Ricardo Kohn, Escritor.
O projeto desse “Departamento” resultou após oito anos de trabalho, realizado entre 2001 e 2008, em Roma, na sede da Agência Internacional Contra Corrupção (Agência). Naquela oportunidade, era dirigida pelo diplomata Robert Clark Mac Andrews.
Dois cientistas sociais brasileiros receberam convite para participar dos trabalhos e estiveram presentes em todos os encontros da Agência. Participaram também cientistas provindos de 26 países, em sua maioria africanos e latino-americanos. Mas, havia seis europeus, dois canadenses, um francês e outro australiano, todos desavisados.
Ninguém obteve qualquer informação segura sobre quais eram os mantenedores da Agência. Mas, tinham certeza de que não era iniciativa das Nações Unidas, pois os convidados não representavam suas nações de origem.
As três primeiras reuniões foram mensais. Causaram espanto e curiosidade. Todos os 53 cientistas presentes tiveram suas passagens e estadias pagas. Além disso, cada um recebeu 25.000 Euros para “pensar, debater e propor soluções anticorrupção”, em cada evento.
A agenda foi objetiva desde o primeiro encontro:
- Objetivo: Produzir meios, mecanismos e procedimentos para reduzir pela metade o PIB da Corrupção Pública Mundial.
- Duração do Encontro: três dias de trabalho e um dia livre para passear em Roma.
- Conclusão: Aprovar o Relatório Mensal do Encontro.
Ao fim de cada evento, cada um dos convidados confirmava se continuaria a participar do Grupo de Trabalho. Por sua vez, a Agência deixou claro que, sem criar constrangimentos, poderia comunicar quais cientistas não retornariam no próximo encontro.
Durante os 8 anos a agenda foi a mesma, só mudava sua periodicidade; passou a ser bimensal e, dois anos após, trimestral. Aconteceram apenas três substituições, durante o primeiro ano. Os que permaneceram nunca souberam se foram desistências ou trocas determinadas pela Agência.
Tudo indicava que a Agência era uma entidade secreta, ligada a organismos de espionagem de alguma potência mundial. Sua sede situava-se em uma localidade pouco habitada e silenciosa, fora do centro de Roma, chamada San Lorenzo da Brindisi. Era num grande castelo, construído no cume de uma floresta, rodeado por uma antiga muralha romana, de aparência inexpugnável.
Vista da misteriosa Agência
Desde a chegada de cada participante, o diretor Mac Andrews fazia questão de acompanha-lo até seus aposentos e retorná-lo ao salão principal, onde ocorriam todas as apresentações dos cientistas. Cada um tinha exatos dez minutos para se apresentar aos demais e justificar intelectualmente sua presença no Grupo de Trabalho da Agência. Depois era conduzido à grande mesa para saborear pães, queijos e vinhos, a comemorar o início dos trabalhos.
Contudo, a grande mesa não era propriamente uma “távola redonda”. Mac Andrews sempre ocupava a cabeceira para efetuar esclarecimentos formais. Por exemplo, antes do início do primeiro evento, formulava o conceito de Corrupção adotado pela Agência e que deveria ser perseguido pelo grupo de cientistas durante os trabalhos. Disse Mr. Mac:
─ “O conceito de corrupção é amplo, incluindo as práticas de suborno (propina), a fraude, a apropriação indébita ou qualquer outro desvio de recursos por parte de um funcionário público. Além disso, envolve casos de nepotismo, extorsão, tráfico de influência, utilização de informação privilegiada para fins pessoais e a compra e venda de sentenças judiciais, entre inúmeras outras práticas letais”.
Significava dizer que, na visão da Agência, para que ocorressem atos de Corrupção Pública, era imprescindível a atuação de pelo menos um Funcionário Público. Isso reforçou a ideia de que seus mantenedores só podiam ser grupos privados, que lutavam para ficarem livres de extorsões das quadrilhas de sanguessugas que governavam seus países. A fórmula que encontraram foi a criação de uma agência internacional privada, que reunisse cérebros notáveis para criar mecanismos inibidores da corrupção pública mundial.
O fato é que o primeiro relatório relevante dos encontros somente foi produzido em fins de 2004, quatro anos após o início dos trabalhos, mesmo contando com 53 notórios cientistas sociais. Trabalhar em grupo é arte para poucos.
Em síntese, o relatório considerava que os servidores públicos somente serão dissuadidos a não enveredar pelos “livres caminhos da corrupção”, quando pelo menos uma das situações abaixo ligar o “alerta vermelho”:
- Alto lá! Não sou corrupto!
- Não insista! Sou honrado, tenho moral!
Até aí, tudo bem, não ocorreria nenhum ato de corrupção. Mas há a situação em que precisa funcionar a sirene e o alerta vermelhos:
- Espera aí, vamos “dar um jeitinho” mais seguro. Estamos com medo das leis anticorrupção de nosso país. Parece fala de cientista brasileiro…
Assim concluía o relatório de dezembro:
─ “Todos os corruptos públicos desconhecem o significado de honra, moral e ética. Consideram que são apenas vícios ou cacoetes de minorias; motivo de deboche durante as orgias que promovem para comemorar os brutais desvios de recursos públicos, lavados em redes digitais planetárias”.
Instituições internacionais, tal como o Banco Mundial, estimaram desesperadas em 2004, que o PIB da corrupção planetária estava em torno de US$ 1 trilhão de dólares por ano! Talvez estivessem próximas da realidade, mas apenas a considerar a corrupção explícita. Houve órgãos que estimaram mais de US$ 15 trilhões/ano a corrupção pública total!
De toda forma, Mac Andrews ficou satisfeito com o relatório e fez uma provocação ao grupo:
─ “Vocês acham que há um modelo, um padrão de comportamento para corruptos políticos, independentemente dos países em que atuam? O que acham de tentarmos identificar o perfil do comportamento de um corrupto político típico no mundo de hoje? Vamos a um breve intervalo para o café”.
Durante o café, todos os presentes concordaram que esse exercício seria esclarecedor, ferramenta fundamental para as polícias mundiais na perseguição e prisão sumárias daqueles criminosos. Tais como agentes secretos, organizaram-se em cinco equipes e começaram a trabalhar na construção do Perfil de Corrupto Político Típico (PCPT). Não possuíam a menor ideia do tempo e do volume de trabalho que seria necessário para concluir o Perfil. Após os dois seguintes encontros trimestrais perceberam que levariam pelo menos seis anos para produzir um Perfil consistente. Assim, sugeriram à Agência o seguinte:
─ “Para elaborarmos um perfil típico, propomos que nossos encontros voltem a ser mensais, com quatro dias de trabalho, sem qualquer dia livre no centro de Roma. É importante observar que existem corruptos públicos em diversos níveis, escalões e instâncias de poder. Portanto, consideramos que o PCPT adequado deva enfocar apenas os mais poderosos, sejam eleitos, nomeados ou indicados, nesta ordem. Os demais criminosos da ‘cadeia sem comando’ são meros efeitos fisiológicos, a serem eliminados por meio de folhas de papel higiênico”.
Mac Andrews recebeu a sugestão do grupo e logo a encaminhou ao Conselho Deliberativo da Agência, para obter a decisão final. Não sem antes postar sua própria assinatura no documento, concordando in totum com a evolução da proposta de trabalho. Por sua vez, o conselheiros da Agência a aprovaram por unanimidade.
Dotes do Corrupto Público
Cada uma das cinco equipes ocupava uma sala reservada do castelo. Pelas janelas entrava a brisa suave provinda da floresta que, afora os cantos dos corvos, permanecia imersa em silêncio absoluto.
O canto lúgubre do Corvo
Antes de reiniciarem os trabalhos em janeiro de 2005, surgiu uma dúvida. Era questão de causa e efeito:
─ São traços genéticos portadores do caráter que fazem crescer o corrupto público ou, será pelo fato de o indivíduo já nascer corrupto público que esses traços são desenvolvidos e “melhorados” por ele, através do exercício diário da corrupção?
Neurologistas, psiquiatras, filósofos e iluministas presentes logo concordaram com a tese dos “corruptos natos”, que promovem e melhoram os próprios dotes essenciais da corrupção, através de práticas imorais e inclementes.
Ao fim de quatro dias intensos de trabalho, foi juntada a documentação digital produzida pelas equipes. Nela estavam listados 3.751 rasgos de caráter de políticos trapaceiros, típicos do primeiro escalão das instâncias de poder, em cada país do planeta. Teriam de ser filtrados e depurados, de modo a que só restassem “doze dotes fundamentais”. Era a decisão elementar da Agência.
Somente em fins de 2007 o Perfil de Corrupto Político Típico foi depurado. Mesmo assim, apenas o perfil dos funcionários públicos detentores de maior poder de corrupção. Ficou quase como uma tomografia de corpos gelatinosos e fedorentos. Argh!…
Muito embora, a contragosto, considerando os limites impostos pela Agência aos cientistas, foi possível filtrar pelo menos os seguintes dotes de corruptos públicos:
- Sorridentes, mas assassinos implacáveis.
- Imorais e aéticos.
- Mentirosos desafiadores e persistentes.
- Vaidosos, ordinários e eloquentes.
- Carismáticos, indecentes e ardilosos.
- Exploradores e pérfidos gananciosos.
- Desonrados e hipócritas.
- Desprovidos de traços culturais.
- Torpes e traidores.
- Medrosos e covardes.
- Trapaceiros e aproveitadores.
- Papa-hóstias e parasitas.
Concluir o relatório final dos trabalhos, após oito longos anos de dedicação, causou alguma tristeza a muitos dos participantes, pois não sabiam se estariam novamente reunidos. Contudo, a Agência lhes solicitou que encaminhassem o relatório final para os principais órgãos públicos de seus países e tentassem verificar quais seriam os efeitos daquela proposta anticorrupção.
Houve um país latino-americano que criou o Departamento Federal de Corrupção, o qual, mesmo inativo, é um verdadeiro cabide de emprego para corruptos. Os governantes desse país esperam transforma-lo em Ministério Executivo. Será conhecido pela sigla DEFECO, tornando-se uma prosaica coincidência .