Ensaio sobre a demência


Ricardo Kohn, Escritor.

A primogênita, depois de implantar, com sucesso, o Programa de Aceleração de Cuba (PAC), mesmo com o enorme esforço realizado pelos aparelhos do partido, após haverem agredido, violentado e maculado a moral de seus oponentes, perdeu a desgraça da eleição. Perdeu poder e aleijou seu séquito de vassalos partidários.

Foi dessa forma que se alevantou a grande tsunami de ódio e desespero dos áulicos que a cercavam. Afinal, haviam planejado uma infinidade de “novos negócios” para os próximos anos, previram ganhar “fortunas hediondas”, mas tudo ruiu por terra com a derrota acachapante.

Só de pensar como ficara o fluxo de caixa do partido, eles sentiram desvarios. Um dos áulicos enfurecidos, enquanto lhe esfregava promissórias ao nariz, disse-lhe:

─ “Olhe bem o que você fez, sua tapada! Estourou nossa conta de Propinas a pagar’. Destruiu doze anos de trabalho, idiota, imprestável!”

Assim teve início a tempestade colossal, que se formou no seio do aparelho central do partido, seguindo em direção do povo, com ventos de 450 km/hora. Um tornado classe F5, destruidor de famílias, empregos, salários, enfim, tudo o que se encontrava em sua trilha, estimada pelo medieval da economia com 500 quilômetros de largura. Uma hecatombe nacional.

Abateu-se sobre o país um terror jamais narrado na história. A primogênita insultada, ordenou que seu motorista a levasse rápido para a residência oficial, na granja. Apavorada estava com o F5, mas tinha que “organizar seus badulaques”. Coisas como escovas de cabelo, perfumes, “desencravador” de unhas, bolsas de cromo alemão que comprara em Paris e 150 mil dólares.

Por precaução, a primogênita idiota sempre manteve um dinheirinho em casa, para arcar com eventuais despesas de sua família. “Afinal, nunca se sabe como será o F5 de amanhã”.

Vale recordar que seu antecessor, quando se afastou de seu ninho, na mesma granja, teve uma frota de caminhões blindados à sua disposição para levar coisas, que jurava serem legítima propriedade de sua família. Até mesmo objetos recebidos na granja há mais de duas décadas. Comparando-se os dois, conclui-se que a primogênita cometeu bobagens insignificantes. Talvez apenas os “dólares sob o colchão”.

Mas o F5 continuava a se propagar por cidades e campos. Era tão furioso, que criava filhotes gigantes e zangados em todas as direções. Seu rugido era audível a centenas de quilômetros. Por esse fato, as pessoas que estavam fora de sua trilha, não sabiam aonde deviam se abrigar da eminente destruição. Parecia que a fúria dos elementos se abatia sobre o povo.

A primogênita subiu ao poleiro mais alto da granja para admirar o que acontecia. Descortinou a completa destruição de tudo nas redondezas. Sentiu-se culpada por ter perdido as eleições. Tal como uma soberana desastrada, considerava-se a Majestade Real das desgraças que se acometeram a seu povo. Talvez em parte estivesse certa.

Stop corruption!

Stop corruption!

Foi então que, ainda refastelada sobre o poleiro, lembrou das promissórias esfregadas em sua face. Ficou desorientada, perdeu o rumo, sem saber como resolveriam a conta de “Propinas a pagar”. Mas concluiu que precisava assinar decretos para exonerar os 40 medievais de seu governo. E assim foi feito. Com essa decisão executada, decerto se pouparia de enfrentar mais escândalos, pensava a primogênita desmiolada.

Contudo, foi nesse momento de extrema solidão, que lembrou haver uma série de atos de corrupção ainda não descobertos. Apavorou-se e ficou em pânico: se de um lado serviriam para zerar as “Propinas a pagar”, de outro, após comprovados, provocariam outro F5 ainda mais infernal. Foi assim que enlouqueceu no poleiro. Suas penas desobedientes começaram a voar para a liberdade, por assim dizer.

Em seguida, recebeu um telefonema de sua assessoria, comunicando que o aparelho central do partido acabara de ser destruído pela caterva inimiga. A tremer, feder demais, a primogênita demente viu de seu poleiro que hordas de povo já cercavam a granja. Notou que tinham atitude ameaçadora. “Para que tantas foices e martelos“, pensou…

Precisava fugir, mas fugir para aonde, estava cercada no meio do nada! Foi então que, num último lampejo, lembrou-se do apartamento de luxo que uma “empreiteira camarada construíra no subsolo da granja. Claro que sob suas ordens e a seu gosto. Pois, alçou voo naquela direção. Lá ficou, com delírios de derrotada, por três dias a se aculturar: via novelas e assistia jornais amigos da televisão.

Depois, já trajando sua normal atitude autoritária e arrogante, a primogênita decidiu que permaneceria a viver no subsolo do novo governo. Conhecera “subsolos” na juventude. Não se afastaria do poder. Afinal, de acordo com seu vício, descobrira como roubar alimentos no galinheiro da granja e nunca ser descoberta.

Sobre o futuro? Ah!, pensaria depois, como sempre fez na vida.