O ódio é mútuo


A princípio não queríamos entrar nesse tipo de discussão: – Xingar em público o mandatário máximo de um governo nacional é admissível ou constitui uma grave violência?

Porém, não há como calarmos. Entendemos ser necessário refletir com mais profundidade sobre a ocorrência das vaias e xingamentos dirigidos à atual Presidente da República. Acreditamos que a reflexão é uma atitude essencial ao exercício da “cidadania democrática”.

No entanto, focalizando não apenas às extremadas indignações ocorridas na “Arena de São Paulo”, durante jogo de abertura da Copa da Fifa. É importante ir além e considerar o contexto dos últimos quatro anos do governo, fruto exclusivo das ações políticas de seu mentor apedeuta. Afinal, vaias dirigidas à soberana são repetitórias, até mesmo em pronunciamentos televisivos, quando, de forma antecipada e ilegal, chafurda à cata de votos.

Um pouco do contexto histórico

Desde quando o partido pôs suas mãos no comando no Planalto, em 2003, o país foi dividido entre “nós e eles”. Essa foi a principal contribuição ideológica gradativamente imposta ao povo brasileiro: nós, do partido, somos o povo e sempre estamos a seu lado, acreditem; eles, da oposição, são a elite dominadora, corrupta e que nada realizou; só cometeu desgraças para o nosso povo.

Esse tipo de ódio foi insuflado sistematicamente, tanto com difusas “promessas de correção dos rumos do país”, quanto pela cara publicidade chapa-branca em veículos de comunicação. Mas foi assim que o partido conseguiu construir uma sólida muralha de fumaça, capaz de esconder, aos olhos da nação, as ações clandestinas de seus partidários dentro do governo.

E, paradoxalmente, foi por obra de uma ação intestina, realizada em público e mostrada em canais de televisão de todo o mundo, que o esquema do mensalão foi denunciado por um parlamentar da chamada “base aliada” (junho de 2005). O motivo da delação foi o fato de se considerar menos aquinhoado pelas propinas que a quadrilha distribuía com dinheiro público. Ela comprava vários “elementos” do Congresso Nacional para ter seus votos e manter-se eternamente no poder. Ou seria outra coisa?

Após mais de 7 anos, alguns foram julgados pela Alta Corte, apenados e encontram-se presos em penitenciárias. Porém, muitos outros permanecem soltos, atuando nas mesmas práticas que lhes interessam realizar: planejar corrupções futuras e executá-las sob nuvens de fumaça, com o auxílio de quadrilhas privadas. Tudo clandestino, obscuro e furtivo.

Já a partir de 2006, novas plantações de corrupção são efetuadas na calada de escritórios políticos. Começaram a ter frutos mais expressivos em 2013, no reinado da atual soberana. A sequência de escândalos descobertos é fenomenal. Não temos meios de destrincha-los, mas todos já os conhecem ou, pelo menos, ouviram falar deles.

No entanto, o escândalo mais grave apresenta – todos juntos e unidos pela fé – “uma quadrilha de doleiros, ex-presidente e diretores de estatal, parlamentares, assessores e traficantes de drogas”. Mais uma vez, a maior vítima da extorsão foi a Petrobras.

De toda forma, o esquema de propina e lavagem de dinheiro já se encontra evidenciado pelas investigações da Polícia Federal, na “Operação Lava a Jato”. Resta esperarmos sentados, como sempre, que a justiça brasileira cumpra com sua missão: envie os responsáveis e, sobretudo, “seus sócios” para uma penitenciária que seja de segurança máxima. Pois, extorquir o povo brasileiro e a Petrobras é um crime moralmente hediondo!

Contrastes, falhas e mentiras

Antes de abordarmos os apupos e palavrões dirigidos à soberana, é necessário ponderar sobre sua motivação. Em nossa visão, é de ordem social-democrata e fundada nos contrastes dos investimentos do governo, ao longo de pelo menos 10 anos – período 2003-2012.

Em síntese, neste período o governo despendeu mais dinheiro público na África e na América Latina do que em território brasileiro. Em 2012, nossas estradas, ferrovias, aeroportos, portos, eram os mesmos de 2003, apenas deterioradas após 10 anos de uso sem manutenção. Não vamos ser redundantes em falar mais da falta de equipamentos de educação e saúde, bem como da malfadada insegurança pública nacional.

Em compensação, o porto de Cuba é a Joia da Coroa. A unidade da Petrobras, situada em território boliviano, foi desapropriada pelo cocaleiro que lá governa, com forças do exército da Bolívia que a invadiram. Mas o mentor da época ainda foi capaz de remunerar o cocaleiro-mor pela façanha cometida!

Enfim, o descaso do partido à frente do governo, baseado em princípios ideológicos escusos, abatidos desde o século 19, cria contrastes que humilham diariamente a população brasileira. Isso não merece vaias?

As falhas e o superfaturamento das obras da Copa da Fifa – arenas e mobilidade urbana – são mais uma confirmação da corrupção instalada e da incompetência do Planalto. Por quê, então, não mais vaias?

Orientada por seu mentor, desesperada à cata de votos e sem mais tentar gerir o país, a soberana faz pronunciamentos nacionais que são verdadeiras odisseias de mentiras sobre o cenário que turvou o Brasil. Parece que discursa sobre a Noruega, a Alemanha ou a Holanda. Talvez ainda acredite ser capaz de manipular o povo brasileiro sem ser apupada. Mas, por óbvio, crescem as vaias!

Apupos e xingamentos

A imprensa chapa-branca e a soberana afirmam que os apupos e palavrões partiram da área VIP do estádio de futebol, isto é, da elite que a ocupa. Mas se esqueceram de um fato importante:

─ “O que é “elite” e quem forma a “elite brasileira” após 12 anos de poder do mesmo partido?”

Segundo o dicionário Michaelis, elite significa “o escol da sociedade, de um grupo, de uma classe”. Já escol, consultando o mesmo amansa-burro, é “o mais distinto em um grupo”. Por sua vez, distinto significa “elegante, gentil”.

Como se vê, a visão ideológica do que é “elite” está completamente deturpada pelo partido adoentado no poder.

Por outro lado, muitos fatos nos levam a crer que a maioria dos ocupantes da área VIP do estádio era composta, além dos convidados pelo próprio governo, por “doleiros, ex-presidentes e diretores de estatais, parlamentares, assessores e traficantes de drogas”. Essa é a elite que nos restou após os últimos 12 anos.

Somos favoráveis às vaias e apupos, posto que são expressões legítimas da democracia. Caso estivéssemos presentes ao jogo de abertura da Copa, não temos dúvida que vaiaríamos a soberana e seu séquito de estimação. É uma reação normal à força do ódio do partido dirigido aos cidadãos, desde que configurados como oposicionistas.

Por outro lado, ainda que hoje o ódio seja mútuo, não vemos qualquer consequência positiva em gritar palavrões e ofensas pessoais. Entendemos que essa prática deva ser abolida, pois não é a postura típica do cidadão brasileiro, além do fato de que não implicará a retirada dessas facções destruidoras, que tomaram o governo brasileiro de sua sociedade.

Será o voto de outubro que, provavelmente, terá real poder de transformação do ambiente político. Precisamos pratica-lo e fiscalizar os resultados, a despeito das dúvidas sobre a qualidade das “urnas eletrônicas“.

Assinam este texto três articulistas do blog. Somos gratos aos leitores desta catarse. Sem dúvida, consideramos necessário registra-la.