Serra da Bocaina, ideias cristalinas


Ricardo Kohn, Gestor do Ambiente.

O território brasileiro tem sua geografia cheia de pequenas montanhas, morros e morrotes, a que chamamos de regiões serranas. Elas estão presentes em vários cantos de todos os estados. É a formação geomorfológica de grande parte do Estado de Minas Gerais, que recebeu o apelido carinhoso de “Mar de Morros”.

O motivo do Brasil não possuir sequer uma potente cordilheira de montanhas não é político, mas Geológico. Seu território dormita sobre uma placa tectônica bastante calma em sua parte leste, no Atlântico Sul: a Placa Sul-americana. Por isso, sem choques entre-placas, sem terremotos, nossas montanhas não crescem diariamente e não temos nada parecido com os Alpes, os Andes e o Himalaia. Nosso Everest é o nanico e pacato Pico da Neblina (2.994 m), localizado em região serrana, ao norte do Amazonas. Isso é ótimo!

Podemos escolher qualquer região de serra no Brasil e seguir para uma estadia confortante. Acreditamos que qualquer cidadão maduro e de bom senso seria capaz de viver feliz com sua família em um pequeno refúgio de “madeira e sapê”, cravado em alguma serra do país.

Refúgio particular na Serra da Bocaina

Refúgio particular na Serra da Bocaina

A foto acima mostra uma pequena porção de terra de uma fazenda de 10 km2 (1.000 ha) adquirida na Serra da Bocaina, por Ricardo Roquette-Pinto há cerca de 30 anos, em Bananal, São Paulo, na esquina com o Rio de Janeiro.

Com pouco mais de 40 anos de idade, após adquirir a fazenda, Ricardo investiu dinheiro e mais 20 anos para torná-la produtiva. Deu em nada, pois sua declividade era elevada, o solo pobre e não se prestava para agricultura. Como ele próprio disse sobre sua atitude quando chegou pela primeira vez às terras que acabara de comprar:

─ “Com aquela arrogância do ser urbano que vem para o mato e acha que vai conseguir fazer um projeto rentável; cheguei até a criar burro. Nada deu certo”.

Mas é óbvio que Ricardo aprendeu bastante acerca de suas terras e de como usá-las de forma mais inteligente. A ponto de participar de um leilão e adquirir outra fazenda situada ao lado, com área próxima de 11 km2 (1.100 ha).

A antiga proprietária dessas terras cometera crime ambiental ao retirar Mata Atlântica nativa para produzir madeira com plantação de eucaliptos e pinos. Ricardo Roquette-Pinto extirpou essas manchas exóticas da fazenda recém-arrematada e reabilitou as áreas com espécies nativas de Mata Atlântica. Decerto, já tinha em mente o arcabouço do Projeto Águas da Bocaina. Sua aposta era que o valor de uma propriedade rural também pode ser aferido pelo volume de biodiversidade que ela contém e que há mercado para esse bem ambiental.

Sobre o Projeto Águas da Bocaina

As duas fazendas estão situadas junto ao Parque Estadual de Cunhambebe, à Estação Ecológica do Bananal, ao Parque Nacional da Serra da Bocaina e a uma Reserva Indígena. O projeto está sendo implantado apenas na fazenda adquirida em leilão e Ricardo estabeleceu os seguintes critérios e condições contratuais:

  • As terras foram divididas em 29 glebas para serem vendidas, cada uma com área entre 30 a 40 hectares.
  • Cada gleba foi registrada em cartório como RPPN (Reserva Particular do Patrimônio Natural, ou seja, área de conservação ambiental em terra privada em que o proprietário assume em caráter irreversível o compromisso de conservar sua terra).
  • O proprietário de uma gleba somente pode usar 5% de sua área para construir sua casa ou uma pousada para turismo de cunho ambiental.
  • É vedado ao proprietário de uma gleba, desmatar, cultivar o solo e criar gado.
  • O proprietário de uma gleba pode repassá-la, mas sem modifica-la, mantendo para o sucessor as mesmas condições acima.

Pelas glebas do projeto Águas da Bocaina, passeiam cotias, porcos do mato, iraras, veados e onças pardas. Sua vegetação serve de habitat para 244 espécies de aves, onze delas ameaçadas de extinção. Por ali, voam oito espécies diferentes de pica-paus, nove de aves de rapina, além de beija-flores, tiribas, saracuras, saíras, sanhaços e canários-da-terra. Todo este conjunto de flora, fauna e água dá ao projeto um aspecto de Éden perdido na região mais povoada do Brasil.

Não há dúvida de que Ricardo realiza uma das maiores iniciativas particulares de conservação da ambiental do país. Especificamente na Serra da Bocaina o projeto preserva boa parte das fontes de água que abastecem Rio e São Paulo.

Ricardo Roquette-Pinto

Ricardo Roquette-Pinto

Já foram vendidas quatro glebas. Ricardo cobra o preço médio de R$ 1,00 por metro quadrado, financiados. Isso significa que uma gleba de 40 hectares (400.000 m2) possui valor bem acessível, sobretudo para aqueles que amam o Ambiente como fundamento de suas famílias.

Todas as glebas têm água, mas pode ser de fonte, de rio ou de afluente. E há lugares em que a vista é melhor. Dessa forma, o preço poderá variar um pouco.

De qualquer forma, Ricardo diz que não venderá todas, como é o caso de uma que tem uma cachoeira que batizou com o nome de sua neta de 17 anos. Todos terão acesso gratuito a essa gleba. Há outra que também não será negociada, pois possui uma fonte de água natural para ser usada gratuitamente por todos os proprietários de glebas.

As pessoas que querem comprar glebas

Diz Ricardo:

“Tem gente interessada que não vendo, como um cara que me perguntou: ‘Quantos litros de leite vai dar o terreno?’ Nenhum, porque aqui não vai ter vaca. O argumento mais forte aqui é a exuberância da natureza. É abrir a janela de manhã e se maravilhar. Se a pessoa é casada, só posso vender se houver paz no matrimônio. Toda a família tem que gostar. Aqui é distante, não tem supermercado e manicure. Ou você gosta de mata ou vai para Campos de Jordão. Quero ter gente aqui que pensa como eu. Quando entro na mata me sinto como aquelas carolas que visitam a Basílica de São Pedro, no Vaticano: Meu Deus do céu!”.

Fotos da área do Projeto

Cachoeira do Rio do Braço

Cachoeira do Rio do Braço

O poço formado por queda d'água

O poço formado por queda d’água

Tangará (Chiroxyphia caudata)

Tangará (Chiroxyphia caudata)

O que resta da Mata Atlântica


Ricardo Kohn, Gestor do Ambiente.

No ano do descobrimento (1500), o Brasil era o magnífico espaço planetário das grandes florestas tropicais e temperadas. Basta imaginar que a Floresta Amazônica era integrada à Mata Atlântica. Da costa oriental ao extremo noroeste do território, tudo era recoberto por uma exuberante mata autóctone, primitiva e intocada pelo “homem civilizado”. Ninguém sabia o que era Mata Atlântica ou Floresta Amazônica.

Domínio de Mata Atlântica, Curitiba

Domínio de Mata Atlântica, Curitiba

Ambas formavam uma enorme mancha contínua de vegetação, ocupando uma superfície com cerca de 6.425.000 km2 da nova colônia portuguesa. Bem maior do que a área da chamada Europa Ocidental, mesmo acrescendo a área da Inglaterra, de onde partiam os veleiros dos “povos descobridores” das Américas: Inglaterra, Portugal e Espanha. França e Holanda tiveram contribuição bem menor nesses “descobrimentos americanos”.

Os colonizadores portugueses demoraram séculos para perceberem que existiam nítidas diferenças entre as duas florestas. Sobretudo, porque antes de conhecê-las iniciaram sua incontida devastação em busca de riquezas. Principalmente ouro, platina, pedras preciosas e madeira, todos com elevado valor no mercado europeu, formado por imperadores, reis e séquitos de nobres titulados e ignorantes.

A Mata Atlântica

O cenário de devastação da Mata Atlântica é anterior ao dos demais biomas brasileiros. Sua área primitiva em 1500, de acordo com estudos nacionais e internacionais, é ainda estimada em torno de 1.316.000 km².

Mata Atlântica brasileira - Imagem da NASA

Mata Atlântica brasileira – Imagem da NASA

O uso irracional do solo brasileiro pelos colonizadores, desde 1500, somente foi amenizado 300 anos depois. Assim mesmo, o motivo não era “conservacionista”, e sim a necessidade da Coroa Portuguesa em construir mais navios para aumentar seu poderio bélico. Dessa forma, foram criadas reservas de floresta (Mata Atlântica) no litoral da província de São Paulo, visando à manutenção da madeira mais adequada ao “esporte náutico” de mais interesse na época. Paradoxalmente, eram as guerras e o risco de guerra marítima.

Após a independência do Brasil nada mudou quanto ao uso de seu solo. Ao contrário, os políticos e a elite locais, agora livres de qualquer intervenção dos colonizadores, estavam em situação favorável à total exploração e aumento de suas riquezas pessoais. Assim, “surgiram do nada” inúmeras propriedades gigantescas, que refletiram um uso totalmente irracional dos recursos naturais brasileiros. A terra era tida como um recurso secundário, sendo mais vantajoso exaurir o solo em determinada área e seguir para terras adjacentes, que já estavam sendo desmatadas. Qualquer tentativa de pensar em como fazer o manejo do solo era inimaginável; afinal, tinham uma enormidade de “áreas disponíveis”, ao lado e ao redor.

Porém, foi no século XX que ocorreu a maior devastação da Mata Atlântica. Em outras palavras, em 100 anos foram desmatadas mais áreas do que nos 400 anos anteriores. Os estados de São Paulo, Paraná, Bahia e Espírito Santo lideram o ranking de desmatamento desse bioma, sempre mantendo a tradição lusitana: por força de interesses econômicos.

Segundo estimativas nacionais, hoje apenas restam no Brasil cerca de 100.000 km2 do bioma Mata Atlântica, ou seja, 7,6% da mata primitiva. Mesmo assim, nem sempre contínua. Há muitas ilhas e fragmentos de mata secundária distribuídos por áreas do litoral ou mais internas, que um dia foram fisionomias deste bioma, mas que são considerados, de forma errada, como áreas remanescentes de Mata Atlântica.

Na verdade, são áreas alteradas pelas atividades humanas, em estágios variados de secundarização, repletas de espécies florísticas invasoras e oportunistas. Os otimistas 7,6%, infelizmente, talvez devam estar reduzidos para 6 ou 5% do bioma original.

Fisionomias do bioma Mata Atlântica

A variedade das “aparências” ou “fitofisionomias” da Mata Atlântica é explicada pelo fato de ser composta por uma série de ecossistemas distintos e interativos. Esses sistemas ecológicos são resultado das características edafo-climáticas das regiões onde ocorrem. Ou seja, clima, água, solo e nutrientes são fatores que possibilitaram a criação científica de classificações distintas para a mesma mata, chamadas de Fitofisionomias da Mata Atlântica:

  • Floresta Ombrófila Densa;
  • Floresta Ombrófila Aberta;
  • Floresta Ombrófila Mista;
  • Floresta Estacional Decidual;
  • Floresta Estacional Semi-decidual;
  • Mangues;
  • Restingas;
  • Campos de altitude.

Seguem imagens de algumas dessas fitofisionomias.

Floresta ombrófila densa, Serra do Mar

Floresta ombrófila densa, Serra do Mar

Floresta ombrófila mista no Parque Nacional de Aparados da Serra

Floresta ombrófila mista – Parque Nacional de Aparados da Serra

Manguezal no litoral de Pernambuco

Manguezal no litoral de Pernambuco

Campo de altitude no Pico da Bandeira, no Espírito Santo

Campo de altitude no Pico da Bandeira, Espírito Santo