, sua filha, até a porta de casa, em Itaipava. Em seguida, descemos para o Rio e, quase às sete da noite, deixou-me em casa felizardo.
Algumas considerações
Pode parecer que esse texto lembre um relatório de viagem de campo: algo técnico e objetivo. Porém, na verdade, constitui a emoção de nossa equipe de visitantes; não pela propriedade que nos foi dado o direito de conhecer e até opinar sobre seu futuro, mas, sobretudo, pelas largas experiências inesperadas em apenas um dia. Não temos dúvida que, por acaso e necessidade, conseguimos fazer parte e, ao mesmo tempo, organizar um belo grupo de humanistas.
Assim, rogamos à nossa materialidade para que tenhamos muito tempo de repetir várias vezes esse grande encontro e refazê-lo sempre maior.
Porém, além disso, todos somos extremamente gratos ao amigo Pedro Celestino por nos propiciar esse encontro!