Além de selvagem, predador


Ricardo Kohn, Escritor.

A fauna ocorrente nos ecossistemas naturais possui necessidades alimentares, as quais, uma vez satisfeitas, promovem sua sobrevivência, ainda que nem sempre a garantam. Afinal, imprevistos acontecem… Segundo pesquisadores, todas as espécies faunísticas pertencem a pelo menos uma cadeia alimentar, que inclui nutrientes específicos, além de outros espécimes da própria fauna – caso da fauna carnívora. A academia deu título a este tipo de cardápio: chama-se “cadeia trófica”.

Aqueles que trabalham para a conservação da fauna silvestre, dadas as espécies distintas que ocorrem nos sistemas ecológicos, precisam identificar qual a mais provável cadeia trófica existe em cada um. Caso contrário – com o passar do tempo –, poucas espécies faunísticas poderão ser conservadas. Afinal, há espécies carnívoras, omnívoras e herbívoras em busca de alimentos, ativas em variados habitats.

Nesta longa jornada, após inúmeros trabalhos de campo, o que realmente importava aos estudiosos era inferir “quem come quem” ou “o quê”; nada mais. Desse modo, conseguiram apurar as sequências de espécies silvestres que formam cadeias tróficas[1], ordenadas com base em seus hábitos de alimentação.

Diante disso, abre-se a questão:

─ Por qual motivo as espécies faunísticas que se encontram no topo da cadeia trófica são tratadas em livros e documentários como “animais selvagens e predadores”?

Afinal, estes membros da fauna ou visam à própria alimentação ou a proteger seu espaço domiciliar. Portanto, é normal que não ataquem pelo simples desejo de matar. Ao contrário, aproximem-se com uma espécie de “amizade imprevista” pelos sapiens. Veja a foto ao lado, onde um gorila afaga e protege um filhote de felino. Assim, deduz-se que há causas elementares que sempre motivam a fauna silvestre: alimentação imediata e, na perspectiva futura, sobrevivência de cada espécie. Todavia, sem perder sua característica protetiva de outra espécies faunísticas.

Por volta de 200 mil anos atrás, surgiu no sul da África uma nova espécie de primata. Sabe-se que, assim como outros carnívoros silvestres, formavam grupos nômades que se dedicavam à caça e abate de outros animais; tudo indica que eram temerários quando atendiam às próprias necessidades. Provavelmente, eram primatas bípedes, viviam no solo das matas, não se locomoviam pelos cipós de árvores, e reproduziam-se com extrema facilidade.

Coube ao botânico e zoólogo sueco, Carl Nilsson Linnaeus, propor uma classificação das espécies de plantas e de animais, segundo a visão científica do século 18. Após intenso trabalho de observação e pesquisa de campo, em 1735 concluiu a origem da taxonomia moderna, que consta de sua obra “Systema Naturae”.

Desse modo, baseados na lógica de Linnaeus, biólogos e antropólogos realizaram a classificação do novo primata africano, qual seja: Reino [Animalia]; Filo [Chordata]; Classe [Mammalia]; Ordem [Primatas]; Família [Hominidae]; Gênero [Homo]; Espécie [Homo sapiens]. Infere-se que, por meio desta estrutura de classes, o ser humano é animal, mamífero e primata. Portanto, concluíram que durante milhares de anos, este hominídeo foi mais um primata ativo da fauna silvestre, com taxonomia bastante similar à dos chimpanzés[2].

Estimam que o sapiens iniciou sua migração para fora continente africano por volta de 90 mil anos atrás. Antes de fixar-se no campo, ocorrida há cerca de 12 mil anos, o número total de indivíduos desta espécie permaneceu inferior a 1 milhão de primatas. Porém, com a subsistência quase garantida pelas práticas agrícolas que descobrira, o sapiens optou por fixar-se no campo. Para isso, arquitetou casebres e vilas com vistas a plantar sementes ao derredor de suas moradas. Então, há cerca de 10 mil anos, a população mundial de sapiens arcaicos, a aproveitar os bens gratuitos que a natureza lhes concedia, alcançou algo em torno de 5 milhões de primatas sapiens[3].

Contudo, estes sapiens arcaicos não previram as consequências de sua fixação no campo, da exuberância imprevista de suas primeiras plantações, assim como do início da troca de produtos agrícolas entre tribos semelhantes. O escambo foi o processo espontâneo que se sucedeu. Consistia na troca de produtos entre sapiens, habitantes de vilas próximas. Talvez haja sido o gênero ancestral do atual “comércio toma lá, dá cá”.

Provavelmente, as trocas eram realizadas através de conversas simples, que aconteciam mais ou menos assim: “– Dou-lhe algumas sementes e, em troca, peço-lhe um punhado de trigo” – decerto, o idioma era outro, pleno de grunhidos monossilábicos.

Por volta de 10 mil anos atrás, produtos agrícolas não possuíam valor ($$$), pois a terra e os insumos eram gratuitos. No entanto, sua produção exigia trabalho duro no campo: plantio, trato, colheita de talos e gramíneas destinados a alimentar os sapiens da própria aldeia; quando havia excedente, realizavam escambos com outras vilas de sapiens agrícolas. Infere-se que a transição realizada por grupos nômades, que se tornaram agricultores da subsistência, foi árdua, mas não definitiva. Muitos deles continuaram nômades-coletores, embora não apenas com a caça que abatiam.

Foi neste cenário que os dois grupos de sapiens tentaram conviver. Por óbvio, sem os cooperativos resultados de humanidade; ao contrário, viveram a criar raivosos conflitos pelos continentes. Até por que, aqueles que permaneceram coletores primitivos tornaram-se sapiens vagabundos e, para sobreviver, formaram súcias de primatas a saquear/destruir vilas e plantações dos sapiens trabalhadores.

Em suma, naqueles tempos tortuosos, acredita-se que “ao trabalhador coube o poder de manter viva a espécie; ao vagabundo, apenas fomentar conflitos”. O que fortalece esta hipótese foram as lutas inclementes nos 10 mil anos que se seguiram: batalhas e guerras permanentes, onde tribos antagônicas de sapiens trabalhadores e vagabundos – apostavam que venceriam. Porém, ambas foram derrotadas.

Por fim, admita-se que o sapiens moderno exista na Terra há pelo menos de 4 mil anos. A maioria de seus indivíduos acredita-se dotada da única inteligência primordial do universo. Capacitada para dominar, explorar e devastar qualquer ecossistema terráqueo. Bastaria que se sentisse prejudicada na construção da sua inóspita antroposfera. Sim, os espaços onde os ecossistemas primitivos reduziram-se a quase nada; foram vandalizados, substituídos por toneladas de cimento, ferragens e o asfalto. Vilas simples estabilizadas, tornaram-se cidades, metrópoles e megalópoles, império de assassinos, habitat preferencial das corjas de inomináveis ladrões. Em suma, somente os sapiens são selvagens, únicos predadores absolutos da Terra.

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[1] As cadeias tróficas são dinâmicas, alteram-se por diferentes fatos, mas sobretudo pela variação das populações faunísticas, assim como, em paralelo, pela evolução espontânea das espécies que restarem.
[2] Taxonomia do Chimpanzé: Reino [Animalia]; Filo [Chordata]; Classe [Mammalia]; Ordem [Primatas]; Família [Hominidae]; Gênero [Pan]; Espécie [Pan troglodytes].
[3] Sugere-se a leitura do artigo “O impressionante crescimento da população humana através da história”, de autoria de José Eustáquio Diniz Alves, doutor em demografia e professor da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE.

Decálogo do Ambiente


Ricardo Kohn, Escritor.

Este texto é parte de capítulo do livro “Princípios da Filosofia do AmbienteComo o Ambiente vê o Sapiens”. Nele há dois personagens que conversam: o Ambiente e o autor. Para facilitar o entendimento, indico quem está a fazer cada narrativa, as quais se sequenciam dando lógica ao tema. Prossigo.

Assim fala o Ambiente. Verifico que, desde há 20 mil anos, o sapiens dominante é o único criador de conflitos em minha natureza primordial (physis). Promove violências gratuitas, assassina à esmo, realiza corrupção, comete genocídios, trafica seus semelhantes, pratica escravagismo, faz rebeliões, guerras e revoluções armadas. Com base em reflexões sobre o óbvio, inferi que o alto valor das drogas que o dominante trafica em minha physis, seria mais que suficiente para tirar da miséria os milhões de submissos que ele arrasa, diariamente. Nos dias atuais – é notório –, com as moedas do sapiens corrupto, assisto a muitos dominantes criarem quadrilhas de traficantes que não passam de terroristas.

Por ora encerro minha falação, embora tivesse mais a dizer sobre as ameaças que o sapiens dominante promove em minha physis.  Mas esse foi o depoimento a que fui chamado a dar, de teor crítico à conduta da espécie humana que me restou para observar: em grande parte presunçosa, sedenta pelo poder a qualquer custo e, sobretudo, nefasta à minha natureza primordial.

Os Sapiens Rarus

O Sapiens Rarus

Espero que aqueles que me leem entendam que, sobretudo, não existem exageros ou luxos na minha forma de reger meus bens primordiais. Pois ambos – exagero e luxo – possuem o danoso custo de tudo o que é fútil. Sei muito bem que os poucos sapiens rarus do planeta são meus únicos mantenedores.

O autor. Há um texto de Voltaire que, na visão do Ambiente, fundamenta seu decálogo. Voltaire, imerso na ironia de sua solidão, foi o iluminista que redigiu a seguinte parábola:

“Que ingenuidade, que pobreza de espírito, dizer que os animais são máquinas privadas de conhecimento e sentimento, que procedem sempre da mesma maneira, que nada aprendem, nada aperfeiçoam! Será por que falo que julgas que tenho sentimento, memória, ideias? Pois bem, calo-me. Vês-me entrar em casa aflito, procurar um papel com inquietude, abrir a escrivaninha, onde me lembra de tê-lo guardado, encontrá-lo, lê-lo com alegria. Percebes que experimentei os sentimentos de aflição e prazer, que tenho memória e conhecimento. Vê com os mesmos olhos esse cão que perdeu o amo e procura-o por toda parte com ganidos dolorosos, entra em casa agitado, inquieto, desce, sobe e vai de aposento em aposento, e enfim encontra no gabinete o ente amado, a quem manifesta sua alegria pela ternura dos ladridos, com saltos e carícias. Bárbaros agarram esse cão, que tão prodigiosamente vence o homem em amizade, pregam-no em cima de uma mesa e dissecam-no vivo para mostrarem-te suas veias mesentéricas. Descobrem nele todos os mesmos órgãos de sentimentos de que te gabas. Responde-me maquinista, teria a natureza entrosado nesse animal todos os órgãos do sentimento sem objetivo algum? Terá nervos para ser insensível? Não sujes a natureza com tão impertinente contradição”.

Muito embora a reflexão de Voltaire esteja restrita aos animais, exemplificados pelo cão, nosso amigo doméstico, interpreto-a como extensiva a toda a fauna silvestre. Que, aliás, o sapiens dominante insiste em denomina-la selvagem.

Em síntese, o decálogo a seguir traduz o que o Ambiente pensa sobre a impertinência do dominante. Dessa forma, quem fala não sou eu, mas as forças da natureza, as quais, por descuido ou inocência, receberam o dominante como filho pródigo. Dessa forma, o Ambiente Terráqueo oferece este decálogo a este dito sapiens, único ser incompatível que lhe apareceu pela frente. Então… Assim fala o Ambiente:

  1. Quero que tu saibas, dominante: não detenho qualquer virtude filosófica, mas sou, de fato, a única virtude do Universo; aonde quer que eu exista há evolução;
  2. Assim como o ar, a água, o solo, a flora e a fauna, que formam minha physis, acreditei que tu eras outro resultado de minha evolução; tu conseguiste me enganar;
  3. Porém, sequer chegaste a ser a necessidade fisiológica de um segundo da minha existência;
  4. Apesar da degradação sistemática que tu me impões, mesmo após entender quem tu és, continuo a elaborar meus futuros, aleatória e espontaneamente;
  5. Mas tu causas desordens na minha existência: de graça, ofereço-te ar puro, água límpida e potável, solos saudáveis, flora e fauna exuberantes. Mas o que me devolves afora ar, água e solos contaminados, florestas devastadas e fauna assassinada?;
  6. Quero que saibas: minha physis é inteligente e possui sentimentos; difere de ti, besta ignorante, destruidor de tudo o que encontras, inclusive dos primatas da tua própria espécie;
  7. Saibas ainda que, a despeito das tuas emanações gasosas, minha atmosfera logo se refaz, assim como as águas e os solos de meu planeta;
  8. A despeito de ti, minhas matas erguem-se em volta de teus prédios e logo os rodeiam, a esmigalha-los entre possantes laços de troncos vivos, pois, diante de mim, teus magníficos prédios são ínfimas peças de papel;
  9. Saibas que minha fauna é frágil e várias espécies poderão ser extintas por ti. No entanto, crio outras somente para demonstrar tua impotência;
  10. Por fim, nunca te esqueças, sou o único com poder de decidir a hora da tua extinção; tua sorte é que dificilmente gasto energia à toa.

O autor. A partir deste decálogo, percebo que o Ambiente se apresenta como o Criador de todas as coisas, o Senhor Absoluto: visível, concreto, palpável. O que me parece bem parecido com o Deus de crenças, um ser etéreo e invisível, mas que está “ativo” há milênios, por força do pavor antropológico da repetição: viver e morrer aos poucos, diariamente; viver e morrer aos poucos, diariamente…

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Primatas constroem a antroposfera


Ricardo Kohn, Aprendiz de Filósofo.

Há cerca de 4,6 bilhões de anos, num ponto aleatório do espaço sideral, gigantescos blocos de rocha travaram o jogo da existência, ao acaso. A energia que os alimentava nesse furioso embate era de origem desconhecida. Todavia, após milhares de milênios, os blocos se permitiram coexistir: expeliram grandes volumes de gases quentes [desgaseificação], desaqueceram-se, e se mantiveram em razoável estabilidade até os dias atuais. Deste modo, ao acaso, blocos rochosos formaram a Litosfera de um novo astro, magnetizada por minerais metálicos, a que se chama Ambiente Tectônico [de um astro perdido no espaço sideral].

Os gases expelidos, atraídos pelo magnetismo da Litosfera, permaneceram em seu entorno e acabaram por formar a Atmosfera do novo astro, a que se chama Ambiente Atmosférico [de um astro desconhecido a navegar pelo cosmo]. É notório que outros corpos siderais se chocaram com o astro recém-formado. Mas existe a teoria que esses corpos celestes continham, dentre outros componentes [minerais, água e organismos unicelulares], gases incorporados às suas estruturas físicas. Assim, infere-se que, pela lógica, hajam contribuído para ampliar a Atmosfera do novo astro.

Na medida em que houve o gradual resfriamento da Litosfera do astro, grandes volumes de líquido decorrentes da condensação de gases emergiram de suas rochas, a formar sua Hidrosfera; chama-se por Ambiente Aquático, que então ocupava por volta de 60% da superfície do astro. Além disso, ocorreram as primeiras formações de nuvens na Atmosfera, a dar início a precipitações líquidas sobre o astro, agora confirmado tratar-se de um planeta, uma vez que sua Litosfera não se resfriava mais, não emitia luz própria, além de possuir dimensões largas e aparente autonomia de existência no cosmo.

Todavia, durante pelo menos 4,2 bilhões de anos, este planeta permaneceu inerte, a tostar suas rochas e solos sob as inclementes tempestades solares. Afora isso, foi trombado por milhões de asteroides, meteoros e cometas. A ser assim, mesmo debaixo dessa tempestade de ameaças, seu Ambiente Físico [Litosfera, Atmosfera e Hidrosfera] manteve-se estável. De outra forma, era como se os bens de propriedade do ambiente físico [rochas, gases da natureza e corpos d’água] “sentassem à mesa para resolver como permaneceriam úteis uns aos outros”.

Evidente que essas reuniões nunca ocorreram. No entanto, os seres vivos surgiram de maneira quase mágica. Aconteceram para formar a Biosfera ou “esfera da vida” do planeta. Embora haja inúmeras abordagens sobre o que é e como foi formada a Biosfera, opta-se por sua forma mais simples, qual seja: é o conjunto das espécies florísticas primordiais e, a ele agregado, o conjunto das espécies faunísticas primordiais. Ou seja, a Biosfera envolve a flora e a fauna primordiais, incluídos os fungos; nada além.

Parece não haver dúvida que ela se formou em função do suporte físico oferecido pelo planeta. É sobre ele que a Biosfera se agrega, aleatoriamente, por necessidade e acaso. Desse modo, é certo que o Ambiente Biótico resultou das relações mantidas entre a Litosfera, a Atmosfera e a Hidrosfera. É provável que essas relações tenham promovido reações físico-químicas que resultaram em organismos vivos. Entretanto, ninguém sabe ao certo como a Biosfera se formou, embora haja teorias sobre a chamada “sopa primordial”, um produto de laboratório talvez capaz de transformar elementos orgânicos/inorgânicos em seres vivos[1].

Todavia, o que mais importa é debater quais benefícios a Biosfera trousse para o planeta físico. Assim, para efeito desta narrativa, retorna-se à reunião hipotética entre as rochas, gases da natureza e corpos d’água. Se estes bens primordiais fossem capazes de conversar entre si, concluiriam que a cobertura vegetal biosférica tornaria o planeta mais protegido da inclemência solar; que a evaporação de suas águas seria recomposta por chuvas; que a fauna primordial a ela agregada demonstraria sua mobilidade planetária; que desse modo o planeta físico se tornaria mais complexo. Verificariam que os Ambientes Físico e Biótico deveriam interagir, a manter relações ambientais de reciprocidade entre seus bens constituintes que, apesar de aleatórias, permitiriam a manutenção e/ou evolução dos bens primordiais básicosar, água, solo, flora e fauna.

Muito embora a imaginação possa dar voz a entes físicos e a seres que não falam, há cerca de 6 milhões de anos, todos esses desejos tornaram-se reais com a assunção da “esfera das relações do ambiente”, a que se chama Ecosfera. Dela resultou a consolidação do Ambiente [terráqueo].

Tudo corria bem com a evolução do Ambiente, até que por volta de 2 milhões de anos atrás, apareceram novos grupos de primatas. Porém, dentre eles, o grupo mais recente [com origem estimada a 200 mil anos atrás] se comportava de forma diversa dos demais símios. Perambulavam pelo planeta em busca de carne fresca; matavam os grandes sauros, pois eram vorazes; reproduziam-se em larga escala; perseguiam-se e matavam-se uns aos outros.

Então, num dia perdido há 12 mil anos, resolveram fixar-se em cavernas e choupanas. Construíram seus espaços com galhos e fustes da flora silvestre, que dizimavam sem piedade. Eram egocêntricos, temerários, dominadores, agressivos e achavam-se invencíveis. Embora, na ótica do Ambiente fossem supérfluos, inadequados com seu conteúdo vazio e físico frágil.

De fato, em sua maioria, até hoje são seres vazios. Todavia, por reproduzirem-se em larga escala e de forma nefasta, procriaram uma imensa população de primatas sapiens. Por sinal, liderada por seres idiotas, dominadores e agressivos que se acham insuperáveis! Assim, quando empilhados aos bilhões de habitantes, tornaram-se uma ameaça temerária ao Ambiente.

A doce Favela da RocinhaEsse cenário chama-se Antroposfera. Com somente 10 mil anos de existência, constitui a esfera do planeta construída pelo sapiens, o temerário primata. Desde então, para executar suas obras, demole a Litosfera, polui a Atmosfera, contamina a Hidrosfera e devasta a Biosfera. Por se considerar invencível e insuperável, em breve chegará o tempo em que os primatas sapiens viverão num astro deformado, a navegar pelo cosmo, debilitado e ao acaso. O planeta não existirá mais graças aos arranha-céus que nele são dependurados, diariamente. Conclui-se que, após 4,6 bilhões de anos de trabalho intenso, se transformará em “terra arrasada“, sem qualquer significado.

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[1] Neste artigo não se debate esta teoria. Aqueles que desejarem conhecer algo sobre o tema, sugere-se que pesquisem por “sopa primordial”.

Meditações


Ricardo Kohn, Aprendiz de Filósofo.

Vejo a meditação como a conversa entre uma pessoa e sua sombra. Trata-se de um processo de criação praticado na solidão, comum aos sapiens que tentam estimular seus cérebros.  Por acaso, neste exato momento estou a meditar. Percebo, contudo, que há o Paradoxo da Meditação: de um lado, o medo de encontrar o desconhecido que mora em mim; de outro, a importância das descobertas que surgem, sempre esclarecedoras. Assim, para seguir a meditar sei que preciso superar este paradoxo – medo versus esclarecimentos. Creio que a forma mais simples é “fingir que se medita sobre eles” e não sobre si mesmo. Até por que, se os “eles” a que me refiro são amigos ou inimigos, pouco importa: basta saber pensar para meditar com as virtudes da natureza.

Todavia, meu objetivo não é redigir um “Manual de Meditação”, embora existam muitos. A meu ver, todos anacrônicos e patéticos. Na verdade, a meditação é um hábito milenar que teve origem em filosofias orientais. Nasceu como um desafio para o indivíduo imergir em si mesmo; ter a visão de muitas dúvidas e poucas quase-certezas; fazer sua autodepuração espontânea; por fim, alimentar a evolução da inteligência primordial da espécie humana rara – os poucos “sapiens raros” que ainda conseguem sobreviver na antroposfera[1].

Importa salientar que a meditação virtuosa jamais foi influenciada por crenças espirituais, uma vez que, por volta de 10 milênios atrás, afora o Sol, as ditas “divindades máximas do Universo” sequer haviam sido inventadas pelo “sapiens dominante”, o hipócrita soberano da antroposfera.

O Sol alimenta a natureza primordial de Botswana

Há décadas reflito sobre o Ambiente e sua physis[2]. Busco entender sua formação na Terra, assim como as graves ameaças à sua existência e as possíveis sequências de sua evolução. Após muito meditar, percebi que antes do surgimento dos primeiros grupos de primatas humanos – a 200 mil anos atrás –, o Ambiente foi a própria Terra, que deveria atender pelo apelido Planeta Ambiente. Afinal, ainda não existia a antroposfera e os bens de propriedade do Ambiente ainda estavam intactos – ar, água, solo, bem como a flora e fauna silvestres –, livres das ações transgressoras do sapiens dominante.

Assim, decidi dar voz ao Ambiente (maluquice ou oportunidade de meditação?), a vê-lo como proprietário exclusivo de todas as coisas terráqueas. Então, disse-me “ele”:

─ “Minha physis é inteligente e carrega intensos sentimentos”.

Matutei bastante sobre esta frase. Por fim, encontrei evidências factuais que o Ambiente detém habilidades que o tornam capaz de observar, analisar e responder às transgressões que ocorrem em seu terreno. Por isso, infiro que o Ambiente possui razão e lógica próprias, decerto distintas das atribuídas ao dito sapiens. Saliento que suas respostas às transgressões que sofre não são iguais às reações normais demonstradas por Isaac Newton. Caso o fossem, haveriam de ser contra-ataques intensos às agressões que lhe são impingidas pelo sapiens dominante, há milênios. Porém, o Ambiente não existe em função do sapiens, ao contrário, o sapiens dominante é que constitui seu objeto de uso. Aliás, precisa torcer – e muito – para que a “inteligência da physis” o trate com “intensos sentimentos” – seja lá o que isto signifique.

Tudo me conduz a concluir que o Ambiente é o cérebro ativo dos planetas. Por sinal, fez-me esta segunda afirmação:

─ “Não detenho virtudes filosóficas, mas sou a maior virtude material do Universo: aonde quer que eu exista, sempre haverá evolução”.

Devo discordar da premissa “não detenho virtudes filosóficas”. Até por que, é um aspecto da filosofia da natureza, capitaneada por escolas pré-socráticas, fundadas com as virtudes da Grécia Antiga, na cidade de Mileto, entre outros locais. Ao contrário, incontinente, louvo a certeza formulada: “aonde quer que eu exista, sempre haverá evolução”. Em minha opinião, é uma virtude que constitui um axioma matemático: “sem Ambiente, Universo não existe”; o que se dirá de sua esperada evolução…

Meditar seguidamente é vulcânico, mesmo para os acostumados com a queima intensa das cadeias neuronais. Encerro aqui, a manter a privacidade de minhas meditações.

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[1] Antroposfera, ou esfera do Homem, representa tudo o que é construído pelo sapiens no Ambiente.
[2] Physis é tudo o que forma o Ambiente, à exceção do que for construído pelo sapiens. O mesmo que natureza primordial, entendida através de suas esferas vitais: atmosfera, litosfera, hidrosfera, criosfera, biosfera e pelas relações que mantém entre si na ecosfera terráquea.

Valores do Sapiens ou a ‘Qualidade do Ambiente’?


Ricardo Kohn, Aprendiz de Filósofo.

Parte-se da premissa que o homem [sapiens] atribui valor monetário a todas as coisas que deseja vender ou adquirir. Por sua vez, o ambiente terráqueo precisa manter a qualidade de sua natureza primordial. Portanto, infere-se que, em tese, tanto o sapiens quanto o ambiente, precisam trabalhar para obterem seus desejos e necessidades.

Todavia, nessas circunstâncias há que se optar entre o valor monetário do sapiens ou a qualidade do ambiente, pois esses cenários não costumam ocorrer ao mesmo tempo. Veja a imobiliária que lança um condomínio de prédios situado em ambiente de restinga; então, de forma evidente, remove a restinga e, em sua antroposfera, constrói o espaço valorizado para o sapiens. Assim, ganha o sapiens com ricos apartamentos, mas, de outro lado, o ambiente da restinga “segue rumo à contínua devastação”.

O que lhe parece este “belo cartão postal”?!

O que lhe parece este “belo cartão postal”?!

Prédios e lixos a consumir a restinga, esgotos in natura a escurecer o azul da lagoa que um dia fora translúcido, emissões gasosas que tonificam a respiração da fauna silvestre, quase extinta. De fato, pode ser um belo cartão postal, mas apenas segundo jacarés sobreviventes e sapiens que não lhes sentem o cheiro.

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Ambiente, a origem da engenharia


Ricardo Kohn, Aprendiz de Filósofo.

Desde há bilhões de anos, nos espaços da Terra – ambiente terráqueo – existem as fácies dinâmicas de sua natureza primordial[1], “construídas” pela ação de eventos fortuitos, como terremotos, vulcanismos, furacões e tsunamis. No entanto, uma das funções essenciais do ambiente é ser o regente exclusivo desses eventos. Assim, pergunto: o que significa ser maestro de uma sinfonia de terremotos ou de uma orquestra de furacões e tsunamis?

É óbvio que maestros não são músicos, mas regentes da orquestra, de seu compasso e da evolução musical. Portanto, o ambiente não atua nas sinfonias de terremotos. Porém, como regente, faz com que sua natureza primordial permaneça estabilizada, a despeito da violência dos eventos fortuitos que nela ocorrem – eventos do ambiente.

Por volta de 70 mil anos atrás, grupos de sapiens arcaicos abrigavam-se em cavernas da Uma grande cavernanatureza primordial. Bebiam a água de rios e cascatas, alimentavam-se da flora e da fauna silvestres. Comportavam-se de forma similar aos demais primatas então existentes. Deste modo, ainda eram bens do ambiente, embora sujeitos às intemperanças da natureza. No entanto, talvez por receio de serem extintos em eventos desse gênero, refletiram sobre como a physis houvera sido “construída”. Foi assim que, 50 milênios depois, o mais sábio questionou aos demais:

─ “Será que algum dia conseguiremos engenhar cavernas maiores e mais seguras”? E a resposta surgiu em seguida:

─ “Primeiro precisamos entender como o ambiente fabrica suas cavernas e depois imitá-lo

Sem dúvida, era imprescindível conhecer a “engenharia do ambiente”, sempre realizada ao acaso. Foi assim que, mais tarde, árvores viraram casas; florestas de sequoias se tornaram condomínios de prédios; colmeias viraram fábricas; trilhas da fauna silvestre se transformaram em ruas e avenidas. Iniciava-se a construção da antroposfera do sapiens, paradoxalmente, um ordinário plagiador do ambiente que devasta.

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[1] Natureza primordial é sinônimo de physis e constitui o resultado da dinâmica das relações mantidas entre os bens que são propriedade exclusiva do ambiente: ar, água, solo, flora e fauna. O universo da natureza primordial é a Terra.

Filósofo aprendiz


Ricardo Kohn, Escritor.

Pelo menos durante um dia da vida, creio ser provável que um bom número de cidadãos haja sonhado em ser filósofo. Isto por que existe a leveza intelectual associada à prática da boa filosofia. Costumo dizer que fazer filosofia é duelar com a lógica e a razão das palavras, em busca de descobertas. Afinal, elas ganham vida própria assim que são lançadas no papel. E o filósofo é o espadachim que se deixa levar, mas atento para manter a essência do texto, de modo a que não lhe escape e termine seduzido pela dança das palavras.

Graças a esses aspectos, há questões a considerar:

  • Em sua origem, o que a filosofia significava para o cidadão comum?
  • Como o filósofo deve proceder perante seus discípulos?
  • Quais são as consequências de o cidadão ser parte do seleto grupo de filósofos, muito embora não haja sido convidado?

Antes tratar destas questões, importa mostrar onde se situa a filosofia. Para Bertrand Russel[1]todo conhecimento definido […] pertence à ciência; e todo dogma, quanto ao que ultrapassa o conhecimento definido, pertence à teologia. Mas entre a teologia e a ciência existe uma terra de ninguém, exposta aos ataques de ambos os campos: essa terra de ninguém é a filosofia”. Na literatura histórica, não encontrei reflexão mais objetiva que esta.

A origem da filosofia ocidental acontece na Grécia Antiga – século VI a.C. –, por meio de uma escola fundada por Tales de Mileto, na Jônia, colônia grega situada no Mar Egeu. A Magna Grécia era notória como líder mundial do pensamento e a Escola de Mileto demarcou a origem da filosofia ocidental. Para cidadãos comuns, filosofia era o espaço em que ouviam e podiam questionar as reflexões de seus mestres. Foi o ambiente semeado por pensadores gregos, onde havia a liberdade da palavra em prol da cultura, com vistas a educar cidadãos para descobrirem como refletir com lógica.

Filosofia é exatamente isso: saber pensar, ponderar, refletir, argumentar, deduzir e inferir coisas sobre os temas oferecidos à mesa de diálogos. Deduzo que, para se tornar filósofo, não há regras ou normas que limitem qualquer cidadão comum. A prática da filosofia é aberta a todos, sem exceção. Dessa forma, infiro que ninguém precisa ser convidado para ser filósofo, basta saber qual espaço poderá ocupar com sua filosofia.

Como Filósofo Aprendiz optei por ingressar na filosofia, através de uma obra sucinta, Ícone da capaintitulada “Princípios da Filosofia do AmbienteComo o Ambiente vê o Sapiens”. É possível prever por este título que se trata de uma filosofia que inverte a egolatria filosófica presente nas reflexões de vários filósofos do medievo. Aqui o Ambiente é o sujeito e o Sapiens, seu objeto.

Os capítulos deste ensaio apresentam-se em 172 páginas, com a seguinte estrutura:

  • A Introdução da obra, onde parto de uma equação filosófica: Ambiente + Sapiens Impactos + Áreas Devastadas + Lixo + Restos do Ambiente.
  • O Sumário Histórico da Filosofia Ocidental, que visa a situar em qual espaço cultural a Filosofia do Ambiente poderá se assentar.
  • A Base Conceitual Científica, onde apresento conceitos que julgo relevantes sobre os processos ambientais, as características funcionais do ambiente e suas respectivas argumentações analíticas.
  • Os Primatas da Humanidade, onde busco compreender o comportamento do sapiens, como um reagente instável, às vezes espúrio, na equação filosófica enunciada.
  • Os Fundamentos da Filosofia do Ambiente, que apresenta algumas premissas em que devem se fundar a filosofia do ambiente. Essas premissas estimulam a realização de debates, os quais procuro formular através de questões com respostas provocativas, sobretudo, as relativas ao mundo em que se vive atualmente.
  • O Ambiente Terráqueo, onde revelo, através de constatações factuais, as principais ameaças à sua qualidade e, por óbvio, à vida de todos os seres vivos que habitam a Terra. Debato ameaças significativas impostas pelo homem aos espaços físico, biótico e antropogênico do ambiente terráqueo.
  • Como o Ambiente vê o Sapiens traz uma narrativa sumária da origem e evolução do Homo sapiens na Terra. Em “Assim fala o Ambiente”, coloco-me em seu lugar, com vistas a refletir sobre o sapiens como se eu fosse o ambiente. Esse exercício de lógica permitiu-me inferir sobre a conduta das espécies e subespécies do Homo sapiens, segundo a taxonomia do ambiente.
  • A Base Conceitual Filosófica apresenta a revisão dos conceitos científicos, segundo a ótica do ambiente, assim como sua argumentação analítica. A base filosófica está realizada a partir de “Assim fala o Ambiente” e do “Decálogo do Ambiente”.
  • Em Inferências Filosóficas procuro refletir sobre quatro temas: (i) as Religiões do Homem Dominante (Homo dominans); (ii) as Ciências do Ambiente; (iii) a Avaliação Filosófica de Impactos sobre o Ambiente; e ofereço (iv) Parábolas do Ambiente.
  • Em O Homem Primordial, apresento uma estratégia de ação para cooptar várias das subespécies do Homo dominans (Homem dominante) e torna-las Homo rarus (Homem raro), a espécie que, além de qualquer dúvida, é um bem do ambiente.
  • Concluo com o Epílogo, onde arremato conclusões e formulo expectativas.

Esperava lançar a versão digital deste livro em dezembro. Mas consegui publica-lo em 9 de novembro de 2017. Quem desejar conhece-lo clique aqui. Sugiro aos amigos que o adquiram e o divulguem nas redes sociais, no ambiente de trabalho, em faculdades e em escolas de nível médio. Desde já, agradeço a todos.

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Adquira o e-book “PRINCÍPIOS DA FILOSOFIA DO AMBIENTE – Como o Ambiente vê o Sapiens“.

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Bertrand Arthur William Russell, matemático e filósofo, nascido a 18 de maio de 1872, no País de Gales. Prêmio Nobel de Literatura, em 1950. Atuou em vários países como professor de matemática avançada. Faleceu aos 97 anos, em 2 de fevereiro de 1970, na mesma nação britânica.