Fábula dos 50 anos


Por Ricardo Kohn, Escritor e Consultor em Gestão.

Tudo no Brasil é estranhamente comemorado ao completar 50 anos. Têm-se os incontáveis cinquentenários de municípios em festa, o esquisito cinquentenário da Lagoa de Itaenga (!), a Dança do Cinquentenário – comemorada na Praia do Buraquinho – e até mesmo a asfáltica Avenida do Cinquentenário que, após ser concretada como um símbolo para tudo que tem 50 anos, foi esquecida por muitos no dia seguinte ao de sua inauguração. Restou-lhe só o nome, como uma eternidade póstuma, dedicada a 50 anos. Sequer sei onde fica mas, pela lógica, pode estar esburacada ou mal remendada, tal o focinho de quem contratou a obra.

Vista aérea da Praia do Buraquinho, ao norte de Salvador, Bahia

Vista da Praia do Buraquinho, norte de Salvador, Bahia

Por outro lado, as festas públicas têm custo e, a depender do motivo, podem requerer obras. Fico a pensar por quê essas festanças interessam tanto a prefeitos e vereadores. São políticos pequenos – não se trata de redundância – de municípios que foram distritos emancipados a fórceps e que, por serem totalmente improdutivos, sobrevivem às custas do Fundo de Participação Municipal. Isto é, dos tributos escorchantes que pagamos[1]. Por sinal, tributos que continuam a crescer em 2014, visando a manter a indecente máquina pública federal.

Se há alguma coisa de positiva nesses eventos, deve-se apenas ao fato que são festas e não enterros de cadáveres. Mas é óbvio que também podem ser um bom instrumento para desvios de verbas públicas, distribuição de várias propinas e corrupções menores para desobstruir espaços mais apertados. Acredito que, desgraçadamente, a maior parte dessas festas tenha essas finalidades como foco principal de seus promotores públicos.

O paradoxo faz 50 anos

Mas nem todos os cinquentenários fazem festas públicas comemorativas. Ontem a revolução civil-militar que derrubou o governo de Jango Goulart e permaneceu ditatorialmente no poder durante 21 anos, completou meio século.

Pelo fato de tê-la vivido desde o início, como um pré-universitário consciente, fico revoltado em ser obrigado a relembrá-la. Sobretudo, ao ler revistas e jornais que assino. Na maioria, conseguem explicar as barbaridades cometidas por ambas as partes: militares e terroristas, para usar as mesmas palavras de líderes dos enfrentamentos de então.

Todavia, por algum bom motivo, em 2014 a imprensa brasileira resolveu fazer um verdadeiro carnaval ou semana santa sobre o que hoje chama de Golpe militar. Isto porque em 1964, diante de uma tendência de migração do país para uma espécie de “socialismo sindical”, a mídia apoiou a derrubada do governo, junto com a maioria da classe média e empresários privados.

Pessoas em sã consciência assim se comportaram por acreditar que o regime militar seria passageiro. Um ajuste de caminho ideológico. No entanto, com o surgimento de lutas urbanas, de grupos de armados querendo implantar no Brasil a “ditadura do proletariado”, em resposta, os militares fecharam o sistema político.

Nas ações de parte a parte sucederam assalto a bancos, prisões, torturas, assassinatos e, ao fim, sequestro de embaixadores como moeda de troca. A ditadura militar endureceu, sempre servida por vários ministros civis, e a sociedade brasileira se danou.

O que está a acontecer

Os atuais donos do poder ou são membros dos partidos que receberam opositores da ditadura militar, ou são “os próprios participantes da luta armada”, como é o caso da atual presidente, que diz haver “lutado pela democracia” e sido torturada. Por sua vez, Fernando Gabeira disse numa entrevista que o papo era completamente outro, pois lutava mesmo pela “ditadura do proletariado”. Decerto, alguma tv ou alguém possui o vídeo gravado dessa entrevista.

Tendo vivido o período 1968-1978 com boa lucidez política, acredito nas palavras de Gabeira. Afinal, foi o que pude assistir. Porém, o que me assusta é a aparência do revanchismo que está a se instalar. Se for para rever a Lei da Anistia – um absurdo monumental –, que também seja “ampla, geral e irrestrita” para ambos os lados.

Para sorte da sociedade brasileira parece que os militares atuais são calmos, permanecem na caserna ou fundeados.

Não tornarei a falar desse assunto.

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[1] Neste ano, até 1º de abril de 2014, o Impostômetro está prestes a alcançar a casa de 437 bilhões de reais em tributos, pagos essencialmente por brasileiros.