Área de Influência para Estudos Ambientais


Por Ricardo Kohn, Consultor em Gestão.

─ Trata-se de uma questão jurídica, didática ou técnica?

Respondemos que nasceu jurídica, depois ficou apenas didática e, para alguns especialistas em gestão do ambiente, mais tarde tornou-se instrumento de suporte técnico. Tentamos explicar como se sucederam essas etapas.

De natureza jurídica

Na década de 1980 o Poder Público Federal ampliou seus investimentos na geração de energia elétrica, enfatizando a fonte hídrica, de acordo com as experiências pregressas das usinas de Tucuruí e de Itaipu, com obras iniciadas em 1974 e 1975, respectivamente[1]. No entanto, faltava capital para investimentos diretos do Estado. Assim, teve que recorrer a bancos internacionais de desenvolvimento para financiar a construção de novas usinas, sobretudo na Região Amazônica, onde a plêiade de impactos ambientais “negativos” causada por esses projetos é assustadora.

Conseguiu obter financiamentos externos, principalmente do Banco Mundial e do BID, muito embora tivesse que responder a condicionantes contratuais. Dentre elas, a elaboração de Environmental Impact Assessment (Avaliação de Impactos Ambientais) para cada projeto de engenharia que desejasse financiar[2].

O Environmental Impact Assessment é um processo ambiental instituído pela Agência de Proteção Ambiental Norte-Americana (US Environmental Protection Agency – EPA) desde 1969, através da Política Nacional do Ambiente (National Environmental Policy Act – NEPA). Diante da necessidade de obter financiamentos externos, o governo federal brasileiro optou por “traduzir” e implantar a ambos, criando a Política Nacional do ‘Meio Ambiente’, em 1981, e a figura jurídica do Estudo de Impacto Ambiental (EIA), por intermédio da Resolução do Conama[3] No 001, emitida em 23 de janeiro de 1986.

Nessa Resolução, em seu Artigo 5º, fica clara a necessidade de delimitação da área geográfica a ser afetada pelos impactos de um projeto, denominando-a Área de Influência. No entanto, a Conama No 001/86 não propôs critérios e métodos técnicos para orientar como identificar e delimitar as áreas de influência de um projeto. Hoje são encontradas nos EIA elaborados por todo o Brasil uma série infinda e curiosa de áreas de influência. Ou seja, os responsáveis pela redação do diploma legal detiveram-se apenas no solene “juridiquês”, sem preverem os usos futuros dos termos dessa Resolução e suas onerosas consequências burocráticas. Em suma, fizeram a coisa certa – criaram o processo do licenciamento ambiental obrigatório para novos projetos de empreendimentos –, mas de forma incompleta.

Desde então, empresas estatais, órgãos ambientais de municípios e de estados definem os rótulos das áreas de influência que desejam em estudos ambientais referidos a cada projeto. Todavia, da mesma forma que a Resolução do Conama, as definições apresentam redações genéricas e simplistas, que não explicam como identifica-las, apenas dão-lhe títulos. Ou seja, não respondem qual processo teórico-analítico deve ser adotado para demarcar as áreas de interesse para estudos ambientais.

A identificação dos limites geográficos de áreas territoriais que podem ser afetadas por um projeto de engenharia continua hoje a ser uma das tarefas mais suscetíveis de dúvida e discussão na elaboração de estudos ambientais em geral.

De natureza didática

Incrível! Em menos de um ano após a emissão da Resolução No 001/86, já existia uma bela quantidade de “experientes especialistas” dando cursos intensivos sobre como elaborar os EIA. Os cursos foram lançados no mercado por várias instituições em quase todos os estados do país. E, embora a internet ainda não existisse – o que facilitaria a sua divulgação –, todos ficavam apinhados de alunos, interessados em atuar no novo mercado consultivo que fora aberto pelos procedimentos da Resolução.

Na verdade, tanto instrutores quanto alunos estavam aprendendo juntos, pois todos ainda desconheciam a maneira de lidar com os EIA e o licenciamento ambiental. Em 2003, dezessete anos depois da emissão da Conama No 001/86, o Professor Dr. Paulo Nogueira-Neto, assim redigiu no prefácio de um livro técnico:

— “Quando, em 1986, o Conama aprovou a obrigatoriedade dos Estudos de Impacto Ambiental no licenciamento de atividades potencialmente poluidoras, muitas pessoas eram contrárias a essa exigência. Diziam que não tínhamos instituições ou pessoal capacitado para fazer EIA/Rima. Se a opinião dessas pessoas tivesse prevalecido, até hoje não teríamos uma legislação geral sobre esses estudos de impacto, que são básicos para o licenciamento. Como dirigente da Secretaria Especial de Meio Ambiente (SEMA), fui firmemente a favor da Resolução do Conama que criou o sistema de licenciamento. Sabia que ocorreriam falhas e que de fato ainda não existia a massa crítica necessária, mas sabia também que em muitos assuntos essa massa crítica surge quando se age procurando acertar. O que de fato ocorreu de modo razoável”.

Concordamos plenamente com as afirmações de Nogueira-Neto. Acrescentamos ainda o fato de que apenas uma Resolução, com somente cinco páginas, foi capaz de criar novos mercados de trabalho no país inteiro e pensar no seu futuro em longo prazo.

Além disso, após esta Resolução, foi criado um amplo mercado editorial dedicado ao trato do ambiente; congressos, simpósios e seminários sobre o tema foram e veem sendo realizados; Universidades incorporaram o Ambiente em cursos de graduação e pós-graduação. Enfim, a tão esperada massa crítica continua a ser desenvolvida e aprimorada.

Contudo, sobre o tema principal desse artigo – a delimitação das áreas de influência –, a confusão ainda permanece. Na maior parte dos EIA produzidos no Brasil, os critérios utilizados para delimitar as três áreas básicas consideradas (Área diretamente afetada, Área de influência direta e Área de influência indireta) são precários e pouco justificáveis.

De natureza técnica

No início de 1986 um reduzido grupo de consultores, reunidos numa empresa de engenharia de projetos, formava a sua Divisão de Planejamento e Gestão Ambiental. Precisava responder positivamente aos ditames da nova Resolução Conama, na elaboração de EIA/Rima para duas usinas hidrelétricas, localizadas nos estados do Acre e de Mato Grosso.

Para elaborarem a programação dos trabalhos a análise cuidadosa da Conama No 001/86 era condição básica. Após um mês de trabalho conjunto, com debates diários, o grupo montou um “Pert” com as atividades necessárias ao desenvolvimento e conclusão do EIA. No quadro-negro da sala de reunião apareceu a base da programação dos trabalhos. No entanto, ainda faltava a metodologia de avaliação e gestão de impactos que fosse capaz de orientar a equipe de trabalho no seu dia-a-dia.

Por decisão do Coordenador da Divisão, apenas um consultor deveria elaborar a metodologia, através da literatura técnica disponível. Claro que sempre consultando os profissionais de cada área quando estivessem no escritório, pois, normalmente, estavam a realizar trabalhos de campo.

Mas foi difícil encontrar literatura técnica nacional para basear o desenvolvimento de uma metodologia ambiental. A única fonte de informações disponível em 1986 era o Manual da Eletrobras sobre Inventário do Potencial Hidrelétrico de Bacias Hidrográficas. Sem desfazer do manual brasileiro, optamos por buscar textos técnicos estrangeiros.

Desenvolveu-se a metodologia em paralelo com os trabalhos da equipe. Ao fim de cerca de um ano, quando a equipe encerrava o último ciclo das campanhas de campo, tínhamos o primeiro draft da metodologia completa, que foi batizada por MAGIA – Modelo de Avaliação e Gestão de Impactos Ambientais. Mais tarde, em 1994, publicamos o MAGIA em um livro técnico, que foi lançado na UNESP – Universidade Estadual Paulista, Campus de Rio Claro, durante o 1o Congresso Brasileiro de Análise Ambiental.

No ítem específico sobre a Área de Influência de um projeto, fizemos uma leitura distinta das demais empresas de consultoria. Nada existe na Resolução Conama 001/86 que determine que devam existir Área de Influência Direta e Área de Influência Indireta.

Diz a Resolução, em seu Artigo 5º, item III: “Definir os limites da área geográfica a ser direta ou indiretamente afetada pelos impactos, denominada área de influência do projeto” [Grifo nosso].

Segundo a nossa leitura, o texto grifado é a principal determinação do Artigo; o não grifado são “escritas de costura” do texto sobre delimitação da área de influência. A ser assim, seria possível denomina-la Área de Impacto.

Visando a homogeneizar os trabalhos de equipes multidisciplinares, criamos um processo simples para a definição da Área de Influência.

Segue a sequência de tarefas para a demarcação das áreas de interesse de estudos ambientais, que visam a otimizar impactos decorrentes de um projeto e os ecossistemas a que afeta em suas etapas de projeto, obras e operação:

  • Analisar os requerimentos do Termo de Referência ou do documento similar emitido pelo órgão ambiental competente e a finalidade a que se destinam os estudos a serem elaborados;
  • Tomar conhecimento de documentos e plantas do projeto pretendido (Descritivo do Projeto, Projeto Conceitual, Básico ou Executivo);
  • Realizar visita à área onde é pretendida a implantação do projeto, especificando suas vizinhanças, que podem ser urbanas, rurais ou primitivas;
  • Locar em planta baixa a primeira hipótese de impactos ambientais passíveis de ocorrência na região visitada, em função do projeto, através de sua provável distribuição espacial, denominada “Distributividade”;
  • A linha envoltória da distributividade estimada de todos os processos impactantes, considerados passíveis de ocorrência na região, demarca a primeira “área de interesse” para os estudos;
  • Documentar a visita através de relatório de texto específico a cada tema, com tomadas fotográficas;
  • Repetir o mesmo processo durante as atividades de campo destinadas à caracterização ou diagnóstico ambiental da área de interesse, de forma a ajustá-la gradativamente;
  • Finalizar a demarcação da área de influência, com a classificação que for necessária aos estudos específicos em andamento, junto com a conclusão das atividades de diagnóstico ambiental requeridas pelo órgão ambiental competente em seu Termo de Referência.
Área de Impacto

Área de Impacto ou de Influência

Observa-se que a sequência de tarefas acima pode ser aplicada a qualquer natureza de projeto ou atividade humana considerada transformadora do ambiente. Além disso, mantendo estrita conformidade com a Resolução do Conama, reduz de forma significativa a desnecessária complicação dos textos dos EIA.

Vale observar que o mesmo processo permite, além da Distributividade, a estimativa de outros atributos dos impactos ocorrentes e previstos, os quais serão utilizados posteriormente no processo de avaliação de impactos. São eles: a Duração, a Carência e a Intensidade de cada impacto ambiental identificado.


[1] Não está aqui considerada a UHE Furnas, que é a mais antiga hidrelétrica com elevada capacidade de geração do Brasil. Sua construção começou em julho de 1958, tendo iniciado sua operação parcial em 1963.

[2] Dizem alguns conhecedores da história do setor ambiental no Brasil que sua criação deu-se por força da pressão norte-americana, que começara no início da década de 1970. No entanto, somente foi absorvida legalmente em 1981 e 1986, com a promulgação da Política Nacional do Ambiente e a Resolução que tornou obrigatória a elaboração de Estudo de Impacto Ambiental para novos projetos.

[3] Conama – Conselho Nacional do Meio Ambiente.

2 pensamentos sobre “Área de Influência para Estudos Ambientais

  1. Interessante seu artigo, vou ser suscinta…caso curioso que aconteceu aqui na pacata Caçapava/SP , um mega empreendimento (Um aeroporto que liga o nada a lugar nenhum) passou por cima de todas as leis ambientais, invadiu área de proteção e o famoso EIA-RIMA ficou disponivel para qualquer municipe verificar…um calhamaço de papéis muito técnico…resumindo, ninguem conseguiu ler o tal documento…concluindo…o mega empreendimento foi embargado pelo nobre promotor…agora que a vegetação foi suprimida , o que nos resta fazer? o EIA-RIMA sugere algo???

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    • Prezada Márcia, boa noite.

      Neste cenário só posso aconselhar que a organização que promoveu e pagou o EIA/Rima seja, por força do crime ambiental cometido, contratar um Projeto de Reabilitação para toda a área desmatada e adjacências.

      Entretanto, caso o projeto aeroporto seja mantido, deve contratar um estudo para situa-lo da forma mais adequada. Chamo-o de EPVA – Estudo Preliminar de Viabilidade Ambiental. Por sinal, esse EPVA deveria ter sido elaborado antes do EIA.

      Forte Abraço.
      Ricardo Kohn

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