Ambientologia


Ricardo Kohn, Gestor do Ambiente.

Há algumas décadas é observado o aumento das preocupações do homem com o destino da Terra. Não por força de agentes cósmicos, externos ao planeta; mas pela ação desastrada de atores internos. Mesmo o “homem comum” – aquele que não adquiriu conhecimento sobre a dinâmica do ambiente da Terra –, com ímpetos de solidariedade ao próximo, arrisca palpites e soluções caseiras, que chama de “sustentáveis”.

A dinâmica da Terra resulta de sua estrutura física e de sensibilidades nela identificadas por diversas ciências. Sobre essa dinâmica já foram publicadas toneladas de literatura científica e analítica. Contudo, todas são obras específicas; seus autores tratam o ambiente através dos espaços e segmentos que conhecem. Por exemplo:

  • No espaço físico tratam da climatologia [meteorologia], hidrologia, oceanologia, geomorfologia, geologia [vulcanologia], geotecnia, pedologia, qualidade físico-química da água, etc;
  • No biótico abordam a ecologia, a qualidade biológica da água, vegetação, botânica, fitossociologia, mais as várias classificações da fauna silvestre [mastofauna, avifauna, primatofauna, herpetofauna, ictiofauna, entomofauna, anurofauna, malacofauna, etc];
  • No antropogênico discorrem sobre a demografia, economia, educação, saúde, uso e ocupação do solo, infraestrutura logística, infra de transporte, segurança, arqueologia, cultura, sociologia e antropologia, dentre outros.

Cada profissional dessas áreas oferece uma explicação um tanto limitada para a dinâmica do ambiente. Mas não há dúvida que a ênfase dessa explicação resulta da formação acadêmica que cada autor recebeu, bem como do tempo de experiência que dispendeu em trabalhos específicos.

Adoto um conceito para Ambiente[1] (nota de rodapé) que mostra o que é necessário para entender e prever o comportamento da Terra ou de qualquer de suas áreas e regiões.

Dessa forma, com base em experiências pregressas na execução de trabalhos ambientais, creio ser complexo produzir uma boa visão global da dinâmica aleatória do ambiente. Ou seja, diagnosticar os processos que nele ocorrem, bem como ressaltar seus aspectos essenciais.

Ao longo dos últimos 30 anos, o melhor relatório-produto que pude ler nesta matéria, foi obra de uma rara equipe técnica, composta por 40 consultores. Por sinal, muito bem gerida pelo saudoso e memorável engenheiro, o também oceanógrafo, Fernando Penna Botafogo Gonçalves, a partir de 1986.

Nossa equipe, por definição, teria de ultrapassar sérios obstáculos para obter os resultados esperados pela chefia, tais como:

  • O estudo a ser realizado era para o projeto executivo[2] de uma Usina Hidrelétrica, a ser construída na Amazônia;
  • Nenhum de seus membros havia participado antes da elaboração de qualquer estudo ambiental, inclusive o mestre Botafogo, chefe da Divisão;
  • Apenas três dos 40 profissionais contratados conheciam-se entre si. Os demais eram desconhecidos, estranhos no ninho;
  • A maioria da equipe era recém graduada, sem experiência de trabalho na consultoria. Contudo, quatro dos inexperientes tinham curso de pós-graduação completo.

Em tese, minha função era assessorar a Botafogo: na programação das tarefas da equipe; na gestão dos trabalhos de campo; na análise dos resultados obtidos; e na integração dos relatórios produzidos pelas chefias dos setores físico, biótico e antropogênico.

Digo, em tese, por que isso não ocorreu “conforme combinado”. Posso explicar. Com calma e competência, Fernando arregaçou as mangas e assumiu a liderança direta dos trabalhos. Foi a campo aprender como deveriam ser realizadas as campanhas na mata amazônica e quais seriam as fórmulas para diagnosticar a dinâmica daquele ambiente. Por fim, delegou várias missões a cada membro de sua equipe.

Fazenda Boa Vista, tomada da Pousada

Com essa delegação, realizada à vera, a equipe foi obrigada a compartilhar conhecimentos; todos passaram a se auxiliar mutuamente, ou seja, a trabalhar juntos. Assim, em apenas três meses, os desconhecidos tornaram-se uma família de trabalho.

Entretanto, quando tudo entrava nos eixos, o Engo. Botafogo mudou minhas atribuições no trabalho. Disse-me que, dado meu interesse em elaborar metodologias e modelos, gostaria que eu trabalhasse no desenho de um Modelo para Avaliação e Gestão de Impactos Ambientais, desde que produzisse resultados consistentes.

Após quase dois anos de desenvolvimento, o modelo foi consolidado e ganhou o apelido de ‘MAGIA’. Funciona até hoje, tendo recebido ajustes e vários adendos. Por fim, tornou-se um livro técnico, a ser lançado em 30 de junho deste ano. Falo sobre isso ao final deste artigo.

Mas não criamos a Ambientologia

Trabalhei com Fernando Botafogo na consultoria de projetos, em várias empresas, desde 1972. Junto com nossas famílias, pudemos construir uma sólida amizade. A meu ver, tornou-se o irmão mais velho, dono de criatividade profissional que a todos impressionava.

Por volta de 1990, estava em sua casa de pescador, na lagoa de Araruama, quando iniciamos uma conversa sobre as inúmeras “logias” que os estudos ambientais requerem para serem elaborados, tais como: climatologia, hidrologia, geologia, geomorfologia, pedologia, ecologia, limnologia, fitossociologia, sociologia, arqueologia e assim por diante.

Sem assumir compromissos, nossa ideia era pensar sobre a possibilidade de existir uma ciência que fosse capaz de reunir o conhecimento de todas as Ciências do Ambiente. E foi entre areia, sal e as conchas secas da lagoa, que Botafogo encerrou a conversa:

─ “Ricardo, haveria de ser uma ciência imensa. Raciocine comigo: para uma equipe de 40 pessoas, só no curso da graduação os alunos teriam de estudar durante 160 anos! De toda forma, sugiro que tenha como títuloAmbientologia’. É justo para que essa inteligência tão desejada seja elaborada um dia. Todavia, preste atenção: que eu saiba, ainda não é possível desenvolve-la”.

Pensei nessas palavras durante mais de uma década. Concordei que 40 cursos de graduação demandariam, no mínimo, 160 anos para serem concluídos. Além disso, sem considerar o tempo de vida médio do ser humano (estimado em 79 anos), creio que são raros aqueles dotados de capacidade cognitiva para absorver tanta ciência. E mais raros ainda, se é que existam, os que conseguiriam integra-las em uma única ciência ambiental.

Até onde consegui chegar

De toda forma, segui a trabalhar no desenvolvimento de metodologias para aplicação no setor ambiental. Desejava oferecer a meus clientes novas soluções práticas, de preferência menos custosas e mais rápidas em gerar resultados.

Mas somente em 2012 notei que já houvera elaborado uma boa quantidade de abordagens teóricas e as aplicara com sucesso no mercado consultivo (Brasil, Chile, EUA, Espanha e Itália). Entendi que podia ser boa hora para publicá-las em um livro.

Assim, perguntei a Antônio Carlos Beaumord, um velho amigo dos anos 80 – então com título de “Doctor of Philosophy in Ecology, Evolution and Marine Biology” –, o que deveria fazer para conseguir uma editora que publicasse meu livro. A obra tinha 737 páginas de papel A4, organizadas em 18 capítulos.

A princípio, Beaumord me disse que seria mais fácil verter o livro para o inglês e publica-lo na Califórnia! Lá ele tinha diversos parceiros acadêmicos, que conhecera durante o doutorado. Nos Estados Unidos é normal que um professor se disponha a auxiliar na 1ª edição de bons livros técnicos, disse-me ele.

Porém, após ler os manuscritos, concluiu que tanto a envergadura do trabalho, a profundidade da narrativa, o nível de detalhes no tratamento das metodologias, os estudos de caso reais apresentados, bem como a qualidade pedagógica, dotavam o livro do mérito necessário para ser publicado:

─ “Sem dúvida, trata-se de trabalho que pode se tornar livro texto em cursos superiores sobre a Gestão do Ambiente e da Sustentabilidade. Atende aos preceitos da Academia, seja a brasileira ou a norte-americana”, ponderou o Professor Beaumord.

Edição e publicação do livro

Mas foi através da iniciativa do Professor Padilha, então membro do Centro de Conhecimento em Exatas e Engenharias da UESA, que a possível edição de meu livro teve início em 7 de novembro de 2013. A Editora LTC – Livros Técnicos e Científicos, a pedido do “Mestre Padilha”, recebeu-me para uma conversa acerca das finalidades de meu manuscrito.

A Diretora Editorial da LTC, Professora Carla Nery, conduziu a reunião. Recordo-me que me foi solicitado responder ao “Formulário para Proposição de Obra“. Conforme acordado, junto com o formulário preenchido, enviei informações complementares: meu currículo profissional, a visão do mercado potencial do livro, a análise de pontos fortes e fracos da obra, das ameaças e oportunidades potenciais previsíveis, as formas de solução, etc.

Em 28 de janeiro de 2014 recebi a grata notícia de ter meu trabalho aprovado para publicação pela Editora LTC. Surpreendeu-me. Sim, por que nunca passara por um processo editorial analítico daquela qualidade, com tantas exigências. Por fim, pelo fato de editar e publicar no Brasil, com elevado padrão de excelência, sem arcar com qualquer custo.

Enviei à editora os originais do livro ao longo do mês de março de 2014. Cumpri com todos os padrões e a sequência editorial por ela estabelecidos: caderno-zero; 18 capítulos; e caderno pós-texto. Desde então mantenho contato com as coordenações que trabalham no processo de produção do livro. A primeira previsão de lançamento da obra ficou para trás, em setembro de 2014. A segunda, não aconteceu como prevista, em março passado. A terceira, que deve finalmente ser cumprida, soube que está garantida para 30 de junho de 2015!

E este será meu próximo livro: “Ambiente e Sustentabilidade – Metodologias para Gestão”. Rio de Janeiro, RJ, Editora LTC – Livros Técnicos e Científicos. 650 pg. 1ª Edição”.

Após 42 anos de trabalho na consultoria de estudos e projetos, enfim descobri que a Ambientologia, como apelidada por Fernando Botafogo, não é uma ciência ambiental em si, tal as demais. Mas é uma sólida teoria, capaz de gerir a aplicação simultânea de todas as Ciências do Ambiente. Quatro anos de estudo dedicado são mais do que suficientes para seu pleno aprendizado.

……….

[1] Ambiente é qualquer porção da biosfera que resulta de relações físicas, químicas, biológicas, sociais, econômicas e culturais, catalisadas pela energia solar, mantidas pelos fatores ambientais que a constituem (ar, água, solo, flora, fauna e homem). Todas as porções da biosfera são compostas por distintos ecossistemas, que podem ser aéreos, aquáticos e terrestres, bem como devem ser analisados segundo seus fatores físicos [ar, água e solo], bióticos [flora e fauna] e antropogênicos [homem e suas atividades].

[2] Quero destacar um fato que considero de expressiva importância. Nos idos dos anos 60, 70, 80 e 90, século passado, projetos executivos eram desenvolvidos por empresas de engenharia consultiva. As empreiteiras se limitavam a construir e não “obravam” sem eles. O Brasil ainda operava como os países mais preparados para o desenvolvimento da “engenharia de precisão”.