A Toupeira


Simão-pescador, Praia das Maçãs.

Simão-pescador

Simão-pescador

As incontáveis espécies de toupeiras existentes no mundo chamaram-me a atenção, em especial pelas correlações positivas que encontrei ao compara-las com os seres humanos idiotas. Que me perdoem as toupeiras. Decidi ler um pouco sobre elas, mas não encontrei na biblioteca de casa um texto que as descreva e explique.

Após aguardar um mês, recebi da Universidade de Coimbra algumas anotações que solicitara. Falam de forma geral sobre a Família Talpidae. Fiz algumas observações e organizei-as a meu gosto para redigir esse artigo.

Vamos lá. A ciência garante que a classificação taxonômica das toupeiras em geral pode ser esta:

  • Reino: Animalia.
  • Classe: Mammalia.
  • Ordem: Soricomorpha.
  • Família: Talpidae.
  • Nome vulgarToupeira; Dilmanta; etc.

Como as anotações as identificavam superficialmente, detive-me em duas espécies, pois as achei com “sotaque de besta política”: a toupeira-nariz-de-estrela e a toupeira-gigante. Segue o breve relato do que conclui, enquanto bebia alguns golos de bagaceira para esquentar…

A toupeira-nariz-de-estrela (Condylura cristata) é um mamífero que vive em túneis e galerias subterrâneas que ela própria cava com suas garras fortes e afiadas. Esse bicho é notável pelo extremo olfato que detém. Seu nariz é repleto de apêndices, como se fossem pequenos tentáculos de molusco. São horríveis aos nossos olhos, mas servem como órgãos sensoriais do tato da “estrela”. Assim, ajudam-na a guiar-se no escuro dos túneis e galerias que esburaca durante a vida toda. A “nariz-de-estrela” usa tentáculos também na procura de alimentos, já que, como todas as espécies da família, é cega tal como as portas. Enfim, foi o mamífero mais atordoante que pude encontrar. Encontrei-as apenas uma vez na vida, na Península Balcânica, região da Sérvia.

A horripilante toupeira

A horripilante toupeira

A “estrela” tem “tamanho de merreca”, entre 15 a 20 centímetros de comprimento; seu pelo é oleoso, à prova d’água; traz uma cauda longa, acoplada num corpo cilíndrico. Vive próxima a rios e lagos, pois, além de cavadora obstinada, é uma estranha nadadora. Olhe a foto acima e imagine esta nanica extravagante em pleno nado livre. Ugh!Desculpe-me, é a bagaceira.

Em suma, a “nariz-de-estrela” habita certas regiões frias da Europa e da Ásia; possui hábitos noturnos e diurnos. Além disso, é ativa durante todo o ano, já que não “comete a hibernação”, se é que me entendem. Contudo, sua alimentação consiste de pequeníssimos insetos e larvas. É por isso, creio eu, que a “estrela” vive esfomeada. Esfalfa-se, alimenta-se mal, porém, ainda assim, não é uma espécie ameaçada. Difícil mesmo é encontrarmos com ela; anda desaparecida.

A toupeira-gigante (Talpa elephus[1])

Há severas dúvidas se a Talpa elephus realmente habita regiões brasileiras ou se é apenas uma horrenda imagem, desenhada para jogos de aterrorizar crianças. Recebi uma foto, mas não vou publica-la. Precisaria ter certeza de que essa coisa demente existe. Mesmo assim, sigo a descreve-la, sem cometer exageros, acreditem.

Características físicas. A toupeira-gigante mede até 1,40 metro de altura, com peso médio em torno de 130 kg. Não possui cauda, mas tem corpo cilíndrico, com ligeiro aumento da circunferência no meio do corpanzil. Em suma, é baixa, pesadíssima, gordurenta e detesta lagos. Por isso – falta-lhe banho –, é muito fedorenta.

A Talpa elephus pertence à classe dos quadrúpedes; porém, quando sofre ataque de predadores, faz inacreditáveis carreiras em duas patas, sempre a soltar seu odor fétido peculiar, capaz de enojar até mesmo hienas esfomeadas. Esta é sua principal arma de defesa para sobreviver, junto com seus enormes dentes centrais, ostensivamente ameaçadores.

Outra característica que julgo curiosa é o facto que gosta de vestir-se tal como se fosse gente. Dizem certos estudiosos que prefere usar vestidos ou saias. Talvez seja pelos grunhidos que emite, inaudíveis à audição humana, que os confunde com palavras e frases desconexas. Acho estranho, mas não posso confirmar. Afinal, nunca estive a conversar com um exemplar da “elephus falante“.

Habitat preferencial. Esta toupeira, embora goste de viajar, não vive bem em clima frio, a menos que esteja a usar proteções sobre o corpo cilíndrico. Por isso, suas áreas de ocorrência são cidades situadas no território brasileiro. Das anotações que recebi transcrevo essa parte: “Por ser um animal muito solitário, com hábitos domiciliares [tal as ratazanas], a toupeira-elefantasomente divide seu espaço com Talpas que tenham faro similar ao dela”.

Alimentação. Similar à “nariz-de-estrela”, possui faro muito aguçado. Todavia, não o usa para encontrar alimentos normais à sua família, mas sim para farejar caixotes de dinheiro a grandes distâncias. Segundo informações que recebi, houve espécimes ancestrais da “elephus” que se dedicaram “a assaltar residências e bancos” para amainar sua fome insaciável. Nesse aspecto ela se confunde com a “nariz-de estrela”: quer comer 24 horas por dia, mas só lhe sobram pequeníssimos restos.

Reprodução. “Todas as Talpa elephus são fêmeas hermafroditas”, afirmam as anotações de Coimbra. E dizem mais, “por serem muito arbitrárias, este facto condiz com sua decisão pela solidão autoritária e despótica”. Dessa forma, deduzo que se reproduzam pouco e a sós. Quiçá, em sessões de masturbação frente ao espelho.

Isso explica o facto de a Talpa elephus ser uma espécie faunística que enfrenta forte processo de extinção. E não é motivado pela fome de seus predadores, mas por suas atitudes idiotas: opta pela “solidão autoritária e despótica”.

Habilidades. Não recebi qualquer informe acerca das “habilidades da toupeira-elefanta”. Não me parece razoável que possa existir um animal silvestre desabilitado por completo. A ser assim, embora bastante cansado, decidi especular sobre o assunto, com base na lógica e na bagaceira.

Em resumo, essa criatura, ainda que hostil, possui três dotes naturais que a habilitam a ser uma política no Brasil:

  • Pode fazer bons discursos de palanque, a emitir seus grunhidos desconexos. Basta arreganhar a bocarra, mostrar a alegria na dentuça e ser adestrada para ter um bom gestual.
  • Como gosta de olhar-se em espelhos para procriar, um bom adestrador pode treina-la em bons modos, gentilezas, serenidade e convívio social. Assim, acompanhará seu próprio adestramento.
  • Em caso de desagrado da plateia, já é habituada a fugir com celeridade. Pode fazê-lo vestindo saias e acenando para seus predadores a fingir alegria.

Minha garrafa de bagaceira ousa dizer-me que a ciência terá um vasto campo de pesquisa e descobertas se fizer um criatório controlado de toupeira-elefanta. Depois dessa, com licença e boa noite. Vou dormir no barco.

Ugh! Matei o último litro da Adega Velha!

……….

[1] Como não descobri o nome científico desta espécie, para o texto não ficar um tanto “rasteiro”, sugeri o nome Talpa elephus que, em tradução literal, significa “toupeira-elefanta”.