Sete bilhões de sonhos e um planeta: consuma com cuidado


Por Ricardo Kohn, Escritor.

Há cerca de 12.000 anos, final da Idade da Pedra, os homens reuniam-se em grupos, a vocalizar entre si para tentar o cerco do alimento: outros animais vivos. Traziam às mãos artefatos que produziam para a caça e a luta. Abatiam os animais necessários à alimentação e guerreavam contra os grupos que julgavam ser inimigos, pois teimavam em invadir sua área de caça. Todos eram nômades, formados por “caçadores-coletores”.

A síntese acima contém elementos capazes de mostrar que, além de ser membro da fauna pensante, apesar da comunicação precária, o homo sapiens já possuía certa habilidade de “planejar ações imediatas” para grupos de hominídeos similares a ele.

Dessa forma, acredita-se que o processo de estruturar e executar ações quase organizadas, é nativo dos humanos, intrínseco à sua origem como espécie evoluída de primatas no planeta. A inteligência sempre esteve presente em sua árvore genética.

A ser assim, pode-se inferir que o homem pré-histórico já pensava de que maneira poderia sobreviver no ambiente do planeta. Era como se construísse em seu cérebro um “plano ambiental” de curto prazo, com base em habilidades intuitivas. Tudo leva a crer que, por agir dessa forma, conseguiu manter-se como “espécie faunística não ameaçada” até os dias atuais, na figura do “homem de terno e gravata”: o homo sapiens moderno.

Para este artigo, a questão que se impõe é a seguinte:

Por quais motivos as ações realizadas pelo homem pré-histórico eram similares às de umgestor do ambiente”?

A resposta empírica a esta pergunta considera que o Homem, em qualquer tempo de sua história, somente permanece a existir, a partir das relações que mantem com o ambiente. Por isso, sempre elaborou e executou ações para recolher e transformar “bens ambientais finitos”.

Entretanto, esse processo de transformação intensificou-se com o tempo, função da crescente população humana e do anseio consumista. Cada vez menos, o ambiente do planeta foi tido como essencial à vida humana. Embora o homem seja parte do ambiente e precise dele para sobreviver, já é antiga a visão de que necessita ocupar mais espaço na Terra e mercantilizar seus bens ambientais primitivos: tornou-se um “caçador-extrator”. Hoje chama de “recursos naturais”, bens que são gratuitos e próprios do ambiente. Diz que são “recursos com valor monetário”.

Onde vivem os que consomem o planeta

Onde vivem os que consomem o planeta

As lições da estratégia de guerra formuladas por Sun Tzu, constante de seus escritos em “A Arte da Guerra”, datadas de 2500 anos atrás, têm abordagem ambiental. Os planos militares que as sucederam, ainda hoje, dão ênfase ao que o General Sun Tzu chamava “conhecimento do terreno”, ou seja, do ambiente.

Seguiram-se os planos empresariais, com vistas a remunerar a empresa pelos produtos e/ou serviços que oferece ao mercado – o que equivale às ações de alimentação do homem pré-histórico –, bem como “guerrear no mercado com suas concorrentes”. Todavia, sem armas, somente por meio da inovação e produtividade.

Da mesma forma, muito embora sem guerras, com vistas a manter estáveis os sistemas ecológicos que compõem o ambiente, o homo sapiens moderno criou Planos para a Gestão do Ambiente. Uma de suas finalidades é otimizar o desempenho de empresas produtivas, sobretudo, nas relações que realizam com os espaços físico, biótico e antrópico do ambiente.

Afinal, enquanto as empresas produziram, baseadas em planos particulares, não pensaram na estabilidade dos ecossistemas, de onde se apropriaram de bens a eles vitais. Com visão egocêntrica, consomem o ambiente de forma adversa, não raro conduzindo-o a níveis de total degradação de seus bens ambientais.

Cabe ao Homem moderno saber até onde pode consumir o Ambiente Finito do Planeta. Até por que, o valor dos atuais sete bilhões de sonhos é prisioneiro absoluto dessa finitude.

Gestão de Fazendas


Por Ricardo Kohn, Cláudia Reis e Itamar Christófaro

Introdução

Há uma ampla literatura sobre como realizar a administração de propriedades rurais. Trata, basicamente, das técnicas agropastoris e de planos empresariais para ampliar resultados econômicos em fazendas de maior porte. Mas esse não é o foco dos artigos que se tenciona publicar neste blog.

Na realidade, este primeiro ensaio visa apenas à introdução do “Ambiente” como uma variável de expressiva relevância nas atividades e práticas de subsistência por parte de pequenos produtores rurais. Ou seja, como famílias subsistem no campo, realizam a produção rural e mantém a qualidade do ambiente que as abriga.

Vista do terreno na Fazenda Boa Vista, Bocaina de Minas

Vista do terreno na Fazenda Boa Vista, Bocaina de Minas

Assim, na sequência dos artigos, serão abordados usos alternativos de fazendas com área de até 20 hectares, visando a atender a necessidades familiares, mas conforme as limitações naturais do espaço ambiental disponível. Por sinal, este espaço fica circunscrito ao terreno da fazenda, acrescido dos de seus vizinhos imediatos.

As limitações naturais são simples e assim resumidas: as dimensões da fazenda; seus tipos de relevo; as declividades ocorrentes; a natureza de seus solos e rochas; os cursos d’água que a atravessam e lagos; sua cobertura florística; a fauna silvestre nativa; suas vizinhanças imediatas; e as áreas de terreno expostas ao clima.

A ocupação e uso de qualquer espaço ambiental deve atentar para os riscos que as limitações acima podem acarretar ao fazendeiro, sua família e eventuais parceiros de produção rural. Todas as limitações são próprias dos chamados “recursos naturais”, como componentes do espaço ambiental.

Porém, segundo esta proposta, “recursos naturais não existem”, sobretudo, se forem explorados pelo homem visando tão-somente à sua provisão econômica, mesmo que lícita.

Entretanto, no lugar de recursos naturais exploráveis, existem os valiosos bens ambientais, que estruturam ecossistemas estáveis e, através da troca sistemática de matéria e energia, relacionam-se de forma espontânea. Assim criam o Ambiente e sua dinâmica, abrigo de todos os seres vivos, inclusive os familiares do fazendeiro.

Cogumelo silvestre, um "bem ambiental" nativo

Cogumelo silvestre, um “bem ambiental” nativo

A expressão “bem ambiental” não é tecnicamente utilizada. Porém, traduz o real conteúdo do que algumas ciências chamam “fatores ambientais básicos”, quando se referem a Ar, Água, Solo, Flora, Fauna e Homem.

Conclui-se que as limitações naturais para a gestão de fazendas, sempre serão efeitos de riscos ambientais proporcionados por variações de comportamento desses fatores ou bens ambientais. Por exemplo:

  • Uma encosta de alta declividade e com o solo argilo-arenoso exposto apresenta risco de desmoronamento e poderá interromper a saída de produtos da fazenda para o mercado – efeito adverso na renda familiar do fazendeiro.
  • Um trecho de corpo d’água, com mata ciliar retirada, possui alto risco de erosão e de desbarrancamento de suas margens, o que provocará assoreamento do corpo d’água e prejudicará uma fonte de alimentação da fazenda – peixes de várias espécies.
  • Várias nascentes próximas que têm suas áreas de entorno desmatadas, apresentam risco de reduzir sua vazão, o que poderá afetar uma importante fonte de abastecimento de água da fazenda – efeito adverso na operação da fazenda, em sua produção e na renda familiar.

Vê-se assim que riscos e efeitos ambientais podem causar prejuízos e danos, tanto a pessoas, quanto ao patrimônio do fazendeiro. Assim, devem ser identificados e avaliados antes mesmo que sucedam, de forma a receberem tratamento objetivo. Tratam-se de medidas antecipadas, proativas, com vistas a garantir e manter a estabilidade dos fatores ambientais afetados.

Considerações básicas da gestão

A gestão de uma fazenda deve ser realizada por meio de um plano ambiental (alvos e medidas para alcança-los) específico e bem engendrado, que atenda a duas diretrizes essenciais:

  • Impedir que ecossistemas estáveis sejam adversamente impactados; e
  • Reabilitar os ecossistemas eventualmente alterados.

A elaboração deste plano, sob o título “Plano para Gestão da Sustentabilidade”, será motivo do próximo artigo sobre gestão de fazendas de pequeno porte.

Espera-se que esta contribuição possa redundar em novas ideias e propostas sobre o tema, especialmente as provindas dos leitores deste blog.