A cenoura do futuro


Várias fábulas do folclore brasileiro foram e são utilizadas para hilarizar as relações mantidas entre os que mandam e aqueles que os obedecem. Famílias as contavam para seus filhos; políticos, a pacíficos eleitores; treinadores de circo as aplicavam em animais menos amestrados.

Uma delas narra que Seu Diomedes, um rico fazendeiro do sudoeste baiano, estava montado em seu jegue, obstinado para chegar à sede de sua fazenda. Mas o jegue era muito teimoso e empacava diante de qualquer circunstância: o solo enlameado, uma distância que perdia de vista, o calor que lhe era insuportável ou uma subida mais íngreme.

Conta a fábula que Diomedes tentou de tudo para dissuadir o jegue a andar. Usou seu chicote a mais não poder, deu choque elétrico no bicho, garfou sua anca com tridente, bateu com as mãos espalmadas em suas orelhas, mas nada. O animal permanecia parado, como um poste de quatros patas cravadas ao solo. Só passava a andar quando Diomedes desmontava e, com gentileza, puxava-o pelas rédeas de maneira a não impor seu comando.

Até que um dia, já cansado de arrastar o jegue para lá e para cá, Diomedes resolveu contratar um notório especialista em jegues. Estava disposto a pagar o que fosse, mas queria a solução definitiva para o problema.

Após assistir a uma rápida demonstração da inércia do jegue, Mr. Smith, o especialista, fez sua proposta ao fazendeiro:

─ “Primeiro preciso fazer um diagnóstico dos hábitos do seu jegue. Depois, meus assistentes irão testa-lo comequipamentos especiais’, farão o relatório do problema, com o resultado dos testes e a solução encontrada”.

O fazendeiro concordou com tudo; acenava que sim com a cabeça. Afinal, precisava de uma solução para seu burro-de-carga preferido.

─ “Sr. Diomedes, eu cobro R$ 2.800,00 por dia de trabalho. O senhor compreende que não tenho como estimar o custo total do seu investimento. Vai depender do tempo necessário para que o jegue aprenda a não empacar”. Assim foi assinado o contrato de serviços.

Em seguida, Smith e dois assistentes mudaram-se para a fazenda. Ficaram na casa de visitantes, afastada 2 km da sede. Diomedes estava curioso pelos resultados mas, por contrato, fora proibido de acompanhar os trabalhos. Sua presença, de acordo com um dos assistentes, fortaleceria a indolência do jegue.

Em todas as manhãs Smith e equipe faziam um farto desjejum na suntuosa sede da fazenda. Diomedes os recebia com calor familiar, mas sempre a pedir informações sobre como o jegue se comportara no treinamento. Durante os primeiros 45 dias a resposta foi sempre a mesma: ─ “Com ou sem cavaleiro, ele anda dois, três metros e depois empaca”.

Passados mais de três meses e, por fim, Smith trouxe boas notícias matutinas para Diomedes, que continuava ansioso para ouvi-las.

─ “Sr. Diomedes, seu jegue começou a demonstrar que pode ser induzido a andar através de estímulos alimentares, compreende?

O especialista fez uma longa preleção sobre o uso do cacau verde para a alimentação sadia do grupo de muares. O fazendeiro não entendeu muito bem. De fato, nada além de acreditar que acabara de “receber uma boa notícia”. Mas ficou feliz assim mesmo e homenageou seu jegue, apelidando-o carinhosamente de Pafúncio.

Ao fim de 5 meses de trabalho árduo, durante um café da manhã, Smith informou, por fim, que havia descoberto o melhor motivador para manter serena a andadura de Pafúncio; faltava fazer apenas os testes finais para confirmar sua fluência e continuidade.

Após esse rápido comunicado, nunca mais compareceu ao café da manhã. Diomedes ficou alarmado, a andar em círculos na sede da fazenda. Por contrato, concordara em não assistir aos treinos de Pafúncio. Mas, caramba, precisava saber o que estava a acontecer.

Visita furtiva

É antiga a fábula do jegue e a cenoura que brilha diante de seu focinho, presa à ponta de de uma linha presa ao bambu; uma espécie de caniço de pesca. A cenoura nunca é alcançável pelo jegue enganado, que anseia por se alimentar. Assim, torna-o capaz até de trotar, mesmo com uma boa carga sobre o lombo. Foi isso que Diomedes viu acontecer na pradaria da fazenda, diante de seus olhos.

Smith, montado em Pafúncio, a balançar uma cenoura à frente do nariz do animal esfomeado. Em pleno sol da manhã, o “especialista” dava gritos de alegria e Diomedes custou a entender o porquê. Mas acabou por perceber que, pelo contrato que assinara, já devia mais de 420 mil reais àquela trinca de espertos.

Apesar da vontade de abate-los a tiros, aquietou-se e retornou pela bela trilha da Cordilheira do Espinhaço até sua casa. Tomou um bom banho de cachoeira, esfriou a moleira, e ninguém soube do ocorrido. Nem mesmo seus familiares.

Recanto de paz na Cordilheira do Espinhaço

Recanto de paz na Cordilheira do Espinhaço

A fábula na prática

Na vida real as cenouras representam alvos, metas a serem alcançadas pelas pessoas. Porém, são elas mesmas que definem quais devem ser suas “cenouras esperadas”, sempre compatíveis com a competência que detém para obtê-las. Isso ocorre na democracia, é direito inalienável da população em um país liberal democrático.

Entretanto, quando um governo intervém nessa escolha, impõe a seu povo os limites que lhe interessam, define os caminhos obrigatórios a serem seguidos, ou se está diante de uma ditadura ou o governo acredita que dá ordens a uma “população de Pafúncios”.

Assim tem sido o Brasil dos últimos 12 anos. O cidadão brasileiro é tratado como um Pafúncio toda vez que o poder central abre a boca para descrever a “excelência” de seu governo e prometer novas cenouras: crescimento do PIB, controle da inflação na meta, superávit da balança comercial, queda expressiva da dívida pública, crescimento do setor industrial e, pasmem, combate à corrupção!

Logo a corrupção, especialidade da seita que comanda o país e acredita que vai permanecer por pelo menos mais 12 anos!

Mas há outra fábula conhecida por muitos. Nela, um chinês chamado Confúcio fala a um político desinformado, que acabara de fazer um discurso, acenando “cenouras futuras” para seu curral de pafúncios. Ao cabo do estardalhaço do político, com calma e elegância, Confúcio propõe algumas correções no discurso que acabara de assistir:

─ “Encíclica não é bicicleta de uma roda só; Epístola não é a mulher do Apóstolo; Annus Domini não é o cu do Papa e Pafúncio é a puta que vos pariu”.

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